Câmara dá aval para retorno de Raniere Barbosa em clima de incerteza
Natal, RN 28 de mar 2024

Câmara dá aval para retorno de Raniere Barbosa em clima de incerteza

25 de outubro de 2017
Câmara dá aval para retorno de Raniere Barbosa em clima de incerteza

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A votação que autorizou o retorno do vereador Raniere Barbosa (PDT) a Câmara Municipal passou por cima de uma decisão judicial em vigor que mantém o parlamentar afastado da Casa desde 24 de julho, acusado de chefiar um esquema de corrupção em licitações e contratos de iluminação pública na secretaria municipal de Serviços Urbanos. O esquema teria desviado mais de R$ 22 milhões dos cofres públicos. Além do afastamento do vereador de suas funções, oito pessoas foram presas na época pela operação “Cidade de Luz”. Responsável pela denúncia, o procurador geral de Justiça Eudo Leite informou por meio da assessoria de imprensa que só vai se pronunciar quando o Ministério Público for notificado pelo Judiciário.

Por 24 votos a 2, os vereadores usaram uma jurisprudência aberta recentemente pelo Supremo Tribunal Federal para tentar devolver o mandato a Raniere Barbosa. O mesmo caso serviu de base para o Senado reintegrar o tucano Aécio Neves à Casa. Na sentença, o STF delegou ao Legislativo a última palavra em caso de afastamento de mandato eletivo. O acórdão da sentença ainda não foi publicado, o que demora em média quatro meses para ocorrer. Por enquanto, as casas legislativas estão usando os votos de cada ministro e a certidão do julgamento para balizar as decisões particulares de cada Casa. Em Natal, apenas os vereadores Natália Bonavides (PT) e Kléber Fernandes (PDT) foram contra o documento de autoria do vereador Cícero Martins (PTB), que não se limita a requerer uma posição da Casa e faz uma defesa incisiva do vereador afastado.

O próximo passo é o encaminhamento ao Superior Tribunal de Justiça do resultado da votação que derruba as medidas cautelares impostas ao vereador Raniere Barbosa pelo poder Judiciário. Caso o STJ reconheça a legalidade da votação, o vereador do PDT voltará a exercer o mandato.

Embora tenha dado parecer técnico favorável ao trâmite, o procurador geral da Casa Waldenir Oliveira admitiu que a votação só terá validade jurídica se for ratificada pelo poder Judiciário.

- Sem ela (a ratificação do STJ), eu entendo que a votação é temerária. Não entro no mérito político, dissemos apenas que a Casa pode deliberar sobre isso e que o resultado deverá ser submetido à apreciação do poder Judiciário porque também não podemos afrontar a Justiça. A Câmara tem liberdade para deliberar sobre qualquer matéria apresentada. Mas isso não significa dizer que a gente tem o poder de revogar, cancelar, sustar ou derrubar qualquer decisão judicial.

Na prática, no entanto, o que diz o procurador geral da Casa não é o que representa o resultado da votação. O ex-presidente da comissão de estudos constitucionais da OAB/RN Daniel Pessoa afirma que a Câmara Municipal atropelou uma decisão judicial ainda vigente. Para o especialista, caberia ao próprio Judiciário rever a decisão.

- Há um certo atropelo dos parlamentares ao Judiciário porque existe uma decisão da Justiça vigente ainda. Caberia ao parlamentar entrar no judiciário e solicitar o mesmo tratamento que o STF deu ao senador mineiro Aécio Neves. Da maneira como está sendo feita, essa votação da Câmara afronta uma decisão judicial e provoca uma fissura no princípio da separação entre os Poderes. Nesse caso, a decisão política não teria validade porque a decisão judicial se sobrepõe.

Voto às cegas

A falta de informações sobre os autos do processo envolvendo o vereador afastado Raniere Barbosa foi um dos pontos levantados pelos parlamentares que rejeitaram o requerimento de Cícero Martins. Em razão do processo permanecer em segredo de Justiça nenhum dos vereadores teve acesso ao documento que balizou o afastamento.

A vereadora Natália Bonavides (PT) ressaltou a importância da soberania popular que conferiu o voto ao colega do PDT, mas classificou como “equívoco” a decisão da Câmara em face de alguns vícios, como o próprio desconhecimento dos vereadores sobre o conteúdo do processo e o problemas no rito a ser seguido pela Casa:

- Votamos sem conhecer o processo. É importante um posicionamento do legislativo sobre esse tipo de medida cautelar, como a do afastamento de mandato, mas isso não significa que tenha que ser feito de qualquer jeito, existem trâmites a seguir. O procedimento correto era: o judiciário enviar os autos para a Câmara e, sabendo o conteúdo do processo, a Câmara ratificaria ou não. Acho que essa decisão será considerada uma afronta ao poder judiciário e não vai ter validade jurídica. Vai ter uma repercussão muito negativa para a Casa.

Para vereadora Natália Bonavides (PT), autorizar retorno de Raniere Barbosa sem conhecer os autos do processo é um equívoco

O vereador Kleber Fernandes (PDT) seguiu a mesma linha e acredita que, neste caso, a Câmara Municipal pode sair desmoralizada diante de uma possível negativa do STJ:

- (A Casa) corre um grande risco de sair desmoralizada, até porque o acórdão do STF sequer foi publicado. A imunidade parlamentar, segundo a Constituição, também não atinge vereadores, fica restringido a deputados estaduais, federais e senadores. Eu acredito que o Judiciário vai decidir nessa mesma linha, de que a decisão do STF não se aplica a parlamentares municipais. Acho que o Ministério Público entendeu necessário esse afastamento, o poder judiciário concedeu, o Tribunal de Justiça ratificou e o Superior Tribunal de Justiça manteve, ou seja, nas três instâncias o poder judiciário julgou necessário manter o afastamento.

A vereador a Júlia Arruda votou a favor do requerimento, mas reconhece a insegurança jurídica no caso:

- Em vários momentos questionei a autonomia da Câmara para esse tipo de votação e aguardei a Procuradoria, que baseou meu voto e acredito que o da maioria. Como a procuradoria referendou a proposta do vereador Cícero e não impediu que o processo pudesse tramitar, dei meu voto favorável. Mas não deixa de ser uma insegurança jurídica.

CEI para investigar Raniere na Câmara só obteve 5 votos

Dos 30 vereadores da atual legislatura, apenas cinco assinaram o requerimento para instaurar a Comissão Especial de Inquérito que investigaria internamente o parlamentar. Sandro Pimentel (PSOL), Natália Bonavides (PT), Fernando Lucena (PT), Eleika Bezerra (PSL) e Franklin Capistrano (PSB) tentaram apurar os ilegalidades atribuídas a Raniere Barbosa, mas não tiveram o apoio dos demais colegas.

O vereador Sandro Pimentel, propositor da CEI, votou a favor do retorno de Raniere Barbosa ao mandato, mas disse que não abandonou a ideia da investigação.

- A Câmara não votou a absolvição nem a condenação (do vereador Raniere Barbosa) até porque o processo está em sigilo e a gente não sabe nem o que tem lá. Votei em respeito ao processo democrático e também porque ninguém pode condenar ou absolver ninguém se não temos esses elementos. Agora vamos insistir na transparência. Quando o vereador Raniere Barbosa voltar, vou pedir também o voto dele. Acho que assim como o Ministério Público, esta Casa também precisa fazer a parte dela. Precisamos tirar nosso processo e tirar nossas conclusões.

Natália Bonavides, que também assinou o requerimento da CEI, acredita que ao negar a abertura da investigação, a Câmara perdeu a chance de mostrar à população que quer transparência total no caso:

- Em agosto, quando a Câmara voltou de recesso, tentamos uma CEI, mas só conseguimos cinco assinaturas. Temos a competência de requerer documentos, convocar testemunhas. Votamos eu, Sandro (Pimentel), (Fernando) Lucena, Eleika (Bezerra) e Franklin (Capistrano). Acho que esta Casa abriu mão da prerrogativa que tinha de fazer juízo de valor em relação aos fatos.

Requerimento faz defesa declarada de vereador afastado

Vereador Cícero Martins (PTB) espera que o STJ decida sobre o tema baseado na lei

O requerimento aprovado por 24 a 2 pelos vereadores da Câmara Municipal, que autoriza a recondução do vereador Raniere Barbosa ao exercício do mandato, não se detém apenas em solicitar, por maioria dos votos, as medidas cautelares impostas ao vereador Raniere Barbosa pelo juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN.

O documento assinado por Cícero Martins chega a afirmar que o Ministério Público “não apresentou qualquer prova contundente”, mesmo a investigação estando aberta a “mais de 24 meses, produziu a interceptação telefônica de centenas de horas de ligações telefônicas, mais de 300 mil e-mails e milhares de SMS’s.

Sobre a votação que pode devolver o mandato de Raniere Barbosa, Cícero Martins conversou com a agência Saiba Mais sobre o futuro da decisão tomada pelos vereadores da Casa:

O seu requerimento se baseia numa jurisprudência recente do STF envolvendo o senador Aécio Neves mas vocês sequer tiveram acesso ao processo. Tem alguma validade jurídica essa votação ?

- Em nenhum canto diz isso, que a gente tem que esperar o processo chegar. Segundo: o processo está em segredo de justiça. E terceiro: o mandato é temporal, de quatro anos. E se esse processo só chegar daqui a dois anos ? Não temos acesso ao processo. Essa Casa votou o impeachment do prefeito Carlos Eduardo sem acesso ao processo também. Na verdade, essa foi uma questão colocada pelo STF. Nós temos que atender a uma demanda do STF. O STF entendeu assim, mas não colocou em sua decisão que nós teríamos que ter acesso ao processo.

A Constituição Federal diz que imunidade parlamentar só alcança deputados estaduais, federais e senadores. O senhor acredita que o STF vai estender a jurisprudência para os parlamentares municipais também ?  

Tenho certeza. Devido ao princípio da simetria constitucional, estarão assistidas todas as casas legislativas. Por isso houve na Assembleia (o deputado estadual Ricardo Motta também teve o mandato devolvido) a mesma votação, aqui também, e vai haver em todo Brasil. É um princípio de simetria constitucional. E a decisão da procuradoria se baseou muito bem, oito procuradores assinaram. Entendo que os colegas que votaram contra entendam diferente, tudo bem, é normal, agora prefiro acreditar no STF e prefiro acreditar nos 8 procuradores.

O senhor acha que a Câmara Municipal pode ficar desmoralizada caso o STJ não ratifique a decisão dos vereadores desta Casa ?

Não se trata de desmoralização. Quando a gente perde uma ação, a gente não fica desmoralizado. A gente respeita o que a Justiça diz, então não vejo como um ato de desmoralização. Eu espero que o resultado seja o que a lei diz, mas a gente já viu tanta coisa pior né ?

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