Moro ao mar?
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3 de fevereiro de 2018
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Definitivamente o Brasil não é um dos lugares mais fáceis para se idealizar figuras públicas e eleger heróis. É só ver os resultados das eleições de 2014. Mais de 51 milhões de brasileiros optaram por um candidato que, alguns anos depois, viu seu elaborado plano de venda como uma figura honesta e eficiente, ir ladeira abaixo em alguns segundos de áudio em que pede propina, satiriza sobre assassinato de parentes e fala palavrões. Mantendo a pose de bom moço, ao menos pelos palavrões, Aécio pediu desculpas. Menos mal, né?

Nos primeiros protestos contra Dilma, na rua estavam um batalhão de celebridades, orgulhosas, usando a camiseta da grife Sérgio K..." A culpa não foi minha, eu votei no Aécio". Hoje, se sobrou alguma, já devem ter virado pano de chão. E quantas capas não foram feitas falando do poder de Aécio, de seu magnetismo pessoal, de sua habilidade política. Até elogiando aspectos nada gloriosos de sua carreira como se qualidade fossem, caso da sua atuação no Senado. Talvez mais fácil fosse encontrar o senador em Ipanema do que no Planalto Central. Tudo bem, ele é um bom vivant. Não precisamos de mais políticos que exalam jovialidade? Lembram do último que filmaram andando de jet ski enquanto caçava marajás? Deu super certo.

A verdade é que não deve ter sido fácil pra direita brasileira, para a grande mídia, abandonar o Aécio, após a divulgação dos áudios do Joesley. Ele era um projeto de anos, o neto do Tancredo, que chegou raspando e quase pegou a faixa presidencial. Aécio tinha tudo que eles gostam nos bonecos de ventríloquo que sempre escolhem para as disputas eleitorais. Era submisso e obediente, como o mercado e os financiadores de campanha gostam. E ainda é bonitão, imagina que difícil fazer as pessoas apertarem 45 com o Serra e o Alckmin aparecendo na urna.

Contudo, mesmo o melhor dos fantoches pode se tornar obsoleto. E quando essa hora chega, meu bem, eles te jogam aos leões como se nunca tivessem tirado uma selfie com você. Aécio, como tudo no PSDB, sobreviveu a enxurrada de denúncias, voltou pro Congresso e ainda ajudou a desmoralizar o Supremo, pois cabaré pequeno nem vale a pena abrir. O político mineiro foi tirado na voadora do Olimpo brasileiro, esse dos deuses estranhos e duvidosos que os editoriais de grandes jornais e as capas da Veja escolhem pra gente. Agora está nivelado a boa parte do que é nossa classe política: mortal, medíocre e pequena.

Outro Deus do Olimpo da terra de Tupã, alçado de desconhecido juiz de primeira instância à celebridade em alguns editoriais do Globo, teve, ao que tudo indica, a sua longa, e cheia de orgasmos múltiplos, lua de mel com a grande imprensa brasileira interrompida na última semana. Uma matéria na Folha de São Paulo questionou o recebimento de auxílio-moradia pelo juiz, que já possui imóvel próprio em Curitiba. É a primeira manchete negativa, em anos, sobre o principal nome da Lava Jato, mais famoso que a maioria dos réus, às vezes até caricaturado em capas de revista como um oponente dos acusados, não como o julgador do processo.

Falar mal de Moro é quase um pecado. Coisa de quem quer parar a Lava Jato. Então não existe espaço para entender o juiz como um ser que está suscetível às pressões. Acima da crítica, não existe parcialidade em suas decisões, nem erro nos vazamentos seletivos para a imprensa, nem na divulgação de escutas com a Presidente da República, algumas horas depois de gravadas. Deuses não pecam, logo não cometem erros. E se cometerem erros? Bom, passaremos dias dizendo para você que foi por uma boa causa, para acabar com a corrupção e por aí vai.

Difícil acreditar que só agora se deram conta de que o juiz mais famoso do país recebe auxílio – moradia. Não sei se já jogaram Moro ao mar, se ele não é mais tão útil para quem controla a informação e adora brincar de poder. Se caso o processo de expulsão do juiz celebridade continuar, o Olimpo brasileiro perde mais um de seus deuses fabricados, o país mais um de seus heróis de ocasião e muitas donas de casa devem ganhar, em breve, novos panos de chão.

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