Associação dos jornais “lava as mãos” e não fala sobre eleição
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Associação dos jornais "lava as mãos" e não fala sobre eleição

19 de outubro de 2018
Associação dos jornais

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Embora alguns veículos estrangeiros tenham se posicionado criticamente acerca das eleições presidenciais brasileiras, sobretudo em relação aos riscos de o candidato do PSL à presidência Jair Bolsonaro vencer a disputa, e embora entidades como a Federação Nacional dos Jornalistas tenham publicado manifesto condenando o “fascismo emergente”, a associação que representa a indústria dos jornais brasileiros não cogita se pronunciar oficialmente sobre o tema, a não ser que as ameaças se tornem concretas.

Este é o pensamento do presidente da Associação Nacional dos Jornais Marcelo Rech que, em entrevista exclusiva ao portal da agência Saiba Mais, declarou respeitar as manifestações das diferentes entidades, mas enfatizou que a ANJ não fará recomendações porque, segundo ele, não pode interferir na linha editorial dos seus filiados.

Rech fez a palestra de abertura do 2º Seminário Internacional de Jornalismo, promovido em São Paulo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing em parceria como a Columbia Journalism School. O assunto que acabou dominando foi o avanço das “fake news” na disputa presidencial. Numa das palestras, realizadas segunda-feira passada, o editor do site Catraca Livre Gilberto Dimenstein chamou de covardes os veículos que não se posicionam politicamente diante de uma grave ameaça à democracia.

“Todas as manifestações de diferentes entidades e veículos são respeitáveis, a favor ou contra, afinal isso é a base da liberdade de expressão”, declarou o dirigente da ANJ. “A entidade não interfere na linha editorial dos seus veículos filiados, mesmo porque nosso princípio básico é defender a liberdade de expressão”, argumentou.

O executivo lembrou que a associação surgiu durante a ditadura militar com o intuito de unir os jornais para promover a defesa conjunta da liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, destacou que recentemente a ANJ homenageou a jornalista Miriam Leitão e, em nome dela, todos os jornalistas que foram hostilizados ou sofreram intimidações e que a associação está pronta para agir quando os veículos, os profissionais e todos que estão ligados à indústria da comunicação forem agredidos, independente de onde partam os ataques ou de quem esteja no governo. “Como entidade, faremos e fazemos manifestações no momento em que as ameaças se materializarem, se tornarem concretas”, afirmou.

Especificamente em relação à imprensa, o presidente da ANJ lamentou o posicionamento dos dois presidenciáveis, Jair Bolsonaro e o petista Fernando Haddad. “Há uma coincidência e uma similaridade entre os dois candidatos”, afirmou. “Não digo em eleger a imprensa como inimiga, mas em gerar uma certa descrença sobre a produção dos conteúdos e de seus profissionais”.

Antes da entrevista ao Saiba Mais, em sua palestra, Marcelo Rech afirmou que o jornalismo nunca foi tão relevante para a sociedade como agora, sobretudo por causa dos avanços das notícias falsas. Sobre isso, defendeu até que a expressão “fake news” seja substituída por “desinformação” .

O presidente da ANJ disse que a sociedade vive um período de “caos informativo” em razão, sobretudo, da rapidez de disseminação das notícias falsas e afirmou que as plataformas digitais, hoje chamadas à responsabilidade, jamais manifestaram interesse em promover algum controle porque o modelo de negócios que as sustentam é baseado principalmente no compartilhamento. “As plataformas lavaram as mãos para os excessos que estavam ocorrendo porque quanto mais se compartilhava, mais elas ganhavam”.

Marcelo Rech diz que o combate à desinformação e o trabalho contra a reprodução de notícias falsas vão gerar uma nova ordem de valor para os veículos de comunicação. “Nosso negócio passará a ser, além da produção da informação, a geração de confiança”, afirmou. “O que vai remunerar a partir de agora os veículos será a capacidade deles mostrarem a seu público que o conteúdo que produzem é totalmente confiável”.  Para isso, será necessário investir em bom jornalismo, checagem e em educação para a mídia, no sentido de orientar os cidadãos a distinguirem os bons conteúdos.

O presidente da ANJ ressaltou a iniciativa de diversos veículos e entidades que criaram mecanismos de checagem de notícias e disse que este é um trabalho fundamental porque a desinformação tem que ser desmontada. “É preciso estragar o prazer de quem dissemina desinformação”.

Dimenstein: “isenção num momento como esse é covardia”

Editor do site Catraca Livre, Gilberto Dimenstein defende que não dá para ser isento quando alguém é uma ameaça à liberdade de expressão

Editor do site Catraca Livre, o jornalista Gilberto Dimenstein defendeu que, a exemplo do que comumente ocorre nos Estados Unidos em momentos de eleição, os veículos brasileiros devem assumir claramente suas posições políticas. “Falar em isenção num momento como este, em que está em jogo a democracia brasileira, em que um candidato ressalta a violência, faz elogios à ditadura, se mostra homofóbico e tudo o mais, é uma covardia”, afirmou ele, sob aplausos da plateia. “Não dá para ser isento diante de alguém assim, que ameaça a liberdade e defende a tortura”.

Gilberto Dimenstein se mostrou incomodado inclusive com a forma como Bolsonaro costuma ser identificado nos veículos. “Gente, ele não é de direita, ele é de extrema direita”, disse. “Direita é o Alckmin, o FHC”, concluiu.

Dimenstein participou de uma mesa de debates sobre “Democracia e Desinformação” ao lado da jornalistas Monica Waldvogel e do jornalista Kyle Pope, da Universidade de Columbia. O fundador da Catraca Livre disse que ao assumir publicamente sua posição contrária à candidatura de Jair Bolsonaro foi bombardeado nas redes sociais pelos simpatizantes do ex-capitão. “Por outro lado os acessos ao site se multiplicaram enormemente”, afirmou. A Catraca Livre, segundo ele, atinge 30 milhões de pessoas por mês.

Gilberto Dimenstein se mostrou perplexo com o nível de desinformação e de desconhecimento que percebeu entre os eleitores de Jair Bolsonaro. Afirmou, porém, que é preciso reconhecer que, a despeito disso, o candidato venceu a disputa também nas redes sociais. Para ele, será ainda pior quando as “milícias digitais” estiverem atuando.

Dimenstein disse que para resistir, caso Bolsonaro seja eleito, será preciso praticar o que ele chamou de “resistência gentil”. Segundo ele, não bastará buscar a verdade, mas explicar e mostrar o tempo todo, didaticamente, porque aquilo é verdade. “Temos que nos preparar, nós jornalistas, a dizer o óbvio o tempo todo”.

O editor citou o exemplo da Lei Rouanet. “Eles propagam que vários artistas estão com medo de ‘perder a boquinha da Lei Rouanet’, mas não conseguem entender que a lei não financia diretamente os artistas”, descreveu. “Vamos ter que ser didáticos e explicar a todo mundo que trata-se de uma isenção de impostos para quem investe em cultura”.

Dimenstein disse que os veículos fazem trabalho notável de checagem contra as notícias falsas, com o que concordou a jornalista Monica Waldvogel, embora tenha dito que, para ela, muitas vezes dá-se a impressão de que o jornalismo está ‘enxugando gelo’. “Vejo o trabalho notável que as equipes de checagem fazem na Globonews, mas essa onda é avassaladora”.

Segundo Monica, há estudos apontando que circulam de 3 mil a 5 mil notícias falsas diariamente. Sobre a isenção dos veículo, disse ser contrária ao ‘jornalismo a favor’. Para ela, o jornalismo precisa expor, sempre, as opiniões diferentes.

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