Dançando na beira do abismo
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Dançando na beira do abismo

13 de setembro de 2018
Dançando na beira do abismo

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Uma semana após o atentado à faca sofrido pelo deputado Jair Bolsonaro, a gente já sabe que o maluco que o esfaqueou ouvia a voz de Deus. Por isso, é preciso levar em consideração certos atenuantes, pois, como proclamava São Tomás de Aquino ainda no século XIII, a inimputabilidade penal  deve ser direcionada para três tipos de pessoas: as crianças, os loucos de todo gênero e aqueles dotados de uma espiritualidade superior (mesmo que não seja muito claro, na maioria das vezes, a diferença entre os sujeitos do segundo e do terceiro tipo).

Mesmo assim, teve quem sonhasse, espalhando fake news pelas redes sociais, em arrumar uma explicação político-ideológica para a ação de Adélio Bispo de Oliveira. Acusado de petista pelos bolsonaristas empolgados com a possibilidade de colocar nas costas da esquerda a responsabilidade pela violência sofrida pelo seu mito particular, descobriu-se que o sujeito teria sido filiado ao PSol, o que comprovaria sua suposta “esquerdopatia”.

A narrativa da violência política poderia até fazer sentido, afinal, já somam-se muitas as expressões desse tipo de fenômeno nesse ano de eleição que abriu com o assassinato covarde da vereadora Marielle Franco (ainda sem apuração concluída), manteve-se com tiros contra a caravana do presidente Lula e ameaça fechar com mais algumas manifestações de barbárie a julgar pelo alto grau de temperatura e pressão da campanha eleitoral. A impressão que temos, ao analisar o clima político no país é que, o brasileiro parece que se acostumou a dançar na beira do abismo, quer seja por infantilidade, loucura ou por estupidez mesmo.

O mais curioso é que, mesmo com toda comoção e a condenação generalizada que o atentado suscitou, o candidato do PSL não parece ter conseguido capitalizar um aumento significativo nas intenções de voto. Nem mesmo a piedade e comiseração cristã, bem brasileiras, que sempre transformam aqueles que sofrem, nas prisões ou nos hospitais, em santos martirizados, conseguiu diminuir a rejeição do ex-capitão.

Isso provavelmente se deve ao fato de a imagem de Bolsonaro já estar por demais ligada a violência para que seu esfaqueamento se torne uma ferramenta de capitalização política, afinal, um candidato que sugere que deveríamos metralhar opositores, que trata como herói gente que torturou mães na frente de filhos, e que ensina crianças a simular gestos de tiro não fica bem posando de vítima.

Bolsonaro paga politicamente pela banalização da violência que ele mesmo  naturaliza em seu discurso. No fim das contas, a única proposição mais ou menos clara que ele parece ter para a sociedade brasileira, pelo teor de suas falas e pelos gestos simbólicos de suas aparições públicas, é trocar a violência subjetiva que eclode aqui e ali em rompantes de criminalidade; pela violência sistêmica de uma normalidade mantida à bala, no melhor estilo Pinochet.

Como um “profissional da violência” a noção fundamental de seu discurso não é de uma “pacificação nacional” ou de um combate racional e técnico ao surto de criminalidade que acossa a população brasileira, mas sim uma fantasia escatológica de que esse surto de violência institucional seria a única ferramenta possível para manter o país sob controle.

Mas o candidato esfaqueado não é um fenômeno isolado. O personagem que ele construiu e que vinha cultivando há décadas para sustentar sua carreira política de deputado federal com mais de sete mandatos, foi achado pelo complexo judiciário-militar que, em sua pretensão de destruir o sistema político, acabou ajudando significativamente a levar o ex-capitão do exército ao primeiro lugar nas pesquisas, ao mesmo tempo em que cuidava para que o nome do ex-presidente Lula fosse retirado do jogo eleitoral.

Nesse sentido, Bolsonaro é a expressão mais acabada do lavajatismo. No fim das contas ele é a consequência autoritária que emerge  da velha ideologia sanitarista que elegeu Jânio Quadros em 1960, que derrubou Jango em 1964, colocou Collor no Planalto em 1989 e apeou Dilma do poder em 2016.

A cantilena da moralidade, repetida à exaustão pela imprensa hegemônica, pelos agentes das castas togadas e pelo complexo policial-militar, não nos entregou mais democracia, mais pluralidade ou transparência. Do meio dos Moros, Bonners, Dallagnois e Barrosos a jogar lama na política e demonizar a democracia diariamente,  emergem do lodo da nossa história, autoritária e escravocrata, Bolsonaros e Mourões. Profissionais da violência que vendem a uma população apavorada o mito de um violência redentora, que cauterizaria o caos imaginário de nossas fantasias sociais em uma nova ordem feita de sangue e silêncio.

Não há como ler o significado de uma candidatura como a de Bolsonaro sem montarmos essa articulação que une lavajatismo e sua cruzada religiosa contra a política ao ressurgimento no palco da política da figura do general fardado que fala em “combater a anarquia”. A questão ideológica parece simples. Se não conseguem vencer pela força do voto, vão tentar decidir o campeonato no tapetão dos tribunais ou, como uma última alternativa, vencer a disputa política pela força da bala.

Por isso, por mais que a gente se indigne com a brutalidade do atentado contra um candidato a presidente que tem mais de 20% das intenções de voto, não há como ter pena Bolsonaro, afinal, se você quer dançar na beira do abismo não vá depois reclamar da altura da queda.

Assista ao comentário veiculado pela TV Universitária da UFRN:

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