Lanchonete Chapinha
Natal, RN 29 de mar 2024

Lanchonete Chapinha

7 de outubro de 2018
Lanchonete Chapinha

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Atenção, turma da esquina. Meninada da Cidade Alta, é chegada a hora de parar de falar sobre futebol, as "meninas de Maria Boa" já passaram, lindas, estilosas, perfumadas, algumas mais safadinhas e simpáticas dando trela, piscadelas, sorrisinhos para ouriçar a mulecada sentada na esquina da Voluntários/Santo Antônio, com a rua Apodi. Era o sinal, a hora de "fechar" a Lanchonete Chapinha.
Quase todos os dias, menos sábado e domingo. A semana inteira, quando passava um pouco das onze da noite, íamos para a casa de lanche, talvez, mais famosa de Natal, no mínimo uma das mais frequentadas, surgida no meio da Praça André de Albuquerque, nos tempos dos parques e dos pastoris nos anos 1970/80/90 e que depois se instalou, bacana, espaçosa, no prédio  por trás da Parada Metropolitana, Cidade Alta.
A galera corria. Era hora do movimento menos intenso, nossos amigos queridos, balconistas já estavam com mais tempo livre para falar sobre futebol, o tema preferido de todos. Claro, os nossos lanches eram sempre os mais caprichados, com descontos inacreditáveis no preço. "Meu Goleiro", nosso amado e saudoso Batista, muitas vezes sequer preenchia a comanda.
No caixa, Silvano, alecrinense, do nosso coração também, se notava qualquer irregularidade não demonstrava, e ainda aceitava nossos fiados sem fazer cara feia. E ainda tinha o impagável "Zé Cambista", ele não fazia parte do time de futebol, mas nos fazia rir demais com suas locuções. Ele sonhava ser radialista. Onde será que anda? Lanchonete Chapinha. local de encontro, passagem dos tipos mais estranhos, engraçados, caricatos. Tínhamos amizade também com os donos que alternavam na direção, no arrendamento do ponto, sistema iniciado pelo dono, Pedro que se não me engano, foi um dos fundadores do PT em Natal. Ele é proprietário da marca Chapinha, que é conhecidíssima hoje na distribuição de sorvete, picolés, popa de fruta e dezenas de outros produtos.
Apesar de sempre chegarmos faltando pouco menos de uma hora para o fechamento, ainda dava tempo, muitas vezes, de encontrar os mentirosos, o grupo mais numeroso. Engraçado, as mentiras mais absurdas, evidente, giravam sempre em torno do futebol.
O mais incrível deles, o mentiroso valente, não posso dizer o nome. Ai de quem o contrariasse. Muitas vezes quebrava um copo de vidro no dente somente para mostrar o quanto era macho e invencível nas brigas. Se dizia craque de bola, e que desprezou ABC e outros clubes que viviam batendo sua porta para que ele assinasse contrato. Gente, acredite, um sorrisinho que fosse, um cochicho, qualquer detalhe pondo em dúvida por algum coitado desavisado...sai de baixo. O homem virava fera e só sossegava se a pessoa o convencesse que acreditava e não estava caçoando dele.
Um outro mentiroso sensacional. Esse posso falar, era o "Raimundo Mentira",  andava com uma carteirinha surrada, antiga, com sua foto colada de forma esquisita, que mostrava orgulhoso como sendo prova de que jogara no Alecrim, no tempo de ouro em que o Verdão conquistou o campeonato invicto. Ele dizia ter jogado ao lado de Zezé, Elson, Icário e Burunga. Só que, quando Zezé aparecia na lanchonete, isso acontecia algumas vezes, ele sumia. O atacante do Verdão, questionado sobre nosso "craque" dizia nunca o ter visto.
E o mentiroso ator/jogador, não vou dizer o nome também, hoje, segundo soube é pastor protestante. O doido possuía fotos ao lado de Maitê Proença, no tempo de Dona Beija, novela antiga da tevê Machete. Ele era figurante, tudo indica, mas afirmava ter recebido vários convites para trabalhar em outras novelas, como ator,  mas preferiu a carreira de jogador de futebol. Esse maluco quase nos mata de rir quanto, certo dia, chegou com uma fita cassete, onde supostamente havia a narração de um jogo do Grêmio em que ele era muito enaltecido pelo "locutor".
Toda hora o narrador da "Rádio Guaíra", dizia, ele era zagueiro: "corta fulano, tinha mais uma fulano, joga demais esse fulano..." Na maior cara de pau afirmava ter jogado no Imortal Grêmio de Futebol Portoalegrense e mostrava fotos antigas com a camisa do clube gaúcho. Vai se saber como ele conseguia. Ele dizia isso para uma turma que vivia, respirava e comia futebol, como se a gente todos alí não soubessem quem fazia parte dos clubes do Brasil.
Lembram do Capiba da Metropolitana? Escrevi sobre ele, certa vez,  o morador de rua que dizia ser o Capiba, atacante do Alecrim, ele também fazia parte dessa turma, mas a história dele merecia ser contada e o fiz.
Outro famoso, esse a turma nem chegou a conhecer, se chamava Helvécio, zagueiro, que veio, de verdade, para treinar no América, contando histórias de passagens de "vôos de asa dura", como ele dizia, por vários países e clubes grandes do Brasil. Com essa conversa mole de ser profissional e ter jogado em vários clubes do Brasil, comeu fiado por um bom tempo na lanchonte quando o comando era de meu querido amigo Raimundo Silvério, o Canela. Até que um dia, Canela chama Helvécio para fazer parte de nosso esquadrão da lanchonete, que fazia jogos pelo interior. Dessa vez, ele não teve como fugir. Nem  precisa dizer nada. No interior, a malhação foi geral, todos ficaram sabendo que ele não sabia nem calçar a chuteira direito.
Era ruim de bola de doer, sumiu no tempo e nunca mais se ouviu falar de tal figura.
Inesquecível Lanchonete Chapinha de nossos primeiros amores. Muito mais que lembrar dos tipos estranhos, minha saudade eterna aos amigos queridos, das nossas peladas de fim de semana, representando a lanchonete, jogando futebol de campo ou futsal,  o time do Chapinha, que marcou época derrubando invictos por onde passava.
Saudade sempre de Batista, "Meu Goleiro", era sua posição, incentivávamos o seu amor pelo futebol, fechávamos os olhos para sua pouca qualidade técnica, só para vermos a sua felicidade entrando em campo, calçando as luvas, fazendo seu característico aquecimento. Que falta nos faz.  A maior comoção já sentida em nosso grupo quando ficamos sabendo da morte de nosso querido amigo num acidente na Ponte de Igapó. Uma tristeza que permanece até hoje.
E tinha "Meu Ponta", Raimundo, irmão de Batista, esse tornou-se meu compadre, hoje é taxista, no Chapinha o chamavam de Raimundo "Mocó", mas nós o rebatizamos de "Meu Ponta" e assim ficou, para nós, até os dias de hoje.
Se chegava um atendente novo era logo batizado. Jorge Bonga, Chico Leiva, "Meu Pontinha" (um terceiro da família de Batista) e outras tantas alcunhas que criávamos.
O Chapinha fechava à meia-noite, muitas vezes ajudávamos na limpeza sim, a esfregar o chão, a tirar a água, pois o salão era lavado todos os dias.
Depois? Bem, quando alguém da turma tinha um trocadinho no bolso, o que não era comum, a gente descia lá para o Arpege, na Ribeira velha de guerra, rua Venezuela, subíamos à escada em espiral para fazer pose tomando coca-cola e colocando fichas na radiola  para ouvir as músicas de Jessé e Super-Homem na voz de Gil.
Mas o Arpege, acreditem, já é uma outra longaaaaaaaaaa história.
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