Miseráveis merecem morrer
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Miseráveis merecem morrer

5 de maio de 2018
Miseráveis merecem morrer

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Essa semana o Brasil acompanhou uma aula prática sobre criminalização do pobre e da pobreza. Em uma montanha de destroços o fogo ainda não tinha sido nem controlado quando na rádio um dono de hotel da região crava que os moradores são os responsáveis pela queda do edifício no centro de São Paulo. Seguiu-se nas redes sociais uma série de inflamadas afirmações sobre os ocupantes, misturando os diversos movimentos por moradia como se eles fossem um só e desviando o foco principal do debate: a razão das famílias ocuparem o prédio e porque existe gente sem casa, mesmo com tanta casa sem gente.

Falam que  o prédio era frequentado por usuários de drogas, como se as coberturas de luxo também não fossem. Dizem que ocupação é coisa de vagabundo, mas nunca frequentaram uma para saber as histórias dos que já não conseguem garantir um teto em cidades montadas pela lógica da especulação imobiliária e da gentrificação.

A nossa desconexão com a realidade é o trunfo dos gestores quando as tragédias pela ausência do estado acontecem. A vida de improviso nas ocupações são prova da falta de atenção pública para o déficit habitacional e para a ausência de políticas de reforma urbana, onde prédios e terrenos são abandonados e não tem sua função social garantida. Ao culpar os sem-teto, vamos deixando os ocupantes dos gabinetes oficiais mais confortáveis com sua omissão criminosa.

Para os que responsabilizam miseráveis por morrer no prédio em chamas cabe a ideia de que ser pobre é estar próximo de uma conduta criminosa.  Para alguns, são opções individuais, não as circunstâncias da pobreza, que fazem as pessoas optarem pela vida numa ocupação por moradia, por exemplo. Esse pensamento distorcido sobre a pobreza autoriza uma ação truculenta do estado contra os mais pobres, o alvo comum das forças de segurança. Sempre elevados a suspeitos por se vestirem de tal jeito e  morarem em tal lugar.

A classe média remediada, muito longe de ser rica e muito perto de voltar a ser pobre, é uma grande aliada desse pensamento conservador que criminaliza a pobreza, por uma distorção do que deveria ser o lugar dessa classe média. Acreditando que está próxima da elite, não consegue enxergar que sua frágil construção econômica coloca ela ladeada com os pobres que tanto rejeita. A posição social dessa classe média é ameaçada pelos ricos que defende, não pelos pobres que lutam para existir no orçamento público.

A intenção de ser elite faz com que essa classe média reprise o ódio aos mais pobres, e não se enxergue enquanto trabalhadores também explorados nesse sistema que garante mais privilégios para quem já tem muitos. A cumplicidade com um discurso higienista  é uma autorização extraoficial para o estado seguir negando direitos, como o acesso à moradia, aos mais pobres.

A desconexão da realidade é tão profunda que gritamos contra sem-teto, enquanto juiz milionário recebe auxílio moradia, mesmo tendo casa para morar. Hipocrisia mora faz tanto tempo por aqui que já nem corre o risco de receber ordem de despejo.

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