Na TV digital, tudo como antes e em alta definição
Natal, RN 19 de abr 2024

Na TV digital, tudo como antes e em alta definição

11 de junho de 2018
Na TV digital, tudo como antes e em alta definição

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Domingo à noite e dez dias depois do apagão analógico, resolvo estrear minha televisão digital. O futuro que eu tanto debatia há treze anos, finalmente chegou. Em 2005, o Brasil debatia qual seria o melhor sistema para a televisão digital por aqui. A disputa se daria entre o obsoleto sistema estadunidense, o bem sucedido sistema europeu e o avançadíssimo sistema japonês.

Os donos da mídia logo escolheram a mais avançada das mais avançadas das tecnologias. Os japoneses trariam imagens em alta definição e, de quebra, entregariam o sinal de TV em nossos telefones celulares, tablets e automóveis. Do outro lado, nós dos movimentos sociais apostávamos no sistema europeu, que garantiria boa qualidade de imagem e som e ainda aumentaria a quantidade de canais disponíveis em cada cidade – com potencial para diversificar a programação e democratizar a mídia.

Agora, terminada a sintonia dos canais locais, tenho certeza de que estávamos certos. Naqueles dias de 2005, eu costumava dizer que de nada adiantariam as imagens em alta definição se só houvesse o Faustão e o Silvio Santos para ocupar as tardes de domingo na televisão. Para minha surpresa, tem coisa muito pior em HD na TV Digital. Além dos velhos canais com a programação de sempre em formato digital, ganhamos acesso a um belo pacote de canais religiosos que distribuem doutrinações moralizantes e discursos de preconceito sempre embalados na palavra dos deuses.

Em alta definição e com som estéreo, um missionário católico contava como eram selvagens nossos povos originários e como o Padre Anchieta usava a poesia e a música para evangelizar tantos homens e mulheres sem alma. No outro canal, um pastor esbraveja a palavra divina (ainda que pareça qualquer outra coisa). Tem também gincana em família (com pai, mãe, filho e cachorro) num canal católico e ainda um karaokê de música gospel.

No canal 51 não tem alta definição. Os canais legislativos dividem as quatro faixas de programação, mas não podem transmitir a melhor imagem. No canal 05, a TV Universitária também não pode transmitir em HD e com um transmissor digital obsoleto e com a manutenção precária deixou de chegar aos televisores de vários bairro de Natal e em cidades vizinhas. Ao que parece, na TV digital brasileira, a cidadania não terá alta definição.

Nem alta definição, nem interatividade. Uma das promessas da TV digital era o acesso a serviços interativos a partir do controle remoto. Seria possível consultar a previsão do tempo, agendar consultas médicas, receber informações sobre serviços públicos e até mesmo interagir com a programação. Mas parece que todo o trabalho dos pesquisadores de universidades brasileiras foram varridos do espectro por smartphones e tablets e pela falta de investimento da indústria, além da falta de apoio do próprio Estado.

Em poucos meses, a faixa de sinal dos 700 Mhz – onde ficavam os canais da TV analógica – deve ser destinada ao sinal da internet móvel em 4G. A medida deve ampliar a cobertura em áreas rurais graças a maior facilidade que o sinal se propaga no ar, o que, de quebra, diminui os custos das operadoras para a ampliação da rede. E diminui ainda mais as chances de a TV ganhar um pouco mais de diversidade e democracia. E nas maiores cidades do país já não há espaço para novos canais.

No que sobrou para a TV, os latifundios digitais seguem dando voz aos velhos coronéis analógicos. A imagem sem chuviscos não é capaz de disfarçar uma democracia em baixa definição, quase fora do ar.

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