A arte e os fins lucrativos
Natal, RN 28 de mar 2024

A arte e os fins lucrativos

3 de dezembro de 2018
A arte e os fins lucrativos

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Fui chamado aqui para falar da mídia e de como ela vem transformando nossas práticas cotidianas, nossa política, nosso modo de ver e sentir o mundo. E a mídia serve mesmo para muitas coisas. Basta você parar para pensar um pouco sobre como cada momento do seu dia está imerso em um universo de informaçoes mediadas pela mídia, sejam as mais clássicas, como os jornais, o rádio e a televisao, sejam as mídias sociais, os dispositivos móveis, os algorítmos.

E tudo isso faz o dinheiro circular. Tudo está a venda na TV, cada clique vale dinheiro na internet, democracias podem ser manipuladas por alguns milhoes de dólares em dados pessoais. A mídia serve para dar lucro. Algumas vezes, sobra alguma migalha para nossa cidadania.

E a arte? Para que serve a arte?

Baía Formosa sediou, no fim de semana, o Festival Internacional de Cinema (FINC). Além da mostra de curtas potiguares com a temática livre, dezenas de filmes concorreram nas mostras temáticas, que destacaram o universo das mulheres - com filmes que trataram da violência, dos corpos, do lugar de fala, da poesia - e a novidade do ano, uma mostra para destacar as pérolas do RN - que renderam belas imagens do litoral e do sertao, das belezas naturais e da cultura potiguar.

No fim da noite, a premiação e, junto com ela, uns poucos discursos políticos e o acordo de que é preciso valorizar a cultura e apoiar o audiovisual potiguar.

Só que uma dessas falas me deixou aquela coceirinha lá dentro do juízo. Partiu do secretário estadual de turismo Manuel Gaspar, quando ele destacou o papel do cinema em destacar as potencialidades turísticas do nosso estado.

Não é de se espantar. Na cabeça de um capitalista da indústria do turismo, tudo e todos precisam servir ao seu objetivo fundamental: o lucro. E foi assim que o secretário assistiu aos filmes da mostra «Pérolas do RN». O que ele viu ali não era mais arte, era um produto à venda, era o material de divulgação na feira internacional.

Também não é de se condenar a ideia. Cidades globais como Londres, Paris e Nova Iorque se aproveitaram do cinema para atrair visitantes. As histórias contadas na telona instigam os viajantes e provocam desejos de viver a experiência. O cinema pode servir para o turismo, para a economia. Mas não é para isso que serve o cinema. Não é por isso que se faz cinema.

O cinema é precisamente a arte de contar histórias mobilizando imagens, sons, memórias, futuros imaginados. É a arte de recriar a vida, os dramas, amores e também horrores da existência. O cinema nos transporta do nosso mundo, da nossa bolha (pra usar um termo da moda) e nos proporciona a experiência de ser o outro, de estar no outro. No fim do filme, que pode durar apenas um minuto, retornamos transformados ao nosso universo.

E isso não pode ser tratado como uma mera commoditie a ser exportada.

O cinema tem que falar nosso sotaque, reforçar nossos laços de identidade, compreender nossa realidade, documentar nosso passado, inventar nossos futuros, desvendar nosso presente. O cinema tem que encantar e inspirar os potiguares. Inspirados, senhor secretário, os potiguares seremos capazes de fazer muito mais pelo nosso estado, até mesmo atrair turistas.

Calma Rafael, semana que vem eu volto a falar da mídia.

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