A Copa 2018 e a morte dos Deuses
Natal, RN 26 de abr 2024

A Copa 2018 e a morte dos Deuses

25 de junho de 2018
A Copa 2018 e a morte dos Deuses

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O antropólogo Lévi-Strauss dizia que os mitos pensam a nós mesmos. Narram os acontecimentos da cultura e nos projetam simbolicamente. São como raízes ou magmas imaginários (Castoriadis) da sociedade. Habitam a memória humana como duplos de sua projeção e identificação. É assim que os indivíduos passam a adorá-los e a cultuá-los. Como deuses e estrelas que precisam de ritual e de magia, os ídolos do futebol também precisam ser cultuados e adorados.

É preciso que nos identifiquemos e nos enfeiticemos com as suas magias. Assim é que eternizamos Pelé, Garrincha, Maradona, Marta, Tostão, Zico, Rivelino, Ronaldo, Romário, Higuita, Beckenbauer, Platini e tantos outros. Nesta Copa, assistimos a um fenômeno diferente. Vemos um campeonato sem ídolos. Os mais badalados midiaticamente - Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo - não conseguem se projetar como estrelas que unifiquem corações e mentes das nações.

Os dois primeiros, embora geniais em seus dribles, parecem sofrer do espírito de Peter Pan no futebol. Nos clubes dão shows, mas quando jogam pelas seleções se negam a crescer em campo. Messi vira um deus melancólico e deprimido. Sem alegrias. Já Neymar, parece ter incorporado a figura de narciso que se nega a compartilhar responsabilidades coletivas em campo. Às vezes parece ser um Sansão do excesso de visibilidade pornográfica da mídia. Quer fazer de um corte ou pintura de cabelo a sua magia. Um Deus mimado, irritadiço e presa fácil para a brutalidade dos adversários. Cristiano Ronaldo, cada vez mais, afirma-se como o Deus matador. Aquele que resolve as partidas pela força técnica e senso de oportunidade nas jogadas. Mas não parece encantar. Como um Neymar narcísico, só ama a si próprio.

Claro que não deixamos de reconhecê-los como produtos de uma época na qual o burocrático das regras e poder dos juízes, a modelização dos atletas pelos dispositivos técnicos e publicitários exercem um papel importante para o fim da magia no futebol. O exemplo mais cabal de tal realidade foi a criação pela FIFA do árbitro assistente de vídeo-VAR (Video Assistant Referee) na Copa de 2018. Por mais que corrija inconsistências do juiz principal em campo, tem contribuído para a normalização e desencanto com a Copa. Com a Seleção Brasileira, o efeito foi pior. Cometeram injustiças nas duas partidas. Deixaram de marcar pênaltis claros. Como um panóptico, em que poucos olham muitos em campo, os árbitros são soberanos em suas decisões e qualquer contestação dos jogadores será punida severamente com cartões.

Que os digam Philippe Coutinho e Neymar. No Brasil, segundo pesquisa Datafolha, a maioria dos brasileiros não parece interessada em acompanhar a Copa. É bom lembrar que dois outros acontecimentos têm contribuído para isso: o golpe na democracia com o impeachment da presidenta Dilma e a prisão de Lula. Sobretudo a prisão do último tem contribuído para o desencanto dos brasileiros. Mais uma vez os juízes atuaram como ceifadores da força da magia de um mito, que mesmo na cadeia tem permanecido líder absoluto nas pesquisas de opinião para a eleição presidencial de 2018. Mas os heróis são feitos do mesmo tecido que se tecem os sonhos. Eles são capazes de reinvenções. Suas fúrias em campo e na política podem nos devolver a alegria. É preciso que sejam libertados de suas amaras e ajam como deuses criativos que nos convidam a novos encantos.

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