A corrupção “verde” no Brasil
Natal, RN 29 de mar 2024

A corrupção "verde" no Brasil

11 de junho de 2021
A corrupção

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Os crimes ambientais estão no centro das preocupações do século 21. Há toda uma cadeia de ilegalidades no campo ambiental que propiciam lucros exorbitantes para agentes públicos e privados, decorrentes da destruição de bens essenciais para toda a humanidade. A violação a direitos inalienáveis de inúmeras comunidades humanas também causam dano e/ou extinção de vidas não humanas.

Atividades ilícitas contra o meio ambiente não são uma novidade, todavia somente na década passada surgiram alguns conceitos que indicam uma relação direta entre o aumento do número de crimes ambientais quando associados à corrupção: “corrupção verde”, “eco-criminosos”, “ecomáfia” etc. A corrupção verde é aquela que envolve fraude, comércio ilegal de animais selvagens, extração de madeira, mineração ilegal, dentre tantos crimes.

Todos os países do mundo sentem os efeitos decorrentes dos crimes ambientais, mas apenas os países desenvolvidos dispõem de maiores recursos financeiros, técnicos e materiais para o seu enfrentamento. Estes países utilizam-se da cooperação mútua contra a corrupção verde porque reconhecem que os crimes ambientais cometidos hoje trazem prejuízos econômicos para as próximas gerações.

A cooperação interinstitucional judicial e policial é usada para coibir os crimes que associam a degradação ambiental aos crimes financeiros, ademais os diversos tipos penais atinentes à corrupção envolvidos. Em tese esses crimes geralmente acontecem sob a omissão dos governos, por outro lado também podem ocorrer sob a proteção de governos corruptos.

Os delitos ambientais não podem ser compreendidos como crimes de menor potencial ofensivo, nem como crimes em pequena escala. A devastação de uma área ambiental leva anos, talvez décadas, para serem reparados.

Isto sem mencionar a destruição de vidas humanas e não humanas, ou quando são obrigadas a se deslocarem para outras localidades para sobreviver. Os crimes ambientais muitas vezes escondem-se sob aparente legalidade. A corrupção verde abrange os crimes de suborno, corrupção ativa e passiva.

Contra a corrupção verde hoje há uma criminologia igualmente “verde”, especializada contra este tipo de crimes ambientais. Na Europa, a Itália é um dos países onde mais se debate sobre a corrupção verde. Lá os bens culturais são compreendidos como bens ambientais, de modo que a corrupção verde abrange os crimes cometidos pela “ecomáfia” especializada em bens fósseis, artefatos arqueológicos etc.

Dentre os países africanos a corrupção verde está disseminada entre regiões que praticam o comércio ilegal de vida selvagem através do tráfico ilícito, geralmente de chifres de rinoceronte e pedras preciosas. A rede de tráfico ilícito de objetos culturais e de vida selvagem geralmente tem como destino os compradores situados em países na Europa, em alguns países asiáticos, além dos EUA.

Na América do Sul, o Brasil é o maior candidato à corrupção verde. Os riscos de crime ambiental são diretamente proporcionais à vasta dimensão territorial e às inúmeras riquezas naturais do país.

A proteção do meio ambiente está assegurada no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que indica que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os bens naturais são de uso comum do povo, essenciais à qualidade de vida. Para surtir algum efeito, esta proteção deveria estar atrelada à cidadania ambiental.

É dever do poder público e da colevidade defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Os crimes ambientais são puníveis pela Lei nº 9.605/1998 – a Lei de Crimes Ambientais – mas as políticas de combate esse tipo de crime estão aquém da ação de grupos criminosos organizados.

Atualmente há um fato mais do que surpreendente na história recente do país atinente à atuação do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ao contrário dos ministros anteriores, geralmente escolhidos pela sua militância na causa ambiental, pela agora temos um ministro investigado exatamente por sua relação com a corrupção verde.

Ricardo Salles está no cargo desde 2019, desde então o atual ministro tem atuado para favorecer a grupos cujos interesses privados estão evidentemente acima dos direitos difusos e coletivos que asseguram o meio ambiente saudável e equilibrado. Salles é um dos investigados na Operação Akuanduba[2], deflagrada no dia 19 de maio de 2021 pela Polícia Federal.

O objetivo é o de apurar crimes de corrupção verde: advocacia administrativa, prevaricação e facilitação ao contrabando por meio de exportação ilegal de madeira, cometidos por agentes públicos e empresários. Além de Ricardo Salles, há outros dez investigados que são servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

O cometimento de crimes ambientais deteriora a imagem do Brasil perante o mundo, bem como impede o Brasil de ingressar em grupos específicos como, por exemplo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

Desde maio de 2017 o país busca tornar-se um membro da OCDE, mas para adentrar neste pequeno circuito de países “desenvolvidos”, o atual governo brasileiro precisaria fazer um esforço considerável.

Primeiro, porque teria que cumprir metas obrigatórias de transparência no combate à corrupção verde. Segundo, teria que aderir a metas internacionais progressivas, que afirmem o comprometimento do Brasil com o desenvolvimento sustentável. Talvez hoje o país não esteja, de fato, interessado neste tipo de engajamento.

Gilmara Benevides é Doutora em Direito. Pesquisadora sobre os Direitos Culturais.

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