É fácil ignorar a dor do outro. Basta fechar os olhos, virar a cara, mudar de rua. Quando ela aparece bruscamente, pegamos a maldita e enfiamos numa gaveta. Sufocamos a dor do outro. Queremos que ela cesse. Porque incomoda. Ao outro, mas, principalmente, a nós. Tolos, porém, ignoramos que ela pode ser ouvida a quilômetros. Mesmo sem intervenção, socializamos a dor. De tanto penar, ficamos doentes e, sobretudo, ignorantes.
Ignora-se que antes da dor, o outro sente medo. Mas quando não é nosso, o medo é sempre balela. Tomaram do outro o seu direito de temer os tempos futuros. O cheiro do medo entranha nas casas e corações do país. Mas, a muitos, convém calar. Afinal, esse medo é do outro. O que eu tenho a ver com isso? O medo e a dor estão gestando um monstro, condenado a viver sem pai, nem mãe e aos cuidados da indiferença. Um filho que ninguém quer.
Assim como ninguém quer o sangue nas ruas. Mas o medo já virou sangue. incontrolável, respinga no cidadão de bem. É o medo que nos guia, que nos governa, que despreza a dor do outro. Houve um tempo em que de tanto temer, perdemos a fala. Nos acostumamos ao silêncio. Nesses tempos o medo cresce, porque se alimenta da quietude. Agora queremos falar, mas de tanto medo, sufocamos o outro.
Estão matando o outro. E nisso nos matam também, porque é possível morrer de várias formas. Morre-se de dor, de abandono e até de medo. Morre-se rapidamente, mas também aos poucos. É possível morrer para alguns e ainda estar vivo de fato. Para outros, resta viver, ainda que miseravelmente. Não por escolha, mas por ser o que lhes resta. Mataram o outro, desceram a porrada. De alguma forma, também morreram.
Morrem todos aqueles que já não sentem nada além de medo. Mas mesmo que ele seja do tamanho do mundo, ainda resta um espaço no peito para acalentar a dor do outro. O medo é um trago forte, só sente quem ainda está vivo. A dor do outro não tem tamanho. Não é maior ou menor que a minha. Não importa. Alguém sente dor, alguém tem medo. A dor do outro também é minha, porque somos gente. Que nunca esqueçamos!