A estrada do fascismo  
Natal, RN 29 de mar 2024

A estrada do fascismo  

28 de setembro de 2018
A estrada do fascismo   

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Em 1955 os militares vetaram Juscelino Kubistchek, recém-eleito para a Presidência da República. Deu-se início ao episódio que ficou conhecido como Novembrada: um conluio que envolveu a cúpula das Forças Armadas, a União Democrática Nacional (UDN), o presidente da República Café Filho e Carlos Luz, presidente da Câmara à frente do Executivo após a internação daquele. Todos unidos no propósito de evitar que JK assumisse.

Se o general Henrique Lott, então ministro da guerra, não houvesse reagido à empreitada golpista e colocado tanques nas ruas, JK jamais teria tomado posse em 31 de janeiro de 1956. Lott, um legalista convicto, resistiu à tentação de permanecer no poder. Seu compromisso era com a Constituição de 1946, dizia, assim como dizia Marx que, entre direitos iguais, é a força que decide.

Em 1961 houve novo veto militar. Agora em relação a Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, último presidente a receber de seu antecessor a faixa presidencial antes de Lula em 2003. A resposta viria novamente por Lott, que lançou um manifesto à nação em defesa da ordem constitucional. E também por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul.

Brizola era a principal liderança da ala mais à esquerda do PTB, além de cunhado de Jango. Medidas como a desapropriação de fazendas para fins de reforma agrária e a estatização de empresas o fizeram se tornar conhecido em todo o país.

Lott, militar, foi preso por indisciplina. Brizola, contudo, era civil, alheio aos instrumentos hierárquicos de controle da caserna. Se Jango conseguiu subir a rampa, foi em razão de Brizola ter, direto dos porões do Piratini, articulado a Campanha da Legalidade, mobilizado as forças militares a ele subordinadas e literalmente distribuído armas à população. A resistência de Brizola surtiu efeitos. Tiveram que engolir Jango - mas não antes da aprovação improvisada de um parlamentarismo com a óbvia finalidade de cortar suas asas.

Após o fracasso da Novembrada, contudo, abriu-se mão de exigir uma instituição militar despolitizada, estritamente profissional e subordinada ao poder civil. Ao invés disso, projetou-se as Forças Armadas na política, aceitando sua interferência num regime democrático e ampliando seu protagonismo na cena pública. O erro tomaria forma explícita em março de 1964.

Hoje, o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, fala abertamente em "autogolpe" em caso de "anarquia" e propõe escancaradamente uma nova Constituição feita por "notáveis", sem a participação do povo. Avança também sobre direitos constitucionais como o 13º e as férias remuneradas, chamando-os de "jabuticaba", o que gerou uma repreensão direta do cabeça da chapa.

O general Villas-Bôas, ainda na ativa, chegou a usar sua conta no Twitter para mandar ameaçadoras mensagens à suprema corte do país em um momento onde boa parte dos órgãos do Poder Executivo é ocupada por seus colegas, a exemplo do general Etchegoyen, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Não há notícias de um governo civil no Brasil com tamanha participação de militares.

Em entrevista ao UOL, o general Aléssio Ribeiro Souto, auxiliar da equipe de Jair Bolsonaro, disse que “se você tem a eleição com os resultados que você tem no Brasil, eu, pessoalmente, não considero isso democrático”. A observação foi em relação às eleições para reitor, mas a história torna inevitável sua ampliação para além dos muros das universidades. Bolsonaro já indicou que considerará as eleições fraudulentas caso não seja eleito, a mesma matéria-prima do udenismo que levou os militares a questionar tanto a legitimidade de Jango quanto de JK.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 1983, Marilena Chauí denuncia essa narrativa ao explicar que, sob a aparência do paradoxo, vigora a coerência surrealista da defesa da ordem que pisoteia o direito em nome da lei, apropriada pela persuasão da necessidade de uma autoridade protetora e moralizante que nos salve do caos. O resultado é exatamente a pavimentação do caminho que leva à fascistização da sociedade. “Quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo”, afirmou Elio Gaspari.

Nós sabemos o que fazer para evitar que os próximos tijolos dessa estrada sejam colocados.

As mais quentes do dia

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.