A Globo e o monopólio da liberdade
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A Globo e o monopólio da liberdade

17 de setembro de 2018
A Globo e o monopólio da liberdade

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A liberdade de imprensa ameaça a liberdade das eleições do Brasil.

Em 2002, logo depois de eleito, Lula concedeu suas primeiras entrevistas à TV Globo. Ainda no domingo, ao Fantástico e na segunda-feira, ao Jornal Nacional. Para mim, era o primeiro sinal de que a estratégia de conciliação incluiria a Rede Globo – o que, para alguns, era só um delírio de integrantes do movimento estudantil.

Naquela noite, um deferente Willian Bonner viajou até São Paulo para entrevistar o presidente eleito. Destoava completamente do histórico de virulência que as organizações Globo sempre dedicaram às pautas e lideranças da esquerda. Ou talvez fosse a orientação dos líderes da empresa, quem sabe uns afagos no futuro presidente não aliviariam o confronto com o futuro governo. Ou ainda porque não dava para desagradar os 50 milhões de eleitores que acabavam de eleger a primeira liderança popular à Presidência da República.

Os estudantes estávamos certos. Nos 13 anos dos governos petistas, muito pouco foi feito para regulamentar e democratizar o sistema de comunicação no Brasil. Voltaram atrás no projeto do Conselho Federal de Jornalismo, abriram mão de boa parte do projeto da Agência Nacional do Cinema e Audiovisual, perseguiram e fecharam mais rádios comunitárias que o governo FHC. Em 2007, criaram a EBC – passo importante para concretizar o sistema público de radiodifusão previsto na Constituição de 1988 e nunca implementado – mas falharam na gestão e financiamento da nova empresa. Não auditaram a caixa preta das concessões públicas de rádio e televisão (e para muitas dessas coisas, eles nem precisariam negociar com o Congresso).

Nos primórdios do Governo Lula, algumas lideranças petistas acreditavam que poderiam domar as organizações Globo – e os outros membros do partido da mídia conservadora – apenas com as verbas publicitárias. Mas eles querem sempre mais. Para a Globo, não basta ser expectadora da realidade. Ela quer participar – e é assim desde os tempos da ditadura, quando Roberto Marinho apertava as mãos de general após general.

E é por isso que Willian Bonner não aprende a fazer uma entrevista – não adianta explicar, Jean Wyllys. Uma entrevista pressupõe o diálogo, a interação, a negociação. Coisa que a Globo e seus Globais não estão habituados a fazer. A entrevista de Willian e Renata contra Fernando Haddad é apenas o mais recente episódio da longa história de censura e imposição de “verdades” operada pela mídia brasileira conservadora.

No massacre da última sexta-feira, Haddad foi interrompido 67 vezes em 27 minutos – Alckmin foi somente 17 vezes, Marina, 20 e Bolsonaro 36. São duas vezes e meia por minuto. Dos 27 minutos de entrevista, o entrevistado – principal atração do momento – só pode ser ouvido pelos telespectadores por 16 minutos. Cerca de 40% do tempo foi ocupado pelos entrevistadores com suas longas perguntas recheadas de análises e opiniões. Mesmo assim, Haddad saiu vencedor e o jornalismo Global mostrou o que realmente é: arrogante, autoritário e agarrado a uma noção de verdade que não resistiria a um ambiente democrático na mídia (nem a um povo conectado à internet).

E qual o problema de a Globo fazer isso? É liberdade de imprensa, certo?

Pode até ser. O problema é que na paisagem midiática brasileira, poucos – muito poucos – têm a liberdade de expressar suas opiniões. E além de poucos, pensam do mesmo jeito – são conservadores na política, (neo)liberais na economia e intolerantes com a diversidade social, racial, sexual, religiosa. Um oligopólio tão monótono que pode ser tratado como um monopólio da liberdade de imprensa que aniquila a liberdade de expressão de quem ousar pensar diferente.

Você já deve ter percebido. A mídia faz parte do seu cotidiano e condiciona muito dos seus atos. Em uma realidade complexa, conectada e globalizada, a mídia tornou-se a principal mediadora do nosso contato com a realidade. Para nós, brasileiros, a realidade aparece distorcida e mutilada – e nos leva a tomar decisões erradas, como fizeram os paulistanos em 2016 ao eleger um prefeito-celebridade, queridinho da mídia.

Assim, para restabelecer a democracia no Brasil, é fundamental reorganizar o cenário de concentração da mídia brasileira – um dos cenários mais concentrados do mundo. O problema é que apenas dois, dos treze candidatos à Presidência da República, trazem proposta para o setor. Uma análise do Intervozes sobre os programas de Governo constatou que somente os planos de governo de Guilherme Boulos, do Psol, e Fernando Haddad, do PT, detalham propostas concretas para resolver o problema da concentração midiática no Brasil.

O programa do PT promete apresentar, nos seis primeiros meses de governo, uma proposta de Marco Regulatório da Comunicação Social Eletrônica para “impedir que beneficiários das concessões públicas e controladores das novas mídias restrinjam o pluralismo e a diversidade”. Já o Psol dedicou um capítulo inteiro ao Direito Humano à Comunicação, com propostas para impedir o monopólio e a concentração de mercado midiático, garantir o respeito aos direitos humanos na mídia e a regulamentação dos princípios da comunicação social na constituição.

Os dois partidos ainda propõem a criação de um órgão regulador para a comunicação social, com participação social no monitoramento do setor, além de restabelecer a autonomia da Empresa Brasil de Comunicação – que controla a TV Brasil, a Agência Brasil e as Rádios Nacionais em Brasília, na Amazônia e no Rio de Janeiro. Mesma empresa que Geraldo Alckmin e João Amoedo prometeram fechar.

No fim, não é só a postura dos jornalistas globais que me incomoda. O que mais incomoda é que milhões de brasileiros vão decidir seus votos apenas com as informações mediadas por eles. E sem mídia democrática, a democracia não se completa.

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