A greve dos caminhoneiros e a campanha eleitoral no Whatsapp
Natal, RN 24 de abr 2024

A greve dos caminhoneiros e a campanha eleitoral no Whatsapp

4 de junho de 2018
A greve dos caminhoneiros e a campanha eleitoral no Whatsapp

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Houve um tempo em que haviam revistas no banheiro, os e-mails chegavam em um endereço fixo, traçavamos rotas em mapas de papel e passavamos meses inteiros sem ouvir falar das nossas tias ou primos. Agora tudo cabe na palma da mão, ainda que muita coisa siga funcionando com as mesmas lógicas de sempre. É o caso das notícias falsas, a que todo mundo gosta de se referir em inglês, talvez para homenagear Trump, o primeiro presidente eleito pela propagação de boatos e mentiras em massa.

E é no banheiro onde começamos o dia. Mesmo sem as revistas e jornais, é lá onde muitos de nós entramos em contato com as primeiras notícias do mundo lá fora. Com o telefone na mão, começa a batalha das notificações. É a previsão do tempo, um atentado terrorista em algum lugar distante, o trânsito na ponte que está muito lento, as atualizações dos amigos no Facebook, os e-mails do trabalho e, claro, centenas de conversas em dezenas de grupos no Whatsapp.

Você já sabe o vencedor da batalha de hoje, e de amanhã também. Talvez por que mais importante que saber quem é o novo presidente da Petrobras, todos nós precisamos saber qual foi a mensagem de bom dia que chegou mais cedo no grupo da família ou qual foi a última treta no grupo do trabalho ou do condomínio. O Whatsapp exerce esse tremendo magnetismo em todos nós talvez por que seja nossa conexão direta, sem intermediários ou mediadores, com nossos familiares, amigos ou com nossos chefes – além da ansiedade, que muitos compartilhamos, de conseguir zerar os contadores de mensagens não-lidas.

Talvez seja por isso que, hoje, segundo dados da pesquisa Digital News Report de 2017, 46% dos brasileiros busquem notícias pelo Whatsapp. É a segunda fonte mais buscada e só perde para os 57% que buscam notícias pelo Facebook. O fenômeno é bem tupiniquim. Por aqui, segundo a mesma pesquisa, 60% da população tem acesso ao aplicativo. No resto do mundo, o serviço só é usado como fonte de informações noticiosas por 15% dos usuários. Se lá fora, a boataria já elegeu Trump e influenciou o resultado do Brexit, difícil imaginar como serão as eleições deste ano na whatsappesfera.

Para ensaiar como serão os movimentos, basta dar uma olhada na greve dos caminhoneiros – e isso é uma das coisas novas que as tecnologias permitiram. Reunidos em milhares de grupos pelo aplicativo, e sem uma liderança coesa, os caminhoneiros pararam o país e forçaram a substituição da presidência de um dos maiores agentes econômicos do país – a Petrobras. No primeiro dia da paralisação, uma pesquisa do Ipsos com 1,2 mil caminhoneiros revelou que quase metade deles (46%) ficou sabendo da mobilização pelo Whatsapp – somente 18% dos motoristas descobriu a greve na própria estrada.

Muita gente não entendeu o movimento. Ativistas sociais ainda sabem como foi possível articular tantos bloqueios em pontos tão diversos do país de forma quase simultânea. Mais curioso ainda é perceber que nem mesmo o anúncio do fim da greve pelo presidente foi capaz de desarticular o movimento. A campanha contrária dos meios de comunicação massivos também não foi suficiente para enfraquecer os manifestantes ou arrefecer o apoio da população.

A interação direta foi determinante em todo o processo. É muito mais fácil confiar em alguém de carne e osso, que pisa no mesmo chão que você – os grupos de caminhoneiros no Whatsapp surgem na beira da estrada, nas paradas para comer e descansar. As instituições sociais representam cada vez menos os anseios da população. A mídia monopolizada pela elite perdeu o monopólio do agendamento das interações sociais.

A questão é que não dá para mapear o que acontece nesse campo de interações. Ao contrário das redes sociais como Facebook e Twitter – que já se comprometeram a frear a propagação de notícias falsas –, no Whatsapp não é possível mapear o alcance de uma informação nem mesmo rastrear a origem de um boato. Tudo acontece de maneira privada, direta e ainda criptografada, um buraco negro a ser desvendado pelos marketeiros digitais nas próximas eleições e cenário ideal para espalhar mentiras e boatos que podem determinar os resultados eleitorais.

Da greve dos caminhoneiros, uma lição para as eleições do Whatsapp. É preciso ensinar o eleitor a identificar e combater notícias falsas. No começo da semana passada, os administradores dos grupos de motoristas mobilizados nas estradas pediram aos participantes que se identificassem e anunciassem data e hora nos vídeos e mensagens de áudio. Em um dos grupos, mais de 200 participantes foram expulsos por promoverem notícias falsas.

Se não espalharmos bem essa lição, no dia 07 de outubro, ganha a eleição quem espalhar o melhor boato.

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