A hora certa de questionar
Natal, RN 26 de abr 2024

A hora certa de questionar

11 de fevereiro de 2019
A hora certa de questionar

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Entre uma tragédia e outra, segue a vida em 2019. A indústria da mineração mata mais de trezentos em Minas Gerais, no Rio, a chuva e o descaso com a infraestrutura urbana matam mais sete, enquanto a violência mata mais treze.

No mesmo Rio de Janeiro, a indústria do futebol mata outros dez – dessa vez, meninos que sonhavam com um futuro melhor para suas famílias.

O jornalismo está lá para contar as vítimas e desvendar as causas de cada uma das tragédias. Passamos a acompanhar a dor das famílias, a frieza dos técnicos, a ausência do poder público, o cinismo dos agentes privados interessados em esconder a tragédia.

No campo das suposições, o jornalismo encontra seres especializados em qualquer coisa para explicar o que poderia ter evitado a tragédia – quase sempre medidas tão simples que só aumentam a revolta pelas vidas perdidas. Às vezes, vaza um documento, um depoimento, uma migalha de informação que aponta na direção dos culpados. Logo vêm as empresas e juram de pé junto que tomaram todos os cuidados. Por fim, os gestores públicos aparecem para dizer que vão fiscalizar tudo a partir de agora para que a desgraça não se repita – teriam dito isso em Mariana?

E onde estavam os jornalistas e repórteres para denunciar que o Estado não fiscaliza? Onde estavam pulgas atrás das orelhas cada vez que se publicavam os prenúncios dos desastre? Onde estava o repórter especializado em Meio Ambiente quando a Vale impôs um licenciamento simplificado para a ampliação da Mina do Córrego do Feijão? E o setorista do Flamengo nunca se perguntou sobre as condições de alojamento dos atletas das categorias de base, mesmo depois de publicadas uma série de interdições do Ninho do Urubu?

Certamente, o jornalismo sozinho não teria salvo as vidas em Brumadinho, nem teria evitado as mortes pela chuva ou pelo fogo no Rio de Janeiro. Sem a atuação do poder público, a iniciativa privada sempre vai priorizar a maximização dos lucros em detrimento de vidas humanas ou da preservação ambiental – isso não é maldade, é só o espírito do nosso tempo. Mas será que um jornalismo questionador não poderia ter antecipado as tragédias?

No caso de Brumadinho, uma boa reportagem revelando os bastidores do licenciamento da mina da Vale teria, no mínimo, revelado a preocupação dos moradores com a barragem. No Rio de Janeiro, se qualquer repórter que cobre o Flamengo no Ninho do Urubu tivesse se perguntado sobre os conteineres que abrigavam os meninos, teria descoberto as precárias condições onde dormiam. Uma boa matéria poderia ter feito o Flamengo investir alguns reais para consertar a gambiarra do ar condicionado que teria iniciado a chama.

Mas as coisas não andam fáceis para quem trabalha na mídia brasileira. É cada vez menor o tamanho das equipes. Com menos jornalistas, sobra mais trabalho para todo mundo. A meta é fazer muito e não fazer nada direito.

Não é maldade, é o jeito que as empresas de mídia deram para aumentar os lucros. Afinal, jornalismo nunca foi uma prioridade no Brasil. Por muito tempo, jornais e emissoras de televisão e rádio serviram muito mais para fazer pressão política que para fazer lucro.

Para isso, nada de falar mal das empresas poluidoras, violadoras de direitos, descumpridoras de normas técnicas. São elas que vão sustentar o jornalismo mal contado que vai cobrir as tragédias logo depois de elas acontecerem.

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