Eu não existo. Não assim, inteira. Sou aos pedaços. Eu não existo. Como muitas outras coisas que são só, e simplesmente, coisas. E em décadas de não existência, desenvolvi um gosto amargo na boca. Esse travo me visita sempre e é antecedido por um soco seco na boca do estômago, lembrando-me que não posso existir.
Se eu existisse, talvez não sentisse tantas dores. Eu andaria por aí e todos saberiam quem sou. Falariam de mim, dedicariam respeito. Não haveria subterfúgios, tampouco coisas pequenas e sem importância, porque elas são simplesmente coisas. Já eu seria grande, imensa, como o velho Maracanã.
Mas eu não existo. Nem o antigo Maracanã. Ele é só um resquício confuso do que já foi. Eu, nem isso. Nunca existi. Não em um mundo palpável, real. Só existo quando apagam a luz. Quando ninguém vê. Por isso, me conhecem apenas de nome. Nome curto, pequeno e comum. Feito eu. Nada sabem sobre mim ou sobre o que sei e sinto.
Esses dias veio uma falta de ar. Mal lembrava que respirava. Foi como existir. Como estar viva. Desde então, estou reaprendendo a respirar. Cada fôlego me lembra que, sim, eu existo. Por isso sinto dores, por isso me falta o ar. Porque existir dói. Não é possível fazê-lo de forma pequena. Todo mundo é um mundo enorme. Mesmo que de coisas pequenas.
Eu existo. Entre os fôlegos que me mantém viva, existo. Entre uma falta de ar e outra, existo. Eu sou tudo isso. Entre presenças e ausências de mim mesma, existo. Quando canso, apenas respiro e continuo existindo.