A parada é a seguinte: deputado do PSOL presta conta em ônibus no RN
Natal, RN 16 de abr 2024

A parada é a seguinte: deputado do PSOL presta conta em ônibus no RN

21 de abril de 2019
A parada é a seguinte: deputado do PSOL presta conta em ônibus no RN

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Sandro Pimentel chegou pouco antes das 9h à parada de ônibus do Midway, às margens da avenida Bernardo Vieira. De camisa esporte rosa, calça jeans e sapato social, nem de longe parecia o deputado que frequentemente é visto de terno, gravata e calça social andando rápido pelos corredores da Assembleia Legislativa em direção ao plenário ou ao próprio gabinete.

A tarefa naquela quarta-feira pré-feriado da semana santa também era mais difícil do que a que ele enfrenta nas sessões da Casa. Pela primeira vez em 2019, Pimentel entraria num ônibus para prestar conta das ações do mandato para o qual foi eleito em outubro do ano passado com o apoio de 19.158 eleitores. O saldo envolve apenas ônibus. Em março deste ano, o deputado fez o mesmo trabalho em dois trens urbanos, sentido Natal/Parnamirim e Natal/Ceará-mirim.

A iniciativa, por mais estranha que possa parecer sendo executada por um político, já virou marca do trabalho legislativo do parlamentar que vem de dois mandatos como vereador de Natal e estreia como deputado estadual. Pelas contas dele, o ônibus no qual subiria dali a alguns minutos seria o 179º.

Uma ideia que nasceu na campanha para vereador de 2012, lembrou o assessor de imprensa João Victor Leal, que o acompanhou na tarefa daquela quarta ao lado da paulista Tatiana Ribeiro e da carioca Mariana Jardim Reis, duas assessoras importadas do eixo Rio-São Paulo para atuar no primeiro mandato do PSOL na história da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte.

Mesmo talhado no movimento sindical, Sandro admite que ainda sente um frio na barriga antes de subir no coletivo e falar entre 10 a 15 minutos para pessoas que, na maioria das vezes, ele nunca viu na vida:

 - Do mesmo jeito que algumas pessoas não sabem quem eu sou, eu também não sei quem está naquele ônibus. Às vezes sinto medo sim. E político, você sabe, não tem a imagem muito boa no Brasil. Mas é um exercício bom, sempre fui muito bem recebido, as pessoas fazem perguntas, eu tiro dúvidas e dou transparência às ações do meu mandato”, diz.

No material entregue aos passageiros estão os principais projetos do mandato de deputado estadual

No dia em que a reportagem da agência Saiba Mais acompanhou o deputado na prestação de contas, as ruas já estavam sentindo o efeito do feriado. Ele e a equipe permaneceram 45 minutos até subirem no primeiro ônibus. Sandro definiu a ocupação total das cadeiras do coletivo como único critério para pegar a condução:

- O ônibus tem que estar cheio, mas de passageiros sentados. Com gente em pé não dá muito certo. Não olho nem o destino, vou pela quantidade de pessoas mesmo”, diz.

Ele também se apressa em dizer que sempre paga as passagens dele e dos assessores quando vai realizar o trabalho nos transportes coletivos. Geralmente, Sandro faz a atividade com apenas um assessor da área de comunicação para registrar. A periodicidade também depende da agenda. A ideia é manter a prestação de contas semanal, mas nem sempre é possível, conta a assessoria. A meta, em 2019, é conseguir repetir o ritual pelo menos a cada 15 dias.

A ideia serviu de inspiração para um colega pernambucano. O jornalista e vereador de Recife Ivan Moraes, também filiado ao PSOL, veio a Natal acompanhar Pimentel numa das prestações de contas pelos ônibus da cidade e passou a fazer o mesmo no transporte público da capital pernambucana:

- Até hoje ele vai nos ônibus, grava os vídeos, cita o meu nome e me manda para ver”, conta.

Vereador de Recife Ivan Moraes (PSOL) passou a prestar contas nos ônibus da capital pernambucana inspirado na ideia de Sandro Pimentel

Causa animal

De baixa estatura, tímido e um tanto quanto impaciente com a demora na passagem do primeiro ônibus cheio para começar o trabalho, Pimentel logo despertou a atenção de uma mulher que aguardava a condução para a Cidade da Esperança e o reconheceu ainda na parada. Rosineide Fernandes cuida da mãe doente e ao perceber a presença do deputado, encostou do lado e o questionou sobre como conseguiria acesso à tratamento veterinário para os animais de estimação.

Deputado Sandro Pimentel é abordada por Rosineide Fernandes na parada de ônibus

Sandro é o político do Estado mais identificado com a causa animal. A eleição para o segundo mandato de vereador teve maciço apoio dos donos de animais na capital potiguar. Por insistência dele, a prefeitura adquiriu dois veículos para castrar animais, luta que conquistou militantes da causa.

O deputado tem três cachorros, mas sempre cita que a ligação com os animais surgiu na própria família, em Ceará-mirim, município da região metropolitana de Natal onde nasceu.

No material impresso que o deputado distribui para passageiros nos ônibus com as ações do mandato tem destaque o número de 5 mil atendimentos veterinários realizados pelo mandato. O panfleto também traz telefone para agendamento.

Num dos ônibus que subiu na quarta-feira passada ele explicou aos passageiros, porém, que a verba que paga o trabalho das três veterinárias contratadas para realizar esses atendimentos sai do salário dele. A verba de gabinete, se antecipou em dizer, só pode ser usada para atos ligados à atuação parlamentar direta, o que não é o caso.

O início da viagem

Roteiro é sempre o mesmo: Sandro se apresenta, divulga as ações do mandato e responde a perguntas dos passageiros

Depois de várias expectativas frustradas, Sandro subiu no primeiro ônibus às 9h45. Embora nem todas as cadeiras estivessem ocupadas, foi o mais cheio que passou. Após pagar as passagens, o parlamentar se posicionou de costas para o motorista, na altura da antiga cadeira do cobrador, e iniciou o discurso de surpresa.

O roteiro é basicamente o mesmo. Sandro Pimentel se apresenta, explica que é deputado estadual e que está ali para prestar conta do mandato que o povo lhe confiou. Nem todos os passageiros olham para o parlamentar de imediato, alguns viram o rosto, fazem cara feia. Há uma nítida sensação de estranhamento no ar.

As primeiras reações do público começam quando Sandro pergunta aos passageiros se alguém ali sabe qual é o valor do salário de um deputado estadual na Assembleia Legislativa.

Começam os chutes e ninguém chega perto.

- Um deputado estadual ganha de salário bruto R$ 25,3 mil, aproximadamente R$ 20 mil líquido”, diz o deputado já ouvindo a reação negativa do povo:

- Vissssssssssssh, é a reação mais ouvida.

Os passageiros começam a cochichar entre si. Um homem de cabeça branca e cara fechada, de mais de 70 anos, acha que Sandro está mentindo. E antes de descer na parada seguinte diz ao repórter, encostado na porta de trás:

- É mentira desse hômi. Isso aí deve ser salário de vereador do interior. Esses deputados ganham muito mais porque tiram dinheiro em todos os contratos da prefeitura e do governo”, disse acusando antes de descer com cara de poucos amigos.

Ao ouvir o relato pelo repórter ao final do trabalho, Sandro riu e disse que às vezes acontece de alguém não acreditar no que fala e trata a experiência como natural, ligada especialmente ao descrédito da classe política.

Aos poucos, alguns passageiros se desarmam e começam a perguntar sobre ações do mandato e se desenrola um curto debate porque Sandro não fica mais de 15 minutos no ônibus. Ele estimula as perguntas enquanto entrega os panfletos com ações do mandato. O material traz os 40 projetos e ações que o parlamentar protocolou no primeiro dia útil de trabalho na Assembleia Legislativa. Duas mulheres elogiam a iniciativa e a coragem: “Nunca vi isso na minha vida. Um deputado pegando ônibus !?”, diz ao repórter uma mulher que desceria na parada seguinte.

Passageiros começam tímidos, mas depois começam a interagir

A primeira viagem acaba próximo ao camelódromo do Alecrim. O deputado toma água e faz piada com um assessor. O clima na equipe é descontraído. Em razão da demora em pegar o primeiro coletivo, o deputado faz a prestação de contas em apenas dois ônibus. Geralmente, conta, são quatro.

Na parada do outro lado da rua, sentido Alecrim/Lagoa Nova, Sandro é abordado por uma ambulante. Ela o questiona sobre as linhas de transporte público, pauta municipal.

A subida no segundo ônibus é mais rápida. A condução também não está lotada, mas um pouco mais cheia que a primeira. Uma jovem com tatuagens pelo corpo faz cara feia. O roteiro se repete. O deputado se apresenta e começa a falar. Como no primeiro carro, o público demora a reagir. Um homem de frente para Sandro sorri e tira de um saco um pacote de comida para gato. Impressiona a identificação das pessoas com a pauta animal encampada pelo parlamentar. O deputado brinca com o homem, já idoso, e pergunta se alguém tem dúvidas sobre o trabalho dele.

Sandro Pimentel adota uma estratégia interessante para provocar os passageiros. Usa temas polêmicos e que despertam a raiva do público. Assim como no primeiro ônibus usou o salário dos deputados como isca, na segunda condução criticou os funcionários fantasmas da Assembleia Legislativa.

Não deu outra. A revolta era aparente em alguns rostos. Sandro cobrou uma participação maior da população nas denúncias:

- Eu quero dizer a vocês que realmente têm muitos funcionários fantasmas nas Casas legislativas. E a gente precisa combater isso. O que eu posso fazer para combater isso a gente combate, mas é importante também que a população também reaja nos ajude porque cada funcionário fantasma desse era um profissional servidor que estaria trabalhando em outro setor, como saúde e segurança, por exemplo.

Os passageiros concordam e se animam para perguntar. Uma mulher quer saber a avaliação de Sandro Pimentel sobre a Reforma da Previdência. O deputado elogia a pergunta, critica a proposta do governo Bolsonaro e o papel da imprensa na divulgação do projeto.

- “O trabalhador tem que reagir”, diz sob os olhares atentos dos passageiros.

O ônibus se aproxima da parada do Midway e Sandro ainda distribui os últimos panfletos. Antes de descer, agradece e se despede. É quando a jovem com tatuagens pelo corpo que fechou a cara quando o deputado subiu no ônibus resolve falar:

- Se vocês quisessem já teriam descoberto quem matou Marielle ! Não descobrem porque vocês não querem !

 Sandro e uma assessora respondem que é justamente o contrário, o PSOL é quem mais tem interesse em descobrir o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), executada com quatro tiros na cabeça em 14 de março do ano passado.

Não há tempo para bate-boca. Com o sol a pino e o segundo ônibus concluído, Sandro chega a 180ª prestação de contas ambulante desde 2012.

Ainda na parada, o deputado reuniu os assessores para confirmar a agenda da tarde e vai embora. Oficialmente, a atividade não contou como expediente. É que sem qualquer justificativa, naquela quarta-feira véspera da véspera de feriado, a Assembleia Legislativa decidiu antecipar o feriado.

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