Ainda sobre humor e pandemia
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Ainda sobre humor e pandemia

15 de maio de 2020
Ainda sobre humor e pandemia

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Em artigo anterior, abordei a questão do humor como não só mecanismo de defesa psíquica, mas também de revolta política, tomando como exemplo os vídeos de Brunno Sarttori. Para quem ainda não sabe, Sarttori faz paródias impagáveis de Jair Bolsonaro e corj... ops, companhia, a partir da chamada deepfake, recurso de síntese de imagens e sons a partir de Inteligência Artificial.

Continuo pesquisando e procurando materiais que relacionem humor e pandemia. Nesse rastro, encontrei um interessante artigo de Damián Fraticelli, professor da Universidade de Buenos Aires. A sua tese é de que vivemos a era de maior produção risível mediatizada da história, o que ele define como humor hipermediático. De fato, são tantos os memes, os vídeos cômicos e as piadas e chistes produzidos e partilhados vertiginosamente em postagens de nossas redes sociais que não há como negar a peculiaridade deste momento.

No entanto, mesmo com toda a descontinuidade histórica que vivemos, alguns elementos se mantêm e, em relação ao humor, pode-se pensar isso a respeito tanto de mecanismos de linguagem (a paródia, por exemplo) como de temas. Vejamos alguns:

Casamento, por exemplo. Quer tema mais clássico em textos de humor? O casamento, tido como a célula da família e da sociedade em uma visão “séria” de mundo, em textos humorísticos perde sua “oficialidade” e aspectos “subterrâneos” vêm à tona, tanto da instituição em si como também dos cônjuges, fazendo sobretudo uso de estereótipos um tanto perversos (por exemplo: o esposo é grosseirão, brocha, corno, a esposa é consumista, traiçoeira, burra etc.). Assim, a visão sagrada e feliz de casamento é destituída e dá lugar a uma visão do casamento como sofrimento e martírio:

A fotografia aí toma estatuto de meme quando acrescida da legenda: Oitavo dia de quarentena.

Mas, sem dúvida, o tema (inédito?) do cotidiano nestes tempos de isolamento social talvez seja o mais explorado. Faz, no entanto, uso de uma técnica também bastante antiga, que é o da autoderrisão, em outras palavras rir de si. O “eu” é tomado como objeto de riso a partir do cenário singular em que o mundo “rua-casa” se converteu em “casa-casa”:

O tema é novo, mas a técnica da paródia é velha

Todos os exemplos que possamos encontrar fazem uso de um mecanismo básico e que define a especificidade do humor, tal como propôs Victor Raskin em um texto intitulado “Mecanismos Semânticos de Humor”: um hiato entre dois esquemas de raciocínio (normal X anormal, esperado X inesperado etc.). Por mais que o texto possa se valer de um tema, cenário ou personagem próprio de um momento particular da História, ele vai sempre se valer desse “abismo” e é daí que advém um possível efeito de riso:

Entre um presidente e uma ginasta vai uma grande distância. Ou não?

Assim, nessa multiplicidade anônima de enunciadores destacada por Damán Fraticelli, seguimos fazendo humor e, em tempos de pandemia, o “novo” se articula ao “velho” no movimento que é a Vida. Cuidemos dela. Fiquemos em casa.

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