América latina tem mais de 1.400 presos políticos, denuncia ativista argentino
Natal, RN 26 de abr 2024

América latina tem mais de 1.400 presos políticos, denuncia ativista argentino

26 de outubro de 2019
América latina tem mais de 1.400 presos políticos, denuncia ativista argentino

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

A América Latina tem mais de 1.400 presos políticos em cárcere atualmente. O ex-presidente Lula é um deles. Somente na Colômbia são mais de mil ativistas presos por motivações ideológicas. Na Argentina, 36 pessoas estão na cadeia também por divergências com o Estado, sendo a mais famosa a líder comunitária Milagro Salo, primeira presa política do governo Macri e que, atualmente, cumpre a pena em casa, na cidade de Juyjuy, norte da Argentina.

A denúncia é do secretário nacional da Liga Argentina por los Derechos Hombres José Ernesto Schulman. Fundada em 1937, a Liga é a entidade de defesa dos Direitos Humanos mais antiga da América do Sul e nasceu 11 anos antes das Organizações das Nações Unidas sob duas premissas: lutar contra o fascismo e o imperialismo, além de defender a determinação dos povos e as garantias constitucionais dos países.

Alguns países usam categorias diferentes para enquadrar presos em conflitos ideológicos com o Estado, mas a Liga reconhece todos como presos políticos:

- Somente na Colômbia são mais de mil, ligados ao conflito armado. No Equador e agora no Chile são muitos. Na América do Sul podemos trabalhar com esse número de 1.400. Alguns países usam a denominação ‘presos sociais’ para algumas situações, mas usamos uma única categoria, a de presos políticos, porque não é fácil o registro. Do camponês ao Lula são todos iguais, presos políticos”, explica Schulman.

Na lista de prisioneiros argentinos estão dez ex-funcionários dos governos kirchneristas acusados de corrupção. De acordo com o secretario geral Liga, não há provas contra os servidores. Na mesma situação está o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, acusado ação ilícita envolvendo a construtora brasileira Odebrecht, também sem comprovação. Schulman compara os casos na Argentina e no Equador com o do ex-presidente Lula, preso político desde abril de 2018.

- São casos grotescos. Na Argentina (há processos) parecidos com os de Lula (Brasil) e de Glas (Equador). É uma relação poderosa. Armam uma causa, convalidam com provas falsas e atropelam o processo legal. Na Argentina não se cumpre a presunção de inocência nem o devido processo legal”, acusa.

Schulman classifica como “democradura” - expressão criada nos anos 1980 pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano - o regime instalado nos países da América Latina.

- Desde que acabou a ditadura na Argentina não falamos em democracia. Não aceitamos que chamem democracia. A definição mais acertada é a de (Eduardo) Galeano, nos anos 80, que fala em “democradura”. Houve momentos de maior ampliação de direitos, no processo de memória, justiça e verdade, mas não é possível chamar de democracia”, diz.

Para o ativista também não é possível falar em democracia sem a democratização dos meios de comunicação:

- Não há democracia sem democratização dos meios de comunicação, das notícias, sem o controle popular das forças repressivas. A democracia é muito mais que isso, democracia é transformar o povo em sujeito de sua história, a luta pela democracia é um largo processo de construção de atributos populares e lutas por modificar um Estado que se fundou, a custo da inquisição, de tortura”, explicou.

José Ernesto Schulman é secretário geral da entidade de defesa dos Direitos Humanos mais antiga da América do Sul (foto: Elineudo Meira/Chockito)

Nem os governos kirchneristas são poupados pelo secretario geral da Liga Argentina por los Derechos del Hombre. Schulman cita a lei antiterrorista sancionada em 2007 pelo governo de Cristina Kirchner que, assim como no Brasil, vem sendo usada na Argentina para perseguir movimentos sociais e partidos de esquerda.

- Temos uma avaliação positiva dos governos de Kirchner, mas seus governos se subordinaram à logica da luta antiterrorista. Cristina sancionou a lei antiterrorista em 2007 e outras três versões. A combinação dessas leis prepararam terreno para a prisão dos próprios kirchneristas”, analisa.

Apesar das críticas de Schulman, a Argentina é uma referência para o Brasil na área de memória, Justiça e verdade. A Justiça argentina puniu agentes do Estado que assassinaram civis durante a ditadura militar. Entidades de direitos humanos e movimentos sociais calculam em mais de 30 mil pessoas, entre mortos e desaparecidos. Schulman destaca a consciência do povo argentino em relação ao período e a reconhece como uma conquista:

- O maior valor cultural conquistado pelo povo argentino é o respeito à memória e à verdade. Os argentinos repudiam o terrorismo de Estado. Isso é tão forte que nem (Maurício) Macri pôde mudar. A Corte Suprema prometeu liberar os genocidas pouco antes do Macri assumir, mas a resposta popular foi tão massiva que não levaram adiante”, disse.

“A esquerda brasileira foi leviana na luta pela memória”

Para Schulman, a esquerda brasileira foi leviana com a memória do país (foto: Elineudo Meira/Chockito)

A Argentina chegou a ter 540 centros de detenção e tortura durante a ditadura militar. Boa parte hoje virou espaços de memória que recebem mais de 30 mil visitantes por ano. As visitas são guiadas com explicações sobre o período de terror no país que durou de 1966 a 1973, até Juan Domingos Perón voltar ao poder.

O Brasil ainda está longe da consciência argentina sobre o tema. Para Schulman, o campo progressista brasileiro errou:

- A esquerda brasileira pagou muito caro por ter sido leviana na luta pela memória. A diferença entre a vitória e a derrota é muito mais relativa ao que parece. Ceder na memória é uma derrota, não uma vitória. Há temas em que não podemos ceder”, ensina.

O ativista de Direito Humanos explica que há diferença entre fracasso e derrota. Para ele, os governos petistas no Brasil erraram, mas não fracassaram:

- Os povos lutam com o que tem, e é preciso levar em conta as condições históricas, acumulações e tradições culturais. Eu creio que, em primeiro lugar,. os governos foram derrotados, não fracassados... não é a mesma coisa. Em todo caso eu diria que a estratégia que adotaram, sobretudo o PT, se mostrou que não era acertada. A decisão de confrontar está sendo mais eficaz”, defende.

Na estratégia de confrontar ante a decisão de negociar, Schulman critica a direita latino-americana. Para o ativista, não é possível ceder:

- Discutir exatamente as condições da luta são importantes. Não confundir desejo com realidade. A direita latino americana não é democrática, não é plural, não respeita a Constituição nem os direitos. A direta latino-americana é inimiga da revolução francesa, das tradições liberais. Como acreditar que de um dia para o outro vão respeitar ?”, afirma.

Opositor de Maurício Macri, José Ernesto Schulman foi preso e torturado pelos militares argentinos. Na avaliação dele, o voto macrista não é apenas econômico, mas sobretudo ideológico.

- O voto em Macri é também politico, ideológico, são convencidos de que somos narcoterrosittas, kirchenristas... esse é o discurso. Mas os argentinos votam também culturalmente, do contrário não existiria Fernandez”, reflete.

Para o ativista, o caos social vivenciado pelo Equador e atualmente no Chile põe em xeque o modelo de organização da sociedade pela via capitalista na América Latina:

- São muito impressionante os protestos Equador, no Chile, podemos ganhar. A verdade é que, neste momento, o capitalismo se mostra incapaz de organizar a vida do povo. O modelo chileno se quebrou em pedaços. O Equador se mostrou assim, cada povo luta nas condições em que está. A preocupação seria na frustração do povo. Possivelmente está surgindo uma nova forma de representação, temos que estar atentos”, diz.

++++++++++++++

Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul está cobrindo as eleições na Bolívia, Argentina e Uruguai com o apoio das seguintes entidades: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; Hora do Povo; Diálogos do Sul; SaibaMais; 6 três comunicação; Jaya Dharma Audiovisual; Fundação Perseu; Abramo; Fundação Mauricio Grabois; CTB; CUT; Adurn-Sindicato; Apeoesp; Contee; CNTE; Sinasefe-Natal; Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região; Sindsep-SP e Sinpro MG. 

 
A reprodução é livre, desde que citados os apoios e o autor.

As mais quentes do dia

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.