Ana, mudanças e feijões
Natal, RN 19 de abr 2024

Ana, mudanças e feijões

29 de maio de 2021
Ana, mudanças e feijões

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Estou me organizando para me mudar de endereço novamente, não sei ainda quando o farei e nem qual será o meu destino. Mas espere, essa última frase deu a entender que sairei pelo mundo sem lenço e sem documento, não, só mudarei de apartamento mesmo.

Vocês não acreditariam se eu vos dissesse quantas vezes eu já me mudei na vida. Desde minha infância foram no mínimo 30 vezes, de cidade foram três vezes. Mudávamo-nos de acordo com os ventos econômicos, laborais, familiares, frustrantes, enfim, muitas mudanças.

Dessa vez, sairei do meu breve cafofo da Ribeira que ficou espaçoso para um “quase não mais jovem (estatutariamente falando, risos) mossoroense em sua solitude”, desde que Bidú retornou para o Oeste, o apartamento ficou grande demais, caro demais, inquieto demais.

Tenho percebido que a cada mudança, procuro um canto mais quieto, mais silencioso. Quando era em Mossoró, eu fui me afastando da rua em que havia sido criado, cada vez mais distante do centro. Como se o centro de Mossoró representasse uma “minas não há mais, José. E agora?”.

Saí de Mossoró nas carreiras, não deu tempo nem de arrumar as coisas direito, quem dirá me despedir de todas as pessoas, uma dessas não despedidas foi a de Tercio, um grande amigo, que me mandou carinhosamente uma música quando eu já estava na estrada, uma música apenas bastava para se dizer tudo que devia ser dito, uma música e nada mais, “Curvas do rio” de Elomar, cantada por Xangai.

“Vou correr trecho, vou procurar uma terra para puder trabalhar, para vê se eu deixo essa minha pobre terra velha descansar”, versos que em si já dizem tudo. O porquê desse tema de hoje? Porque ontem eu estava lendo o livro novo de Ana de Santana “As faxineiras sabem de tudo” e me peguei rindo e me emocionando pela narrativa que ela descrevia de uma migração caicoense para Nova Iorque.

Identifiquei-me nas devidas proporções, obviamente, apesar de minha moderada acidez mossoroense permitir que eu escreva que alguns amigos natalenses ainda nutram algum devaneio sobre a perspectiva de ser enaltecida a questão “Nova Amsterdã”, acredito que eles saibam que Natal ser Natal já é mais que o bastante.

Ana narra a via crucis de despedidas e incertezas que rodeiam uma ação como essa, de sair de casa, de ir para o mundo. Mundo que nos assusta e ao mesmo nos tem, nos imerge de saberes e curiosidades. Aí de repente, como um raio, aparece a bendita frase, a oração que me deixou inquieto ontem à noite, “Ter coragem é a melhor forma de demonstrar gratidão”.
Mas que bela construção filosófica, não? Ora, se tudo que a vida ou as pessoas nos ensinam devem nos levar para algum canto, esse “ir” só é possível com coragem, e coragem não é a simples ideia de ousadia ou da falta de temor, coragem é maior, é mesmo você morrendo de medo, ir. Apenas ir. Se você tá pensando em ir, por favor, em respeito ao que você é, se organize e vá!

Daí, Ana relembra em uma passagem, os saques aos supermercados, tão longe e tão perto, e diz que um jornalista pergunta a um dos “saqueadores” quem foi o “cabeça” da ação, e o cidadão com uma simplicidade homérica e automática responde “o cabeça foi a barriga”. Outro soco na minha cara de quem acha que sabe de alguma coisa da vida. “O cabeça foi a barriga”.

Seu Luiz Caraúna, velho pescador de Genipabu de quem eu já falei aqui quando escrevi sobre jangadeiros, me disse que nas secas os flagelados vinham do sertão andando para chegar na praia e tentar não morrer de fome, teve até uma família que comeu um baiacu sem saber do veneno e padeceu ali mesmo, na areia.

Como podia esse povo vir andando de tão longe? Como pode tantos êxodos, para praia, para o sul, para “a gringa”, para a floresta? Não eram as pernas que andavam, era o estômago que os carregavam, por que no final das contas Ana tem razão, “O cabeça é a barriga”.

Certo dia, Bruna me pergunta o que eu a ensinaria na cozinha caso ela fosse embora. Apesar de achar a pergunta um pouco curiosa ou capciosa, respondi na lata, “Feijão!”. Sim, feijão.

Me lembro de ter passado 10 dias em Montevideo, onde as pessoas comem carne e batata em demasia, e no quinto dia a única coisa que eu queria colocar na boca era uma colher de feijão, o fiz assim que desci em terras de vera cruz.

Então o clássico, mulatinho, carioca ou arranca (“arranca”, pois a colheita desse tipo de feijão é arrancando o pé) virá a calhar aqui. A receita mais simples, obviamente, porque esse feijão pode ser feito de todos os modos possíveis. De feijoada até o chilli mexicano.

Primeiro se cata o feijão e coloca-o de molho por no mínimo 3 horas e no máximo 10 horas, esse processo vai garantir que as toxinas que causam os famosos gases, sejam dissipadas na água.

Para meio quilo de feijão: três alhos, uma cebola, um pedaço de bacon, duas folhas de louro e um pouco de cheiro verde. Põe o feijão para ferver com o sal e o louro, quando ele estiver ao dente, em outra panela você colocará o bacon, cebola e o alho tudo picadinho para refogar, em seguida jogue esse refogado no feijão. Deixe ferver mais um pouco até ficar molinho (mas sem espedaçar) e adicione o cheiro verde. E seja feliz.

Ah, Donizete uma vez me ensinou que colocar o suco de uma laranja na fervura do feijão pode deixar tudo especial, e realmente deixa.

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