As histórias que eu não contaria aos meus netos – Parte III
Natal, RN 18 de abr 2024

As histórias que eu não contaria aos meus netos - Parte III

26 de abril de 2020
As histórias que eu não contaria aos meus netos - Parte III

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Vou continuar contando  minhas histórias, mas, me diga aí, Rafa, quem danado vai querer saber de minhas picuinhas dos tempos de jogueiro diante da briga dos dois paus de galinheiro - Bolsonaro e Moro? Não tenho nenhuma chance diante do festival de patifaria que tomou conta do noticiário desde a última sexta-feira, quando o "Marreco de Maringá", imprensado, desmoralizado mais uma vez, resolveu chutar o pau da barraca. Confesso. Até eu fiquei surpreso, mas aí já dá para saber toda a cartilha futura. Ou ele fazia isso ou se desmilinguiria aos poucos, até mesmo diante daqueles que o tinham como herói.

Mas, gente, o que danado estou fazendo? Vamos falar de PPO no Força e Luz, ora essa! O ano de 1978 foi pródigo. Entre uma partida e outra, sempre muito elogiado atuando pelo juvenil, já chamava a atenção da imprensa até, de vez em quando me chamavam para treinar entre os profissionais. Os "velhinhos" gostaram de mim - Arandir, Burunga, Elson, Bebé, Valdeci Santana, Babau, Bastos...elogiavam minha raça, minha disposição. O nosso técnico era  ex-centroavante Dão, brilhou no ABC, entre outros clubes, gente finíssima, cara muito inteligente, infelizmente já falecido, e que me dava muita força e conselhos, além, claro, do mestre "Aranda", que fazia questão de me chamar para aprimorar bater na bola, sair jogando, ele dizia que fazendo o trabalho na quadra dura, onde treinávamos, dentro da Cosern, "daria mais jogo quando chegasse na grama". Ele, o Dão, certamente, me colocaria para jogar.

E veio a oportunidade, mas aí o treinador Dão já havia saído, problemas de mudança de cidade, acho. Assumiu José Djalma, o bonachão "Tenente". Um cara humilde, inteligente que, naquele tempo, já acompanhava pela tevê os treinamentos de clubes da Europa e já tinha treinado quase todos os clubes de Natal.  Chamava a atenção no nosso comandante o seu vocabulário, palavras como "calistenia", treino para perder gordura, o "treino alemão" e o famoso, ele gostava muito de classificar como muito importante, o "aeróbico". No todo,  gente boa demais, e se mostrava sempre muito democrático, ouvindo também os jogadores nas decisões mais polêmicas. A partida da minha "estreia" seria contra o Alecrim, no estádio Machadão.

Oportunidade de ouro de fazer uma partida completa com narração das emissoras de Natal. Já era tempo de um Força e Luz, diria semi-profissional, grande parte dos atletas trabalhava na própria empresa - Maia, Arandir, Valdeci Santana, Bastos, Zoca, Wilde, Bebé e como já disse, os treinamentos todos eram à noite, e na quadra da empresa, depois que terminava o expediente e os craques podiam se juntar.

Passei aquela quarta-feira subindo e descendo a rua, ansioso, nervoso, nem conseguia me concentrar nas minhas leituras. Antes mesmo de escurecer já estava na porta da Cosern, morava quase vizinho, no Bar de Lina, onde todos se encontrariam para se dirigir ao campo. No Machadão, nervoso, fui pegando o material, estava certo que formaria, naquele dia, o meio-campo com Arandir e Elson, na meia, como eu gostava de jogar, já que o mestre Valdeci Santana estava machucado. Tinha confiança de uma boa atuação, pois confiava demais nos companheiros e sabia que não faltaria apoio deles. Notei, sem desconfiar de nada, a presença de uma novidade no elenco. O volante Cacau, excelente jogador que, acho, naquela época (ele depois vai me corrigir) vinha do próprio Alecrim. Vi o Cacau receber material e Tenente vir andando na minha direção... (Evidente, o professor, hoje, Francisco Carlos, mestre em tratamento coronário em clínica super respeitada, nada tem a ver com isso).

Lá vem Tenente na minha direção: "Pepê quero falar com você", me disse, olhos baixos, sem me encarar. Gelei. "Diga, Tenente", respondi seco. Ele gaguejou, tartamudeou, arrodeou, explicou  que Cacau era mais experiente, que Ranilson tinha acertado para ele jogar, entre outras coisas, e que eu ficaria no banco. Lembro que, como sempre acontecia quando me sentia injustiçado, acho que ainda sou assim hoje, mas, muito mais controlado, subiu um fogo à cabeça, os olhos marejaram, saí arrancando o material, calção, meião, chuteira, joguei tudo num canto e voei pela porta do vestiário a fora sem escutar mais os apelos de Tenente e de alguns companheiros que perguntavam para onde eu ia...no corredor do Machadão, várias pessoas circulando e lá vem Ranilso Cristino, anjo da guarda, tentando me convencer a ficar no banco, participar da partida. Me virei pra ele, furioso, despejei alguns impropérios e rasguei em não sei quantos pedaços a carterinha de atleta e atirei os pedaços na sua direção, garantindo que nunca mais jogaria no time dele.

Na semana seguinte, passando lá em casa quase todos os dias, Ranilson Cristino, enfim, depois de muita conversa,  me convenceu a voltar a treinar entre os titulares. Uma semana depois, sem brigas, sem raiva, estreei pelo profissional jogando em Currais Novos, no estádio Coronel José Bezerra, jogando, vejam só, de centroavante. O Forcinha venceu de 1 a 0, o gol não foi meu, foi de Elson. Depois, só felicidade, enquanto a turma mais veterana tomava a cervejinha em um bar central eu e outros colegas passeávamos pela Praça Cristo Rei. Juro pra vocês, ainda fiz outros jogos pelo time elétrico até ser negociado com o Alecrim, sem mais brigas. Detalhe: fui trocado por 30 pares de chuteiras e me transferia para uma equipe onde encontraria outro grande protetor: João Bastos de Santana.

PS: sim, ia esquecendo. No período ainda de juvenil do Força e Luz fui convocado para a seleção do Rio Grande do Norte. Treinadores Wallace Costa e Raimundo França. Foi péssimo. Vindo do Força e Luz, time pequeno, acho que os comandantes daquela seleção nunca tinha sequer me visto jogar e isso me foi provado depois. Sabia que não teria chance. Só dava ABC e América na atenção da comissão técnica. Ainda mais que "Seu" Wallace era treinador do time rubro, natural que ele pendesse um pouco.

Certo dia, já cansando de tanto treinar "cinco" minutos, entrando já no final da prática, o "Seu" Raimundo França veio para mim gingando com aquele seu jeito  e perguntou: garoto do Força e Luz, como é seu nome? "Edmo", respondi. Ele fez cara de entojo, "isso é lá nome de jogador, vou lhe chamar de Jotapê", até hoje nunca entendi de onde ele tirou isso. Faltavam acho, de novo, uns 10 minutos para o treino acabar.  Quando ele acabou de falar e me mandou entrar eu arrematei: "o senhor não vai me chamar mais de porra nenhuma, pois não quero mais treinar nessa seleção reeira", e fui embora, ainda escutando ele me chamar de "moleque sem respeito" e apregoar que eu nunca jogaria em time nenhum.

Agora, sim, encerro. Semana que vem começo a contar os causos dos meus tempos de Alecrim Futebol Clube. Haja paciência, pois são muitos.

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