As histórias que não contaria aos meus netos – parte V
Natal, RN 26 de abr 2024

As histórias que não contaria aos meus netos - parte V

21 de junho de 2020
As histórias que não contaria aos meus netos - parte V

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Uma semana para não se esquecer. Aliás, dá para repetir essa frase o ano todo durante esse desgoverno Bolsonaro. Tivemos as safadezas de um congressista subtraindo, de forma sorrateira, os direitos de ex-atletas durante a votação e golpe no Profut, e o presidente genocida entrando em ação junto com o mandatário, outro sem vergonha, o do Flamengo, Rodolfo Landim, para atingir a Globo, prejudicar pequenos e beneficiar poderosos com sua MP 984 que dá aos clubes mandantes de seus jogos o direito de comercializar, com quem quiser, a transmissão de seus jogos.

O fecho veio com a queda do maior verme que já se fez ministro em nossa história, pústula sombrio que me recuso até a escrever seu nome podre, o "Vaitraste!";  e, por fim,  a volta do Carioca e a 'revolta' do Carioca, com a ré de Crivella, suspendendo o torneio até o dia 25, depois da realização da partida entre Flamengo  Bangu, na quinta-feira passada, no Maraca. Que semana!

Como a minha indignação não cabe em um texto só volto ao meu normalzinho, falando dos meus tempos de atleta profissional de futebol e as minhas histórias, aquelas que não gostaria de contar aos meus netos. Quem me lê certamente deve imaginar que, nos dias de hoje, eu não passaria uma semana na profissão. Estão certíssimos.  Hoje falo sobre minha briga, vejam só, com o maior jogador da história de nosso futebol, o imortal Alberi José Ferreira de Matos. Isso mesmo, antes de encerrar a carreira o ídolo eterno da Frasqueira também vestiu a camisa do Alecrim Futebol Clube, no ano de 1979 (ou foi 1980?).

Foi a contratação mais comemorada pela torcida FERA - Fieis Esmeraldinos Radicais. O estádio JL lotado para ver a apresentação de Alberi, quem sabe o "Negão 10" ajudaria o Verdão a encerrar o jejum que já demorava 11 anos, pois o último caneco conquistado fora, invicto, no ano de 1968. Quando a notícia saiu nos jornais e, principalmente, nos comentários dos analistas, pistas e narradores, já sabem né, ia sobrar para mim. Naqueles tempos ninguém jogava, ainda, com quatro jogadores no meio-campo, quase todos adotavam o comum 4-3-3,  portanto, a nova escalação do time verde, já repetida por todos, trazia o novo meio-campo formado por Nilson Beckembauer, volante; Betinho, meia esquerda, e Alberi na meia-direita com  a camisa 10. Eu, insignificante contratação junto ao pequeno Forcinha, iria para o banco.

Portanto, vocês imaginem aí o menino 'véio' rebelde, abusado, reclamão como ficou. Já cheguei na apresentação de Alberi mal humorado. Lá no fundo, no fundo, no entanto, havia a chamazinha do orgulho de jogar ao lado do cara que, tantas e tantas vezes, junto com minha irmã Edinah, tinha ido assistir, torcer, se encantar com o seu futebol, principalmente naquele inesquecível campeonato nacional de 1972. Claro, muita coisa havia mudado desde então, já havia, inclusive, enfrentado Alberi nos seus últimos anos de ABC, quando ele ficava na reserva do timaço de 1983, e o meu lado profissional já ocupava totalmente o lugar do torcedor.

Chegando ao treino normalmente fui ao vestiário, peguei meu material, e quando entrei no campo os repórteres o cercavam para a entrevistas e fotos. Entra "Seu" Walfredo, treinador, bolas nas mãos, camisas no braço, com seu estilo durão, manda sair todo mundo, suspende entrevista, faz sua preleção costumeira, dá as boas vindas ao novo contratado e nos manda para o aquecimento. Era dia de coletivo, direto, já apronto para a partida de domingo, acho que contra o América. Ao fim da movimentação, o treinador me chama e expõe seu plano de jogo. Para a minha surpresa ele não me saca do time (gostava muito de mim, apesar das brigas que tivemos) e me orienta para fazer um quarto homem pela direita, um falso ponta. Burro, estúpido, cabeça dura, ainda levei a mal o engenhoso e vanguardista "Chopinho",  escutava com raiva, portanto, sem assimilar, seus preciosos ensinamentos.

E durante essa preleção particular aconteceu a "tragédia". Alberi, lá do seu canto, fazia lançamentos na esquerda e direita, exercitando sua grande categoria com as duas pernas (não ao mesmo tempo, claro). E, sem perceber, acho, a conversa que mantinha com o treinador fez um passe na minha direção. Eu, solenemente, ignorei, e foi aí que, surpreso, escutei seu grito:

"Vai na bola, minino mole"! Gente, foi como se nosso Pelé tivesse me esbofeteado. Deixei o pobre treineiro falando sozinho e fui na direção dele furioso, falando os impropérios que a revolta produzia: "vai pra puta que o pariu jogador boçal, tá pensando que eu sou empregado seu, vai você atrás da bola...", enfim, foi uma explosão descontrolada de desafio à nova estrela do clube. Alberi quase não teve reação, mas um zagueirão do time (já falecido, não vou citar o nome) que tinha atuado ao seu lado no ABC tomou as dores e veio para cima de mim, querendo me agredir, dizendo que eu devia respeitar e coisas do gênero. O tempo fechou e minha ira se voltou para o zagueiro, não apanhei porque chegou a turma do apaziguamento...

Não me lembro de ter tomado conhecimento, mas me parece que esse episódio lamentável causado por meu gênio difícil não teve, ainda bem, repercussão na imprensa. Por incrível que possa parecer, nunca falei com ele sobre essa presepada (talvez com vergonha), tomara que Alberi nem se lembre mais do episódio. No jogo do domingo, lembro bem, nada deu certo, joguei mal, acho que fui expulso, para variar. Na outra semana, contra o ABC, o Alecrim, sem minha presença, ganhou o clássico de 1 a 0. O certo é que,  durante sua curta passagem pelo time verde,  a minha convivência com o craque foi de quase inimizade (por culpa minha), nos falávamos somente o necessário dentro de campo, mas ele nunca demonstrou ter guardado mágoa. E mesmo tempos depois, quando já  repórter do Diário de Natal, fiz várias matérias, e olha que o Negão não gostava muito da imprensa,  mas sempre me recebia muito bem, acabamos por nos tornar amigos, para vocês terem a ideia, ele e sua esposa Marluce me deram a honra de comparecer à Câmara Municipal no dia que recebi o título de Cidadão Natalense, proposição do meu querido amigo George Câmara. Hoje, Alberi é um dos tantos ex-companheiros que me tratam por "Lindo-Lindo".

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