As polêmicas de Almodóvar
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As polêmicas de Almodóvar

10 de maio de 2019
As polêmicas de Almodóvar

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Na última terça-feira (7), o diretor Pedro Almodóvar afirmou à revista Vanity Fair que sofreu, quando criança, tentativas de abuso sexual por padres. A declaração repercutiu no mundo também porque o espanhol fez críticas ao atual Papa, Francisco: "Eu não sei se o papa está realizando uma revolução ou se ele não está fazendo nada. O que eu sei é que ele não está fazendo o suficiente. Não apenas contra o abuso, mas também com tudo o que tem a ver com a sexualidade dos padres", apontou, relatando que, na época, ao tentar denunciar o caso a um padre, foi aconselhado a “não falar com ninguém”.

Almodóvar é um dos mais prolíficos - e talvez o mais famoso em outras parte do mundo - dos diretores espanhóis. Ganhou um Oscar e deu nome a um estilo - não à toa, Adriana Calcanhotto cita suas cores em uma de suas canções. O que pouca gente sabe é que Almodóvar não faz um cinema de cores vibrantes e temas chocantes somente por gosto. O diretor fez parte de um movimento que, na década de 1970, fez uma revolução cultural na Madri pós-franquista, a Movida Madrilenha. A noite da cidade efervesceu, o rock chegou, os artistas puderam experimentar. Depois de anos de clausura, os espanhóis finalmente conheceriam a cultura alternativa e underground.

Tudo o que era tabu antes tinha que ser colocado na mesa. Em Maus Hábitos, que se passa em um convento, há amor lésbico e experiências alucinógenas. Em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, a infidelidade conjugal e o uso cotidiano de drogas fazem parte do contexto da narrativa. Em Kika, os parceiros sexuais podem ser membros de uma mesma família. Tudo o que o conservadorismo franquista quis esconder, Almodóvar mostra.

Na ferida da pedofilia, aliás, ele tocou em Má Educação. Com o protagonista Ignacio, um ator que entrega a um amigo um conto revelador sobre uma paixão de infância e a cobiça de um padre, o cineasta compõe o cenário que se viu, anos depois, nos depoimentos de vítimas de padres pedófilos. Em Má Educação, a comédia escrachada de Almodóvar é substituída pelo tom sombrio dos filmes noir.

Um de seus mais famosos filmes, Tudo Sobre Minha Mãe, traz uma rede de amores que, se por um lado põe em foco a maternidade, de outro coloca em cena transexuais e prostitutas, num emaranhado que revela o paradoxo da vida real: quem mais emoldura a família tradicional nem sempre está disposto a fazer tudo pela família. Esta é a essência de Almodóvar: o exagero chama a atenção para o que não queremos ver.

Este texto não se pretende uma ode ao cinema do diretor, mas, utilizando a polêmica de suas declarações desta semana, provocar uma revisão de seu cinema. Amado e odiado na Espanha, Pedro já disse e tem muito a dizer ao mundo atual, em que os reacionários não temem agredir e matar. Como acontece em Má Educação, a repressão, um dia, transborda. E pode virar purpurina ou sangue.

 P.s.: Almodóvar lança, no Festival de Cannes, que começa na próxima semana, seu filme mais recente: sobre um diretor que avalia as escolhas que fez no passado. Com Antonio Banderas.

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