“Bacurau é uma sociedade pacífica onde a única forma de sobreviver era a resistência”  
Natal, RN 24 de abr 2024

“Bacurau é uma sociedade pacífica onde a única forma de sobreviver era a resistência”  

30 de setembro de 2019
“Bacurau é uma sociedade pacífica onde a única forma de sobreviver era a resistência”  

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Celebrado no Brasil e premiado no exterior, o filme Bacurau, dirigido por Kléber Mendonça e Juliano Dornelles, vem despertando sentimentos no público e levantando uma série de questionamentos país afora. Um deles, tema de dois artigos publicado pelo historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. (leia aqui e aqui), é a violência utilizada pelos moradores da pequena Bacurau para se defender de um grupo de estrangeiros que desembarcou na comunidade para caçar os moradores da região.

A agência Saiba Mais conversou com dois atores que participaram do longa-metragem pernambucano: Tomaz Aquino, que interpreta o personagem Pacote, e Alli Willow, a Kate, um das estrangeiras sádicas e assassinas do longa. A entrevista ocorreu sexta-feira (27), no CineSesc, em São Paulo, durante um evento promocional realizado pela secretaria de Estado do Turismo do Rio Grande do Norte que organizou uma sessão exclusiva de Bacurau para divulgar o destino turístico do Estado junto à empresários, jornalistas e convidados da capital paulista. O evento, segundo a SETUR, não teve custo para o RN.

A relação do Estado potiguar com o filme está na locação e cenário. A cidade fictícia de Bacurau foi filmada na comunidade de Barra, localizada a 24 quilômetros de Parelhas, região Seridó do Rio Grande do Norte.

Os atores Alli Willow (Kate) e Tomaz Aquino (Pacote/Acácio) com a equipe da Setur e Emprotur (Foto: Anna Paula Andrade)

Tanto Tomaz Aquino como Alli Willow discordam da visão de que a sociedade que vive em Bacurau seja violenta. Para o ator pernambucano, a forma como se deu a resistência da comunidade foi uma questão de sobrevivência:

- Bacurau é uma sociedade pacífica. Se a gente for entender o movimento da história do filme vai notar que as armas estão no museu, as pessoas estão vivendo em comunidade, existe uma transexual que vive com dois homens e está tudo bem na sociedade; existe uma mulher que é casada e transa com quem ela quiser e está tudo bem na sociedade. Então é uma sociedade pacífica que vive bem coletivamente. E a única maneira de sobreviver é uma resistência. Infelizmente partiu de fogo contra fogo”, disse o ator, que viveu o “Pacote”.

Ele reforça, no entanto, que acredita no diálogo para resolver as divergências:

Eu, particularmente como Tomaz Aquino, acredito que as armas devem ser todas destruídas, essa inclusive é uma fala do Kleber Mendonça; e algumas guardadas em museus para ter como função de história. Mas a única arma que o ser humano pode utilizar mesmo é o diálogo. E isso é a coisa mais forte do mundo”, defende.

Alli Willow interpretou a personagem Kate, uma das estrangeiras sádicas e assassinas de Bacurau (foto: divulgação)

A atriz francesa Alli Willow, que mora há cinco anos no Brasil, também não enxerga a apologia da violência em Bacurau. O que o filme faz, segundo ela, é propor o debate sobre uma série de questionamentos:

- Essa questão das armas é uma coisa que o Kleber (Mendonça) fala algumas vezes que é o entretenimento. E é claro que a gente levanta muitas perguntas, acho que um bom filme leva ao questionamento de muitas questões. Mas Bacurau não levanta uma bandeira de “vamos usar armas”. Estamos usando uma história para levantar algumas perguntas, alguns questionamentos, um debate sobre o uso ou não de armas”, afirma.

Alguns setores da esquerda brasileira identificaram Bacurau como uma espécie de recado ao governo Bolsonaro, opressor com os movimentos e minorias sociais e que vem perseguindo artistas e segmentos culturais.

Para Willow, o filme se aplica não apenas ao atual contexto brasileiro, mas a vários momentos da história:

“É impossível não fazer (a relação com o momento político brasileiro atual) no sentido de que as questões humanas sempre voltam. Na história se a gente volta muitos anos atrás a gente encontra situações de opressão, situações de censura. E esse filme existe hoje porque ele foi criado numa época em que não existia censura. Então esse filme não existiria hoje da maneira que está. Foi dinheiro público, é um filme de coletivo que pode ser considerado como resistente e polêmico porque a gente está vivendo esse momento. Mas se aplica há muitos momentos da história”, afirma.

O pernambucano Tomaz Aquino vai além do espectro político partidário. Para ele, Bacurau fala da essência do ser humano:

- É uma resistência, uma clareza de ideias, de pensamentos que a gente deve a Kleber e Juliano, que foram os criadores desse roteiro, pensado durante 10 anos. Então vejo como uma clareza de ideias que foram colocadas ali para que a gente possa pensar e refletir numa sociedade como um coletivo. A gente tem na sociedade esquerda, direita, centro-direita, centro-esquerda, os extremistas... e acho que a ideia mesmo é refletir quem somos nós como seres humanos”, diz.

O ator pernambucano Tomaz Aquino interpreta o regenerado matador Pacote, um dos principais personagens do filme (foto: divulgação)

Em meio ao processo de debate sobre Bacurau, alguns episódios de censura vêm ocorrendo no Brasil. O filme Marighella, dirigido por Wagner Moura e já premiado no festival de Cannes, não consegue estrear no Brasil devido ao boicote de empresas brasileiras. Espetáculos de teatro também têm sido censurados, a exemplo do que o ocorreu recentemente com a peça Abrazo, do grupo potiguar Clowns de Shakespeare, retirado de circulação de forma abrupta pela Caixa Cultural.

A censura é uma realidade aos olhos dos artistas brasileiros e de estrangeiros também. A atriz francesa Alli Willow não tem dúvidas: se o roteiro de Bacurau fosse analisado pela curadoria do atual governo brasileiro para conseguir financiamento público, não seria aprovado:

- Bacurau não existiria, um roteiro desses não passaria. Tem a questão LGBT, da violência, da soberania americana... atualmente o roteiro seria recusado. Acredito que estamos vivendo sob censura sim. Muitas peças programadas estão sendo canceladas. Estamos numa fase onde as pessoas estão se protegendo de ataques que a gente não sabe ainda de onde vêm.

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