Bares e restaurantes abertos? Queremos, mas cliente morto (ou com medo) não consome
Leio nota da Associação de Bares e Restaurantes do Rio Grande do Norte (Abrasel/RN) estimando que os três meses de pandemia do novo coronavírus causaram a perda de 8 mil empregos em Natal, somente no setor de alimentação. Os números são bem impactantes: registrou-se o fechamento de aproximadamente 400 bares e restaurantes, ou seja, 20% do total de 2 mil estabelecimentos na capital potiguar.
Neste mês de julho que começa depois de amanhã, a quantidade de empresas do gênero fechadas pode dobrar e chegar a 800, se a reabertura gradual da economia não acontecer, segundo o presidente da Abrasel/RN, Artur Fontes.
Antes de mais nada, que se diga que é terrível que tanta gente perca o emprego e tantos empreendedores, a maioria pequenos e médios empresários, tenha de fechar as portas. Sou amigo de muitos donos de bares e restaurantes e nas conversas com eles, percebo o desânimo e o desespero. Os que podem sobreviver e manter um mínimo de estrutura com entregas, vão "escapando", como se diz. Outros não têm como.
Dito isso e sendo solidário a Abrasel/RN, que prega a tal "abertura gradual das atividades econômicas", vamos lá: todo mundo quer voltar à normalidade, digamos, eu mesmo sempre fui frequentador de bares e restaurantes, sinto falta por mim, do ponto de vista de lazer pessoal e, como dito, pelos empresários e trabalhadores no setor.
Mas, para falar em "abertura gradual" seria necessário que tivesse existido um "fechamento" e sabemos todos que isso não aconteceu.
Nos países onde a atividade econômica está abrindo, com ressalvas e segurança, existiu um isolamento social real, em alguns casos um lockdown. Lugares onde se viveu o início da crise do Covid-19, depois o pico, depois o achatamento da curva, até chegar à queda dos casos e óbitos, permitindo a abertura das atividades. Tudo regrado por números e dados, por especialistas e pela ciência.
No Brasil, em geral, isso não aconteceu, pelo contrário. Tivemos um (des)governo federal trabalhando contra o isolamento (e praticamente a favor do vírus) e o setor empresarial entre o negacionismo e o cinismo em grande parte.
Logo, não temos como aferir em que pé estamos. Já estaremos então no pico? Se sim, como falar em abrir a Economia? Não? Então se o pico já passou por que os números de mortes diárias ainda é alto? Enfim, o achismo de botequim - ops - entrou na pauta no lugar da ciência e dos dados para nortear os procedimentos.
Compreendo também a situação de governadores e prefeitos, pressionados pela classe empresarial para abrir. Os empresários querem abrir para voltar a fazer e ganhar dinheiro (sim, gerando empregos e pagando impostos, também). O problema é fazê-lo com um vírus letal e sem cura solto por aí.
Afinal, os empresários de bares e restaurantes acham realmente que abrindo os estabelecimentos, todos voltarão como antes a lotá-los felizes com aglomeração? E se em uma semana for registrado que um cliente fiel ou um funcionário do local contraiu o Coronavírus? O local continuará funcionando? Fechará as portas?
Fala-se - no RN Abrasel, Fiern e Fecomércio enfatizam esse ponto - em tomar os devidos cuidados e garantias. Não duvido que os estabelecimentos o façam. E os clientes? Estamos falando de uma população onde parte das pessoas sai propositalmente sem máscara e briga pelo direito de contrair o vírus e contaminar outras pessoas. De pessoas que se aglomeram e puxam papo até em fila de banco, imagine-se em um bar.
Por fim, me espanta como os empresários, tão rigorosos e atentos com os governos estaduais e municipais parecem fazer certa vista grossa quanto ao Governo Federal. Em diversos países, principalmente europeus, os governos federais "seguraram" os empreendimentos de turismo, combo bebida e cultura e lazer, de maneira a seus donos e funcionários terem menos prejuízos e conseguirem sobreviver e depois retomar. No Brasil, o Governo Federal pouco faz neste sentido e ouve-se pouca queixa. Infelizmente, a paixão pelo bolsonarismo que se abateu sobre parte do empresariado os tornou míopes ao fato de que o Governo Federal quer que abra a Economia para que se virem por conta própria. Inclusive, o desprezo do ministro da Economia Paulo Guedes pelos pequenos empreendedores já foi explicitado diversas vezes.
Sim, todos nós queremos que bares, restaurantes e similares abram. Queremos beber cerveja e degustar petiscos, almoçar fora com barulho, comer espetinhos ouvindo música ao vivo. Sonho com isso todo dia. Mas, queremos também ter a certeza que não seremos contaminados e que vamos estar vivos. Cliente infectado e entubado ou morto e sepultado não consome e nem paga, viu Abrasel, Fiern, Fecomércio e senhores empreendedores ?