Camila Barbosa: “Ser mulher numa sociedade machista é um ato político”
Natal, RN 25 de abr 2024

Camila Barbosa: “Ser mulher numa sociedade machista é um ato político”

26 de setembro de 2018
Camila Barbosa: “Ser mulher numa sociedade machista é um ato político”

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Camila Barbosa se define como uma mulher "feminista do último fio de cabelo até a ponta dos pés”. Ela tem 22 anos de idade, nasceu na periferia de Natal e milita desde cedo nos movimentos sociais. Camila é candidata à deputada estadual pelo PSOL, partido ao qual se filiou enquanto cursava Pedagogia na UFRN. Professora, é fruto das mobilizações de junho de 2013.

Camila faz parte de uma estatística cada vez mais comum no Brasil: a de filhas criadas por mães solteiras. Segundo censo do IBGE divulgado em 2015, 26,8% das famílias brasileiras são compostas por mães que criam sozinhas seus filhos e filhas.

A mãe de Camila passou há pouco tempo no concurso público da Urbana e hoje é gari profissional. O salário fixo mudou a vida família que pôde, enfim, deixar o aluguel para comprar a primeira casa própria.

A agência Saiba Mais estreia nesta quarta-feira (26) a série de entrevistas "Me Representa", com candidatos a deputados estaduais e federais do campo progressista que têm pouco ou quase nenhum espaço na mídia.

Na primeira entrevista, apresentamos quem é, o que pensa e o que defende a candidata à deputada estadual pelo PSOL Camila Barbosa. Confira:

Agência Saiba Mais: O que a política representa para você? Ela é essencial na vida das pessoas? Se sim, de que forma?

Camila Barbosa: A velha forma de fazer política - dos acordões, dos conchavos, do "toma-lá-da-cá" - inaugurou um fosso entre a população e a política institucional. Em tese, o que deveriam ser espaços democráticos de discussão sobre os problemas sociais, se tornaram verdadeiros balcões de negócio para os desmandos da casta política que os ocupam. Precisamos resgatar o sentido prático da política na vida das pessoas, que é justamente o de decidir, coletivamente, os rumos de nossa convivência em sociedade.

Quem você representa ou que segmento você quer representar?

Eu sou uma mulher, jovem, criada na periferia, militante dos movimentos sociais. Minha candidatura representa todos esses segmentos: as mulheres, a juventude, os movimentos sociais, enfim, a classe trabalhadora. Para além do que eu represento de acordo com quem sou, temos pautado sempre as demandas das pessoas LGBTs e da negritude nesta campanha, que são setores ainda absolutamente subrepresentados pela política de maneira geral.

Numa época de tantos ataques machistas e misóginos, qual a importância do feminismo hoje? Você é feminista?

Eu sou feminista do meu último fio de cabelo até a ponta dos meus pés (risos). A luta das mulheres organizadas pelo feminismo segue imparável pelo mundo. A razão disso é que não estamos mais aceitando caladas ser alvo de tantos ataques dessa ordem. Somos um dos setores mais proativos nas mobilizações políticas - e não só nas pautas exclusivamente feministas. Prova disso tem sido as proporções que o movimento anti-Bolsonaro, encabeçado pelas mulheres, está tomando. Somos um dos principais obstáculos eleitorais de um candidato que, como presidente, tem tudo para protagonizar um retrocesso imenso no país, que não atingirá só as mulheres. Por isso criei, com a ajuda das minhas companheiras do Coletivo Juntas!, um grupo de mulheres potiguares contra Bolsonaro, que já conta com mais de 10 mil membros. Estão sendo convocados em todo país atos de rua com esse propósito, no próximo dia 29, com milhares de mulheres confirmadas. Vamos chacoalhar as eleições derrotando Bolsonaro!

O que a população do RN pode esperar do seu mandato? Qual será o foco?

Um mandato participativo e radicalmente democrático. Quero um mandato que não seja meu, mas sim nosso! Transformar a tribuna parlamentar em um megafone da luta das mulheres, da juventude, das LGBTs, da negritude e do povo. Faço parte da política que o dinheiro não compra. Só fará sentido ser deputada estadual se for para representar unicamente os interesses da classe trabalhadora potiguar.

Quando começa sua relação com a política ? Dentro de casa com seus pais, na escola... fale um pouco sobre como você despertou para a política.

Minha relação com a política vem desde cedo. Entendi, na prática, que ser mulher nesta sociedade machista é um ato político. Mas foi na UFRN, onde me formei em Pedagogia, que passei a converter meu medo, minha insegurança, minha indignação, em ação. Fiz parte do Centro Acadêmico de Pedagogia Paulo Freire, entrei no movimento Juntos! e, em seguida, me filiei ao PSOL. Passei a respirar as lutas da universidade, por permanência e assistência estudantil, contra os casos de assédio no campus, contra a remoção dos ambulantes da universidade, contra o aumento do preço do Restaurante Universitário... Já prestes a concluir o curso, participei das lutas contra a chamada “PEC do Fim do Mundo”, que congela por 20 anos investimento público em áreas sociais. Ocupamos a reitoria e fizemos atividades de mobilização em toda a universidade. Foi no Movimento Estudantil que consegui, inclusive, entender melhor o sentido político da minha profissão. Sou grata por essa experiência.

Qual a importância da luta de mulheres como Marielle Franco para você ?

Marielle foi minha companheira de partido. No PSOL, dividimos a construção de um programa político e, sobretudo, de um novo projeto de sociedade. Seis meses depois de seu assassinato (que, aliás, sequer foi solucionado), ainda dói pensar que perdemos uma de nossas lutadoras. Acho que sempre doerá, na verdade. O que temos tentado fazer é transformar nosso luto em luta. Converter a tristeza em ação e indignação é fazer com que o legado de Marielle e de tantas outras mulheres aguerridas que tombaram na luta permaneçam vivas.

Como responder aos eleitores que não votam em candidatos jovens por falta de experiência ?

Esse receio é bem comum mesmo! Conversando com as pessoas nas nossas panfletagens sempre escuto de algumas delas o quanto pareço jovem demais. Quando acontece, gosto de destacar que mais vale votar e eleger pessoas jovens com disposição de transformar a política do que manter no poder aqueles e aquelas que, apesar da experiência parlamentar, seguem sem representar verdadeiramente a população. Na ALRN existem deputados que já possuem oito mandatos (cerca de trinta anos), ou seja, há dez antes de eu nascer eles já ocupavam o cargo e continuam tentando se reeleger nesta eleição. Além disso, a média de idade dos parlamentares da casa supera os cinquenta anos. Muitos deles fazem da política uma carreira profissional e trampolim para os seus interesses pessoais. Definitivamente não é o meu caso! Sou professora e quero me eleger deputada para defender as demandas e necessidades da minha classe: a classe trabalhadora!

Fale um pouco sobre você. Nome, idade, onde nasceu, onde estudou, se já ocupou algum cargo, se foi eleita para algum cargo, o que faz hoje...

Eu sou Camila Barbosa e tenho 22 anos. Sou militante feminista, pedagoga de formação e herdeira direta das mobilizações que correram o Brasil e o RN a partir de junho de 2013. Construo ativamente as lutas populares, especialmente aquelas que reivindicam os direitos das mulheres e da juventude. Nasci e fui criada na periferia de Natal, estudei a vida inteira em escola pública e me formei na universidade federal, entre os estágios e a militância política, com grande esforço e orgulho. Hoje acompanho a Comissão de Educação da Câmara Municipal de Natal e sigo apostando no poder das lutas do povo como única forma de mudar a vida.

Como você avalia a atual composição da Assembleia Legislativa?

Recentemente a ALRN foi alvo de alguns escândalos que, na minha opinião, são sintomas de como a Casa opera. A farra dos gastos dos deputados, o reajuste de seus próprios salários, o número assustador de funcionários fantasmas e por aí vai... Tudo isso demonstra o quanto a Assembleia tem sido negligenciada ao longo dos anos pelos parlamentares e segue se distanciando ainda mais da população. Além disso, falta uma bancada de oposição que não se subordine aos demandos do governo estadual. No começo do ano, não fosse a mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, Robinson Faria quase teria aprovado um pacote completo de retirada de direitos. É urgente que se renovem as cadeiras da ALRN na perspectiva de enfrentamento da velha política!

Quem te inspira?

Minha mãe me inspira muito! Como tantas mulheres no Brasil que carregam consigo a responsabilidade de criar sozinhas os filhos, fui criada por ela. Só conseguimos comprar uma casa própria há pouco tempo e sempre precisávamos nos mudar constantemente dos aluguéis. Ela passou em um concurso público e hoje é gari. Me orgulho demais em ser sua filha e terei muita sorte se puder ter herdado um pouco de sua força!

De que forma você vê o engajamento da juventude na política ? Descrente ou esperançosa ? E por quê ?

A juventude, apesar de calejada pelo descaso dos governos, sempre se renova pela via da esperança. Historicamente, no Brasil e no mundo, tem sido assim. Há poucos meses atrás, os secundaristas davam aulas de organização política nas ocupações escolares. As meninas, especialmente, estão cada vez mais criando redes de coletivos feministas nas escolas e universidades que ousam questionar os papéis que o patriarcado impôs às mulheres. Junho de 2013 demonstrou que temos muita disposição para a luta. Como costumamos dizer, somos aqueles e aquelas sem educação, sem emprego, sem saúde, mas, principalmente, sem medo! Em contrapartida, temos exemplos lamentáveis na política institucional do RN de jovens que estão lá por serem parte das oligarquias que comandam o nosso estado, que “recebem” mandatos quase que por herança familiar e que não representam os nossos interesses. Precisamos fazer com que a juventude das ruas ocupe a política. Afinal, não basta ser jovem para ser parte da necessária renovação, é preciso caminhar do lado certo!

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