Carta a Muirakytan
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Carta a Muirakytan

10 de julho de 2021
Carta a Muirakytan

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Meu amigo, ontem à noite comentei com Bruna que quando acordasse iria te mandar mensagem, estava com saudades de conversar com você. Provavelmente eu iria inventar alguma pergunta qualquer somente para saber como estavam as coisas por aí.

Essa semana estava folheando “Rústicos Cabedais”, penei para segurar o meu ímpeto de citar seu livro quase todo em uma pesquisa que se avizinha. Já pensou? Daria errado certamente.

Rapaz, para você ver as coisas como são, marquei minha primeira viagem de campo para a próxima semana, meio desengonçado como bezerro desmamado, bem sei, mas com aquela curiosidade que irradia e salva gente como nós. Iria até te ligar para saber de dicas de vestimentas, veja só!

Vou tentar me cobrir de Sertão central nos próximos tempos e parece-me inclusive que iremos subir a Serra do Feiticeiro em Lajes e o vulcão de Angicos. Escolhi uma latitude potiguar diferente da sua, tendo em vista que você é o conde do Seridó e merece o título. Eu não ousaria levar minha bússola de iniciante para o Seridó depois de tanto escutar e ler você e o velho Oswaldo.

Acordei com as fatídicas mensagens. Foram as primeiras que me chegaram, uma de Mineiro e outra de Julie, ambas com a escrita direta de quem parecia querer apenas imaginar e lembrar de todos os seus risos honestos, sua generosidade e inteligência implacável. “Perdemos” e “Se foi” eram as palavras que estavam acompanhadas de seu nome e estampadas em minha pequena tela de vidro.

Passei o dia meio ‘mufino’, lembrando, pensando, refletindo... Claro que viria até você usando esse recurso escrito. Te trouxe aqui uma porção de vezes, escrevi a partir de coisas suas, escrevi sobre coisas nossas, sobre coisas minhas que você se identificava, escrevi sobre você.

Tenho que te confessar que sempre me enchia de pernas quando você comentava algo de minha escrita neófita, comentários sempre carregados de um “que bonito você falar de seu chão. Vá! Continue fazendo isso, isso é você”. E aqui estou, neófito ainda, inseguro ainda, mas aqui estou, e sei em qual vento irei lançar minha pipa, vento esse que você sopra, meu amigo.

Relutei em abrir o link que foi disponibilizado para a sua despedida, mas o fiz. Ana estava lá: bela, consolando e explicando a todos daquele jeito dela como você, uma figura humana, generosa, tranquila e que nunca reclama de nada. Ficou todo tempo, como sempre, ao seu lado, zelando você e os seus. Por fim cantaram a novena de Santana, como se quisessem te levar para passar pelo arco da igreja. Que par imprescindível esse que a natureza te proporcionou.

Muitas pessoas que te conheceram nessa estrada te escreveram. A senhora do mercadinho disse que você sempre sorria perguntando como estavam os meninos. As beatas de Santana lembraram seu apego com a batalha do reconhecimento da grandeza do Caicó catolaico.

Seus alunos relembraram que seu porte de educador é de uma grandeza colossal, e agradeceram mil vezes o passado, presente e futuro que você os proporcionou.

Orientandos, artistas e autoridades fizeram questão de se unir em uma grande teia de energias boas que, com certeza, será força motriz no salto que você deu hoje.

No grupo que você criou, do livro ”Gosto de Sertão”, houve um silêncio como se alguém fosse desmentir, até que Gabriela te mandou a música “Cavaleiro de são Joaquim” de Elomar. E em seguida todos nós sentimos como sente um facheiro que levanta as mãos aos céus rogando por um pouco mais de tempo. Maria Isabel e o resto do pessoal também te mandam lembranças e abraços diversos.

Por falar em lembrança, hoje almocei farofa d’água. Não aquela que você tanto falava, mas tinha as coisas na geladeira e resolvi fazer (tenho certeza que Dona Baía irá te fazer uma daquelas quando você encontra-la). Comi a farofa revendo os seus “pixos” em livros e fico imaginando o orgulho de quem teve um livro autografado por sua arte “psicocósmica” dos lápis e pincéis.

Seus colegas historiadores das faculdades e associações dos brasis a fora também te mandaram lembranças, em textos belíssimos que mais pareciam bordados de flores em tecidos alvos como aqueles que sua irmã Santana de Macedo faz.

Quanto a mim, mestre, ofereço minhas palavras, minhas lembranças, e essa vela que acendi enquanto escrevo esse texto interrompido tantas vezes por uma emoção que é uma simbiose de saudades e gratidão.

Tenho certeza que nessa nova estrada estelar, vaqueiros, romeiras, Janduis, Canindés, Coremas, Icós e o gentio que já habitou esta terra, te recebem cantando torés e incelenças belíssimas, rodeados do espírito da sabedoria milenar que o ovaciona de pé e diz: “Bem vindo, meu irmão!”.

Espero que quando nos encontrarmos novamente possamos ser cometas rasgando os céus noturnos do sertão potiguar ou, quem sabe, raios em pé de serra que anunciam agueiros para o nosso povo. Muito obrigado, por tudo, Muirakytan. Sempre carregarei átomos espaciais advindos de você, meu amigo, que foi um vendaval de humanidade e agora se torna energia do todo, para plantar os baobás de Saint-Exúpery pelo cosmo inteiro.

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