Cartão vermelho
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1 de fevereiro de 2018
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Vivemos tempos difíceis. Falar isso chega quase a ser um clichê diante de todos os graves problemas que vivemos hoje no Brasil e no RN, em particular. É condenação injusta de Lula, é perda de direitos dos trabalhadores em todos os níveis, é retrocesso na agenda de todas as pautas progressistas e libertarias, é febre amarela, é o absurdo do massacre dos macacos devido a ignorância sobre a febre amarela, é “Escola sem partido”, é aumento da intolerância religiosa e perseguição por gênero, é o descaso do governador com as graves greves da saúde e da UERN que seguem, é tanta coisa séria e urgente que nos chama atenção e nos toma o tempo, que nos mobilizam a lutar e fazer algo, que muitas vezes podemos passar ao largo de outras tantas pautas a partir das quais também se pode fazer um debate relevante para nossa sociedade.

Algo que tenho buscado nessa coluna é realizar um debate diverso, que tenha no guarda-chuva maior da temática da cidadania e dos direitos humanos, um contexto de discussão que englobe temáticas menos visíveis, aparentemente menos urgentes, mas que também necessitam de visibilidade, de ser debatidas, como é o caso, por exemplo, das questões ambientais, que aqui já me debrucei. Às questões das artes, que também venho enfrentando, poderia figurar nesse grupo de possibilidades.

É o caso também no que diz respeito à questão dos esportes no RN. Nesse mês de Janeiro o Governo do Estado sinalizou um pacote de maldades que, segundo o executivo estadual, teria a função de retirar o RN da grave crise orçamentária a qual está exposto nosso estado. Digo teria porque quando se analisa um projeto que acha que solução para a crise é perdoar 95% das dívidas dos empresários com os finados bancos públicos do RN, ao passo que onera os servidores que ganham menos, o que se constata é um verdadeiro acinte à sociedade trabalhadora potiguar.

Como se não bastasse, o pacote também prevê o fim da Secretaria de Esportes e Lazer do RN. Uma pasta que responde por apenas 0,03% do orçamento anual do Estado está sendo extinta sob argumento de economia para o Estado. O governo claramente “joga para a torcida” com essa medida, afinal, pela inexpressividade orçamentária que representa a Secretaria, é querer impressionar a sociedade dizendo que está economizando para sanar a crise do Estado. Afinal, apesar de representar financeiramente pouco, o significado da existência de tal secretaria é grande e tentar extinguí-la diz muito sobre o atual modelo fracassado de gestão do governo estadual do RN.

Seria a primeira unidade federativa a extinguir sua secretaria de esportes, triste legado num país que faz somente um ano e meio sediou as Olimpíadas, num Estado que menos de 4 anos atrás teve sua capital como cidade sede de Copa do Mundo, ocasião na qual se por um lado a cidade ganhou uma moderna, bonita e cara arena multiuso, perdeu um ginásio, o Machadinho, até hoje não devolvido à população da zona sul da cidade, que perdeu uma praça esportiva de grande porte para outros esportes, que não o futebol.

Mais do que interessar somente aos atletas que ficarão totalmente desamparados se a extinção da SEEL-RN se confirmar, visto que até mesmo a continuidade de programas do governo federal como o bolsa atleta no RN estaria comprometida, assusta a falta de visão de que o esporte e o lazer não sejam considerados dimensões importantes da constituição da cidadania, pelos inúmeros e óbvios benefícios que tais práticas geram por si só, seja no incremento da melhoria da qualidade, da saúde, dos praticantes de esporte, seja pelo imenso potencial de regeneração socioeconômica de indivíduos e comunidades inteiras que o esporte pode representar.

Será que se tivéssemos uma valorização maior de políticas públicas para o esporte no RN como alternativa à nossa juventude não estaríamos com os terríveis índices de mortalidade juvenil que hoje temos, dos maiores não só do Brasil como do mundo? Eu tenho certeza que sim.

Teríamos uma situação melhor na segurança se parássemos o processo de criminalização da juventude pobre periférica através do modelo racista da atual guerra às drogas, detendo o processo de extermínio desses jovens e oferecendo o esporte como alternativa saudável e recreativa ao aliciamento cada vez mais precoce do tráfico. Já fomos o Estado que tinha a maior competição esportiva escolar do Brasil, o Jerns, que eu tive a alegria de participar na minha adolescência nos anos 90 jogando vôlei pelo time do, atualmente centenário, Instituto Padre Miguelinho.

Percebo que faz muita falta o esporte como alternativa pra nossa juventude, percebo também que essa percepção passa longe das preocupações dos nosso gestores. Será que ninguém acredita que pode diminuir a violência no RN levando esporte e lazer para as periferias ? Afinal, esporte quando gerido com competência pode virar trabalho, gerar renda, ser uma alternativa à crise, realizar sonhos de jovens e suas famílias por uma vida melhor. Mas será que nada disso entra nas contas, nas considerações, desse obtuso executivo estadual?

Então, essa semana, minha mensagem é de solidariedade a todos os que lutam e ralam pelo esporte amador e paralímpico do RN (nessa categoria, apesar dos pesares, somos uma potencial nacional), conclamando a sociedade potiguar não só a dizer não ao fim da SEEL-RN, como também exigir que se repense o lugar do esporte na sociedade como uma potência transformadora, para melhor, de vidas. Precisamos menos de novos presídios, e de mais ginásios, quadras e praças, e isso não é supérfluo não. É um grande equívoco que se perpetue a ideia que esporte não é prioridade ou só importa para quem o pratica. Como já destaquei, é algo de suma importância para o desenvolvimento físico, social, afetivo e cognitivo de toda uma sociedade.

Cartão vermelho para esse governador sem visão, sem competência, sem sensibilidade. Tremenda bola fora, super gol contra, um ato contra o qual deveria haver algum impedimento, bloqueio, no mínimo, um “toco”, para usar forças de expressão de alguns dos mais populares esportes do país. Que resguarde o direito ao povo do RN de viver o esporte e o lazer como dimensões dignas, necessárias, enriquecedoras, da vida cotidiana. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, arte e por que não: esporte e lazer também

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