Giovanne Gabriel de Souza Gomes era um jovem de 18 anos que sonhava em ser MC. Ele morava no bairro Guarapes, Região Oeste, periferia da cidade de Natal/RN, de onde saiu de bicicleta na manhã do dia 5 de junho de 2020, em direção à casa de sua namorada, em Parnamirim (município vizinho a Natal). Após familiares constatarem que ele não havia chegado em seu destino, a angústia tomou conta dessas pessoas, até que, 9 dias depois, Gabriel foi encontrado morto, de mãos atadas e com um tiro na cabeça, no município de São José de Mipibu.
O caso gerou uma grande comoção popular nos dias seguintes, motivando inclusive a realização de protestos que clamavam por justiça. Algumas semanas após o início das investigações, um policial foi preso, sob a acusação de ter sido o responsável pela morte de Gabriel. Informações preliminares coletadas durante o inquérito dão conta de que o acusado teria assassinado Gabriel por tê-lo “confundido” com um suposto suspeito de cometer crimes violentos contra alguém de sua família.
Os traços que teriam motivado a dita “confusão” eram: cabelo, estatura e cor da pele. Gabriel era um jovem, de estatura e físico medianos, cabelos pretos com um corte tradicional. Gabriel era um jovem negro.
Coincidentemente, alguns dias antes das revelações trazidas pela investigação sobre o assassinato de Gabriel, foi amplamente compartilhada pelas redes sociais uma Sentença criminal onde a “raça” - assim mencionada de maneira expressa no julgamento - do acusado (um homem também negro) foi considerada um fator para a determinação da sua conduta social, que é um dos aspectos analisados no momento de estabelecer a pena. Ou seja, de algum modo, a cor da pele daquela pessoa que estava sendo julgada parece ter sido levada em conta para delimitar a própria pena a ser aplicada.
Eventos como esses aqui relatados mostram como o cotidiano das instituições brasileiras é o do escancaramento do nosso racismo estrutural, na medida em que pessoas negras são submetidas a julgamentos negativos e ao jugo da violência, real e simbólica, pelo simples fato de serem negras. Sem adentrar no próprio absurdo que é um agente do Estado usar de sua função para perseguir uma vingança privada por meio da violência desmedida, o que fica claro no caso Gabriel é que ele foi morto por ser um jovem negro.
Afinal, o Brasil é esse lugar onde um guarda-chuva pode ser confundido com um fuzil e um celular com uma pistola, a depender da cor da pele do sujeito que os carrega.
Aline Juliete
Advogada em Natal, especialista em Direito Administrativo pela UFRN, mestranda em Estudos Urbanos e Regionais pela UFRN, engajada nas lutas feminista, antirracista e pela educação. Pré-candidata a vereadora em Natal pelo PT