Castanhas, cajus e olhos
Natal, RN 26 de abr 2024

Castanhas, cajus e olhos

17 de outubro de 2020
Castanhas, cajus e olhos

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Conheço gente que não passa um dia sem consumí-las, afinal as suas propriedades curativas, reguladoras e energéticas são sabiamente utilizadas há alguns milênios.

Os gregos conservavam as suas oleaginosas no mel e depois de um tempo perceberam que juntos, o mel e as castanhas, se completavam em uma explosão de sabores – como nós. Os romanos já dispunham em seus banquetes do exagero, castanhas e frutas secas. Talvez daí venha a alusão de nosso consumo em refeições de festa.

As freiras da idade média foram as responsáveis por transformá-las em farinhas, e daí seguiram o seu curso natural para a confeitaria arcaica dos conventos, abadias e principados da Europa. Hoje esse percurso é traduzido nas mais diversas preparações doces de todo o mundo.

Na Turquia, a pasta de nozes acompanhadas com pistaches e depois envolvidas em massa folhada e banhada com xarope de flores ou mel fazem a baklava ou baklawa, sobremesa desenvolvida na cozinha do castelo de Maomé II, O conquistador, em meados do século XV. Aqui em Natal só tenho notícia de sua venda lá no Rachids, um escândalo gustativo em forma de sobremesa.

O amendoim, apesar de ser nativo dessas bandas de cá, tomou conta rapidamente do gosto do mundo devido os seus lipídios tonificantes. Nos EUA adquiriram espaço consolidado nas prateleiras em forma de pasta demasiadamente doce. Por aqui, pecamos pela paçoquinha. Porém o seu maior consumo é na China, onde também reside sua maior produção.

Os novos e famosinhos Macarron’s franceses, são feito basicamente de açúcar, ovo e farinha de amêndoas. Há uma infinidade de oleaginosas a se falar, das macadâmias às castanhas portuguesas, do pistache chileno aos pinoles italianos.

Fora de nosso país, o que conhecemos aqui como castanha-do-pará é intitulada castanha do Brasil ou da Amazônia, que também merece seu lugar ao sol.

Mas quero dar uma atenção especial para a nossa reivindicada castanha de caju. Eu sou suspeito, mas acredito que ela é a rainha das oleaginosas. Rainha não só pelo fato de ser uma nativa brasileira, assim como a do Pará, mas por seu sabor e textura que, dependendo de como se trabalha, poderá ter um sabor moderado, aveludado e contemplativo.

Aqui em “nós”, quem tem um cajueiro no quintal certamente também tem um local onde se seca a castanha ao sol por alguns dias antes de torrá-las. Você já viu uma torra de castanha? A beleza mora na simplicidade de consumí-las ainda quentes e super perfumadas, com seus óleos essências ebulindo pelo calor do breve fogaréu acendido em sua função. Sabores e cheiros levados à boca como uma espécie de dança, como a nossa.

Na matriz linguística tupi-guarani “acaiu” (caju) significa simplesmente “noz que se produz”. Em 1558, André Thevet fez o primeiro registro escrito sobre o caju achando que se tratava de ovo de pato (risos).

Ainda nesse período histórico a sanha por madeira quase acabou com os nossos cajueiros, precisando Mauricio de Nassau virar uma espécie de lobista dos doces e compotas do caju, levando-os para as mesas finas da Europa. Além de salvar o caju, essa atitude levou o mesmo para a África e Ásia. Esse último atualmente concentra a maior produção do mundo.

A título de informação o último levantamento feito pela FAO (Organização das Nações unidas para a Agricultura e Alimentação) data de 2006, e naquela altura a produção era de três milhões de toneladas anuais em uma área total de 54.570 km² plantadas.

A castanha de caju simplesmente torrada, com o ou sem sal, caramelizada e incrementada com gergelim por si só já são motivos de brilhar os olhos e salivar. Mas a nossa gigante gastronomia potiguar, tanto tradicional quanto contemporânea, sabe empregar muito bem essa sensualidade em forma de oleaginosa.

Espécie, fúba de gergelim, pé de moleque com suas castanhas partidas por cima, arroz com castanha de caju, farofa de castanhas, sorvetes de castanhas, o famoso dindin mossoroense de castanha e uma infinidade de sensações.

Como a ingestão de carne bovina tem sido sinônimo de ser sultão de Dubai, tenho me contentado com peixes, aves e suínos. Não só pelo preço, também pelo sabor e pelo fato de os bois estarem sendo bombeiros nos incêndios do pantanal.

Esses dias fiz uns medalhões de porco na manteiga da terra, temperados apenas com limão, sal e alho (porco não pede mais que isso). Uma bandeja desse corte, não custa mais que R$ 12,00. Vale salientar o cuidado em relação ao ponto da carne, pois se você deixar tempo demais, irá ficar muito seca. Não esqueça que proteína pede frigideira muito quente e nada de ficar virando direto, assa de um lado e do outro, e tchau!

Depois que o porquinho estiver pronto você vai besuntar as laterais com um molhinho de mostarda e mel, ou um bom barbecue - ou ainda uma geleia, depende de seu gosto, não se reprima - e passa na farinha da castanha (basta esquentar as castanhas e passar no liquidificador). Fica um mimo!

Castanhas são isso, aquelas sensações de veludo e seda que retornam com mais afinco à nossa vida. Esse espectro de cores dos finais de tarde da sacada do meu prédio, que insistem em entrar em simbiose com as cores acastanhadas dos seus olhos e de seus cachos.

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