Coentro
Natal, RN 25 de abr 2024

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11 de julho de 2020
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Se você não gosta de coentro responda com uma negação à pergunta “com verdura?”, feita pelas senhoras que vendem comida na Central de Abastecimento de Mossoró – COBAL. Lá em tudo se põe coentro, cortado a mão e na hora, em cima do prato, e quando eu falo tudo é tudo mesmo.

Na banca de Ceição, personagem recorrente nessa coluna, onde como há mais de uma década: buchada, panelada, cuscuz, galinha, carneiro e, pasmem, até no cachorro quente, vai meio mundo de coentro.

Imaginem Ceição, uma senhora de seus 70 anos que trabalha de domingo a domingo fazendo a melhor buchada do mundo, realizando a cozinha em um local meio inóspito, trazendo uma cajuína São Geraldo em garrafa de cerveja geladíssima e um pão francês aberto ao meio e empapuçado de carne moída e caldo, coberto de uma avalanche de coentro. Para mim uma cena de pura regência e maestria; para quem não curte muito o coentro, uma cena de horror.

Passei minha infância inteira me perguntando por que não existia salgadinhos com sabor “cebola e coentro”? Só existia com salsa. Foi uma fase dura para mim quando percebi que em boa parte do Brasil se usa como erva de cheiro a salsa, e não o coentro.

Não há necessidade de uma dicotomia entre o coentro e a salsa, não creio que sejam antagônicos. Particularmente gosto de ambos. Uso os dois: gosto de usar salsa em saladas frescas por me lembrar um pouco o limão, mas sim, prefiro o coentro por razões obvias.

Os nossos ancestrais não usavam muitos temperos em suas preparações. Muitas vezes nem mesmo o rei sal era empregado em seus moquéns, assados e mingaus. Essa coisa do “temperar” é uma herança dos portugueses, hábito esse que ficou mais forte depois das aventuras de subtração do oriente por parte dos europeus.

Como éramos entreposto entre a Índia e o velho mundo, em troca de mantimentos e reabastecimento, as especiarias fizeram festa por aqui também, o que despertou o interesse de nossa cozinha por substitutivos por “cousas da terra”.

Por essas bandas apareceu um “coentro da terra”, nhambi (Eryngium foetidum), que era usado na ausência do coentro comum. Essa erva também advinha de Portugal e em algum momento saiu dos cultivos para se tornar planta da terra, coentro bravo ou coentro de pasto

Mas, como bem explanou Câmara Cascudo, não fazia sentido o coentro da terra ser de fato nativo, tendo em vista que as pimentas, essas sim nativas da américa, já cumpriam o papel de imprimir sabor nos alimentos indígenas.

Vale salientar que a origem do coentro (Coriandrum sativum) é desconhecida. Já era usado pelos gregos, romanos, indianos e egípcios, tanto como tempero como também, para os últimos, no embalsamento de seus mortos.

Já sua força na cozinha brasileira é originaria da influência da alimentação do Alentejo, que até hoje conserva seu uso cotidiano no fogão, mas não passa daí. As outras regiões não absorveram tão bem nos tempos modernos o emprego do mesmo.

Do coentro, só não tenho notícias do uso de suas raízes, do resto tudo se aproveita. A semente combina muito bem com conservas, um ótimo paralelo da semente da mostarda. As folhas em minha opinião cabem em tudo, até no cachorro quente de Ceição.

Uma fábrica de Gin brasileira, que produz o fantástico e perfumado Gin Amazônico, coloca as sementes de coentro no mosto que resulta no destilado mais sexy dos últimos tempos.

As flores são perfeitas para decoração de pratos, são lindíssimas e com um sabor que lembra um tocar de mãos em um domingo de manhã.

Já os talos são os humilhados dos parques. Com o tempo deixaram de ser colocados no feijão, e foram parar no saquinho de lixo da pia, um erro gritante e grotesco. Ali mora o sabor verdadeiro do coentro, quase sádico tamanho sua força, incrivelmente poderoso.

Na minha cozinha, evito jogar qualquer coisa fora, quando não houver mais o que fazer, faça um fundo, se não existir essa possibilidade, coloque ao menos os restos para virar alimento de alguma vida.

O pesto é um molho italiano a base de alho, pinoles, manjericão, azeite e queijo pecorino. Mas cozinha é releitura, adaptação, resistência, e isso pode ser duplamente saboroso.

Eu sempre faço um pesto de “nós” usando alho, castanha de caju, talos de coentro, azeite e queijo de coalho duro ralado bem fininho. Põe isso tudo em um processador e aquela pasta verde e forte, será o acompanhante de luxo de uma massa. Combina muito bem também com camarão ou antepasti.

Há um episódio sobre coentro no poadcast Refogado, disponível nas plataformas de streaming, onde Caio San fala com propriedade de algumas curiosidades, recomendo.

Coentro para mim é um sorriso de Ceição ao me ver sentando em sua bancada para me empaturrar de comida. Coentro tem cheiro de casa, tem gosto da benção que peço a vovoinha depois do almoço.

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