Cortes do governo Bolsonaro na educação revelam seu ódio ao pobre
Natal, RN 29 de mar 2024

Cortes do governo Bolsonaro na educação revelam seu ódio ao pobre

8 de maio de 2019
Cortes do governo Bolsonaro na educação revelam seu ódio ao pobre

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À Bahia

“Tristes sucessos, casos lastimosos,

Desgraças nunca vistas nem faladas,

São, ó Bahia! Vésperas choradas

De outros que estão por vir mais estranhosos.

Sentimo-nos confusos e teimosos,

Pois não damos remédios às já passadas,

Nem prevemos tampouco as esperadas,

Como que estamos delas desejosos.

Levou-vos o dinheiro a má fortuna,

Ficamos sem tostão, real nem branca,

Macutas, correão, novelos, molhos.

Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,

E é que, quem o dinheiro nos arranca,

Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.”

Gregório de Matos Guerra

Estupefação. Incredulidade. Por mais que alguém habituado a ler – os livros e a conjuntura, por mais versado que seja nas análises políticas e calejado nas dificuldades da vida, tenha desconfiado ou afirmado que esse governo não iria dar certo, ainda assim, o tamanho dos disparates provoca sempre aquela pergunta ingênua: “a gente chegou a isso mesmo?”.

A sensação em nosso país é a de estarmos presos em algum mundo invertido e distópico, impossível de vivenciá-lo no plano da realidade.

O peso se torna ainda maior, quando, ao passear pela literatura, que nos separa em 4 séculos, vemos os pontos de contato tão próximos, tão tangíveis! Leio o poema do velho Boca do Inferno, no século XVII, falando à capital colonial – Bahia – e vejo-o mandando recado ao nosso Brasil de hoje.

“Quem o dinheiro nos arranca, nos arrancam as mãos, a língua, os olhos”. E nos arrancaram o dinheiro das universidades públicas, dos Institutos Federais, da educação básica. Tentam nos surrupiar a previdência. Buscam jogar o povo brasileiro na indigência.

O século XVII dialoga com o Brasil do século XXI. E isso é angustiante! Gregório fala à Bahia, mas o que era a Bahia? Certamente que não eram os negros escravos ou os pobres trabalhadores. Embora use de um sujeito indeterminado, a verve de Gregório de Matos tinha endereço certo: os mercadores, pilhadores das riquezas da colônia, apoiados pelos senhores nobres, exploradores do trabalho escravo. E é aqui que se dá o ponto de contato. Essa casta que se fez por cima da exploração do trabalho do outro, que cultivou o quanto pôde o cativo (“Existe um povo que a bandeira empresta/ P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...” – denunciou Castro Alves) e nunca deu o braço a torcer para abrir mão de privilégios em favor da superação das desigualdades. Não deu o braço a torcer e não bastou cultivar o cativo, cultivou o sentimento mais mesquinho que atravessou os séculos e impediu nosso processo civilizatório: o desprezo ao pobre, ao/à negro/a, ao indígena, à mulher, aos LGBTs; o desprezo a tudo que soa popular, que cheira a povo. Junto a isso, o apreço ao crescimento pessoal às custas da exploração do trabalho do outro andou de mãos dadas ao sentimento de superioridade típico de uma casta abastada que olha para a nação e vê a sua propriedade.

O staff governamental do Brasil de hoje é a síntese dessa elite colonial. Sua cruzada medieval contra a educação, contra a ciência e a cultura, contra professores é o retrato desse ego mesquinho que vê no investimento público o desperdício daquilo que compreende ser de seu pequeno grupo aquinhoado. É o retrato da elite que, também no século XIX, Machado de Assis retratou como superficial, soberba, exploradora, improdutiva, e Lima Barreto, no iniciozinho do XX, pintou como burra, sugadora do patrimônio público, vulgar, preconceituosa.

A sanha do governo Bolsonaro ao cortar os recursos da educação é reveladora desse caráter e dessa postura. Ignorante sobre a realidade do país, também pouco lhe importa saber dela. Que se arranquem as mãos, a língua, os olhos para que o projeto de pilhagem do patrimônio nacional, a começar pela educação, renda os lucros esperados com as negociatas com o capital financeiro.

O resultado disso será o aumento das desigualdades, o buraco cavado à profundidade máxima e no qual os pobres do país sejam jogados, sem chances de segurarem a corda para sair dele.

Mas até se chegar à borda do buraco, há estudantes e professores no meio do caminho. Com mãos, com língua, com olhos.

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