Das tatuagens que carrego…
Natal, RN 23 de abr 2024

Das tatuagens que carrego...

11 de fevereiro de 2020
Das tatuagens que carrego...

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Quando aos 27 ou 28 anos decidi concretizar o sonho de ter asas, quis acreditar que, como a música, aquela tatuagem era pra me "dar coragem, pra seguir viagem, quando a noite vem", embora eu mesma não fizesse ideia do peso que passaria a carregar, com essa escolha de desenho.

Na verdade, nunca havia pensado no significado. Eu só sempre quis ter asas nas costas. E mesmo com quase 30 anos de idade, não estava preparada para todos os tipos de reações que recebi, e os consequentes impactos daquela atitude na minha vida.

"Você acabou com suas costas. Agora elas não servem mais pra nada", disse minha mãe ao descobrir minhas asas, poucos dias depois de terminada a arte, me fazendo imaginar para que serviam mesmo as costas, antes das asas.

Já minha filha, com um ano e meio, achava que também tinha criado asas, e frequentemente, quando eu mostrava as minhas, ela virava com uma carinha marota, apontando as dela e falando "óia zaza". Na escola dela, inventei que a tatuagem veio num chiclete enorme, o que causava perplexidade nas colegas e logo me tornou famosa naquela turminha.

Nunca tive que me preocupar tanto em cobri-las, porque por mais que quisesse expor, minhas roupas quase sempre as guardavam no lugarzinho delas, porque não fazem tantas vestimentas adaptadas assim às asas. E até hoje é raro, portanto, colocar as asinhas de fora.

Certo era que não tinha a menor pretensão de ser anjo, e, apesar disso, a tatuagem me proibia, de certo modo, de fazer coisas erradas. Não para atender ao imaginário popular, mas sim porque seria facilmente reconhecida.

Tive que sobreviver bravamente, também, às tirações de onda com o desenho, como: "são asas da galinha?" - comentou uma despeitada moça, curiosamente no mesmo instante em que seu namorado olhava minha tatuagem....Em seguida, alguém que me viu aguardando o sinal para atravessar a rua questionou: "porque não atravessa voando?" - ao que respondi que voar baixo era mais seguro.

E nesses mais de dez anos, aquela tatuagem foi ganhando significados diversos, a partir das diferentes reações e outros tantos acontecimentos. O significado mais marcante, sem dúvida, é o fato de que quem viabilizou essa ideia, quem me deu asas realmente, foi minha saudosa amiga Janaína, que foi fundamental no momento em que todos os astros, os búzios, as conchas, conspiraram para eu conseguir concretizar o desejo de criar asas.

Ela indicou a artista, ajudou a criar e acompanhou o nascimento delas e, alguns anos depois, com apenas 30 anos de idade, transformou-se em eternidade no meu corpo e na minha alma, sendo as asas agora uma maravilhosa parte de Janaína em mim...

E mais recentemente, quando minha filha completou dezesseis, nasceu nela o argumento fatal para me convencer a deixar que rabiscasse em definitivo o próprio corpo. O desenho, dessa vez, era uma onda do mar. Não só por se chamar Marina, mas também por isso. Minha filha queria gravar em si a lembrança do avô, meu pai.

Ele, que nos deixou um legado maior do que se pode imaginar, como marca do seu encantamento, e que em 31 de janeiro de 2020 completou seis anos de saudades.

Ele, que teve concretizado o desejo de ser cremado e as cinzas jogadas ao mar por um navio da Marinha, comandante que foi de seu destino final.

Ele, que revelou que assim queria para que, quando entrássemos no mar, nos sentíssemos abraçados por ele.

Marina quis trazer em si, e me convenceu também a fazê-lo, esse abraço eterno, para nos lembrar de onde viemos, e para onde vamos...

Porque um dia, eu também quero ser misturada ao mar, para ter esse poder de abraçar a todos que me são caros....

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