De monopólio em monopólio, assim nos comunicamos
Natal, RN 24 de abr 2024

De monopólio em monopólio, assim nos comunicamos

14 de maio de 2018
De monopólio em monopólio, assim nos comunicamos

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Você deve ter ficado sabendo do caso do (mal) uso dos dados do facebook pela empresa Cambridge Analytica. Tudo bem. Mesmo com os alertas de Edward Snowden, poucos de nós nos preocupamos com o tema da privacidade na internet, especialmente pela cobertura pouco crítica e nada esclarecedora da mídia brasileira em temas de tecnologia.

A coleta e o processamento de petabytes de dados pessoais pelos gigantes da tecnologia, parece não preocupar os milhões de usuários que, a todo momento e sem pensar muito, curtem, compartilham, tuitam e retuitam seu cotidiano. Só que nas últimas semanas, o alerta amarelo foi ativado no smartphone de Mark Zuckerberg, que teve que comparecer à câmara e ao senado estadunidense, além de enviar representante ao parlamento britânico para prestar contas ao Estado pela primeira vez.

É também a primeira vez que se fala em regulamentação das redes sociais de forma mais ampla nos Estados Unidos, já que a Europa vem criando legislações que protegem os dados pessoais armazenados por essas empresas, além de cobrar impostos sobre as receitas geradas com as nossas informações.

E provavelmente, você não viu nada disso na TV, nem leu manchetes nos jornais, revistas e portais da internet.

É que cada vez que se fala em “regulamentação”, o monopólio midiático se une para censurar um debate, que vem sendo adiado há trinta anos, desde que a Assembleia Nacional Constituinte aprovou o capítulo da comunicação social da Constituição Federal de 1988 – a regulamentação dos meios de comunicação. O ex-presidente Lula até ensaiou tocar no assunto, mas logo cedeu à pressão orquestrada pela grande imprensa.

Para se ter uma ideia da necessidade da regulamentação, enquanto Natal se prepara para desligar o sinal de TV analógica e as emissoras de AM já começaram a migrar para o sinal de FM, a lei que rege o setor continua sendo o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 – quando as transmissões de televisão ainda eram em preto e branco.

Olhando para o seu celular 4G conectado no wifi de alta velocidade da sua casa, ouvindo música ou vendo filme por streaming, pode parecer besteira começar a falar em regulamentação de rádio e televisão agora. Por isso, é importante lembrar que 40% da população mundial simplesmente não tem qualquer acesso à internet. Aqui no Brasil, 90% dos lares não têm internet fixa – que garante mais qualidade da conexão e que permite acesso a conteúdos interativos e audiovisuais. Entre a população mais pobre no Brasil, quase 60% não tem qualquer acesso à internet – nem mesmo pelo celular pré-pago.

O rádio e a televisão – ou o oligopólio que os controlam aqui no Brasil – seguem sendo capazes de agendar o cenário midiático do país. E por mais conectada que seja sua bolha, você provavelmente vai falar sobre a matéria do Fantástico deste domingo ou sobre o crime chocante que os programas policiais te mostraram na hora do almoço. E talvez você nem note a falta que a regulamentação faz na sua vida.

Nossos sentidos já foram colonizados na estética homogeneizadora e autoritária imposta pelos meios de comunicação, já não podemos aceitar sotaques muito “carregados” no rádio e na televisão, nem podemos admitir a diversidade política no noticiário de cada dia. Aprendemos pela televisão que aposentados são vagabundos, que militantes sem terras são invasores de propriedades e que toda a corrupção do Brasil foi inventada a partir de 2003. Não adianta mudar de canal, ou espernear, nem postar a treta nas redes sociais, a história será sempre contada sob a ótica da elite dominante, controladora do oligopólio midiático nacional.

Tudo bem, parte da história será contada por iniciativas alternativas de comunicação, como as rádios comunitárias, os coletivos de comunicadores e de produtores audiovisuais em contextos locais ou potencializados pela internet. Mas não chegaremos aos 98% dos lares que possuem televisão sem a democratização da mídia e o reconhecimento de um direito que, muitos de nós, nem sabe que existe: o direito humano à comunicação.

Basicamente, o conceito reúne o direito à informação – que prevê que tenhamos garantidas fontes plurais, diversas e suficientes de informações para conquistar a plena cidadania – com a liberdade de expressão – o direito de compartilhar o que pensa e de convencer alguém a concordar com suas ideias. Em pleno século 21, a efetivação desses direitos só poderá ser alcançada com um sistema midiático efetivamente democrático.

O problema é que não vivemos tempos propícios para democratizações. E há sempre o risco de trocarmos um monopólio por outro, digital e muito mais poderoso.

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