A LGBTfobia, o racismo e o machismo estiveram no foco da mesa de abertura do I Congresso Nacional dos Policiais Antifascismo, que acontece em Recife (PE) até a próxima terça-feira (28). A agência Saiba Mais está cobrindo o evento.
O soldado da Polícia Militar do Rio Grande do Norte João Maria Figueiredo, assassinado em dezembro de 2018 em Natal (RN), foi lembrado e homenageado pelos debatedores. Figueiredo era membro dos policiais Antifascismo e fundador do movimento no RN.
O debate “Sistema criminal e segurança pública frente às opressões e ataques aos direitos” contou com uma mesa bastante representativa. Experiências pessoais foram relatadas pelos três convidados e enriqueceram as discussões.
O agente da polícia rodoviária federal de Goiás Fabrício Rosa é homossexual e um dos coordenadores da rede nacional de operadores de segurança pública LGBT.
Ele foi expulso de casa aos 18 anos em razão da orientação homossexual e conheceu a Polícia Militar no momento em que procurava uma casa para morar. Hoje, Rosa milita para salvar vidas de crianças e adolescentes LGBTs em projetos sociais em Goiás.
- Hoje eu não falo com uma parte da minha família porque eles acham que eu devo me silenciar sobre minha sexualidade. E para mim o processo de naturalização da sexualidade é fundamental”, disse.
Ele defendeu uma segurança pública inclusiva para minorias sociais e destacou o compromisso ético que os policiais progressistas tem com a dor do outro:
- Temos que oferecer segurança pública inclusiva para LGBTs, mulheres, pessoas com deficiência, imigrantes... os editais da Polícia Militar institui uma cláusula de barreira inconstitucional quando abre 90% das vagas para homens e apenas 10% ou até 5% apenas para mulheres. Nós, policiais antifascismo, temos o compromisso ético com a dor do outro. Há um compromisso ético de lutar contra essas opressões”, disse.
Ex-policial militar, Rosa citou passagens na antiga instituição em que se via oprimido pelo próprio Estado:
- O que mais me doía era ter que pedir autorização para me expressar”, afirmou.
Guarda Municipal em Canoas (RS), Luciana Rocha reforçou a dificuldade de ser mulher nas instituições de Segurança Pública e criticou o fato dos homens entenderem que os espaços ocupados pelas mulheres serem uma espécie de concessão.
- Os homens sentem que só podemos ocupar espaço por concessão, uma permissão. Mas a mulher não volta mais para a cozinha. Habituem-se com isso”, destacou.
Ela comentou que conheceu o movimento dos Policiais Antifascismo porque se sentiu acolhida pelos agentes:
- Me aproximei do movimento porque vi a oportunidade de acolhimento. E estamos aqui neste movimento para acolher mais mulheres. As mulheres precisam perder o medo de serem feministas, precisamos derrubar e superar essa opressão. Porque nós atendemos muito bem a população”, afirmou.
“A população negra é alvo do Estado”
Investigador da Polícia Civil da Bahia, Kléber Rosa destacou o racismo histórico e estrutural do Estado brasileiro, refletido nas corporações de segurança pública. Para ele, o movimento de Policiais Antifascismo não pode fugir do debate sobre extermínio da população negra, sob pena de se tornar corporativista:
- O massacre da população negra foi planejado pelo Estado. Dentro do novo modelo de nação pensado lá atrás não cabia a população negra. O Estado planejou nossa inexistência. E no campo físico, quem opera essa inexistência é a segurança pública. Me tornar policial exigiu de mim um nível de angustia muito grande. Não foi fácil aceitar a ideia de que sou policial. Meus primeiros anos na policia eram de total negação, até na maneira de me vestir. É uma dicotomia difícil de lidar.
Rosa citou também a eugenia como método de extermínio da população negra brasileira:
- A população negra é vista como alvo, há uma política seletiva. Isso é consequência de um processo histórico de controle da população negra”, destacou.
Para o policial baiano, o pacote anticrime encaminhado ao Congresso pelo ministro da Justiça Sérgio Moro é uma tentativa de dar proteção e ampliar a ação contra a população negra.
- Esse pacote facilita o acesso às armas e traz o elemento da legítima defesa que não está restrito ao agente da segurança pública, mas estende a qualquer cidadão brasileiro. Ou seja, é um recado, não basta a polícia, matar preto tem que ser naturalizado para a sociedade inteira.