Divaneide Basílio: a nova vereadora do PT em 2019 é negra, cristã e da periferia
Natal, RN 29 de mar 2024

Divaneide Basílio: a nova vereadora do PT em 2019 é negra, cristã e da periferia

5 de novembro de 2018
Divaneide Basílio: a nova vereadora do PT em 2019 é negra, cristã e da periferia

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

A Câmara Municipal de Natal está prestes a receber uma vereadora negra, militante da juventude, cristã e, em breve, doutora. Em 2019, a socióloga Divaneide Basílio substituirá a vereadora Natália Bonavides, eleita deputada federal. Diva, como também é conhecida, recebeu 2.236 votos em 2016 e ficou na primeira suplência do Partido dos Trabalhadores, do qual é secretária estadual de mulheres.

O desejo da futura vereadora é construir um mandato participativo, com caráter fiscalizador e muitas proposições.

Filha de trabalhadores rurais, nascida no município de Pedro Avelino, mudou-se para Natal aos quatro anos de idade. Na capital, o pai virou operário – "um caminho comum a quem sai do sertão", diz ela.

Aos sete se mudou para o conjunto Santa Catarina, onde vive até hoje, na mesma casa que a viu crescer. Agora, com companheiro Luciano e os filhos, mas preservando costumes antigos como o de colocar cadeiras na calçada para conversar com a família e a vizinhança.

Maternidade

Para Divaneide, cada um dos quatro filhos trouxe uma nova bandeira de luta a sua vida. Primeiro foi mãe solo de Gabi, hoje com nove anos e adotada pelo companheiro Luciano. A segunda filha, Maria Rita, faleceu durante o parto. O terceiro é José, adotado pelo casal e que levou Divaneide a conhecer melhor e colaborar com o projeto Acalanto. E o caçula, Mateus, tem síndrome de down.

Além disso, a gravidez de Mateus foi de alto risco devido à trombofilia, acarretada pela anemia falciforme, que é própria da comunidade negra.

“Minhas lutas sempre existiram, mas é lógico que a chegada do meu filho me ensinou muito mais, me trouxe muito mais pra perto de outras minorias que eu conhecia, mas não sabia exatamente o que acontece, o que as mães passam. A gente está numa maratona de descobertas, estímulos, emoções”.

Trajetória política

A trajetória política de Divaneide Basílio começou quando era criança, nos movimentos culturais e comunitários do bairro Santa Catarina e da Igreja Católica na Paróquia Santa Maria Mãe, zona Norte de Natal.

Diva tem 40 anos e está no PT há 22, em uma trajetória que descreve como sendo de “diálogo e posicionamento”. Ela diz que começou a entender como a sociedade se divide de forma desigual ainda menina, participando de grupos da igreja que têm viés espiritual, mas também político. Lá aprendeu ainda a assumir liderança e a se comunicar melhor.

Ao se filiar no partido, participou de uma escola de formação de liderança juvenil no México, representando tanto o PT e como a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP). Na volta, circulou o Nordeste junto com Rildo Veras em um movimento de articulação que originou a Rede de Jovens do Nordeste.

Nessa Rede teve a oportunidade de promover campanhas de políticas públicas para a juventude, que envolveram principalmente primeiro emprego, protagonismo juvenil e acesso à educação.

“A gente queria falar de protagonismo coletivo, da história de luta da juventude. Retomar o que foi a juventude no passado, que era muito ligada a movimentos estudantis, e dizer que tínhamos novas bandeiras, como a juventude rural. Não se discutia muito o ser jovem”, explicou como o assunto se tornou tema de sua própria identidade, militância e estudo, desde a monografia de sua graduação em Ciências Sociais até a tese que conclui no final de 2018 para o doutorado, que aborda também gênero e comunidade rural.

Foto: Vlademir Alexandre

Naquela época, em paralelo à Rede, começou a atuar na Escola de Formação dos Quilombos dos Palmares, de onde hoje é sócia. Trata-se de uma ONG que busca fortalecer os movimentos sociais da região Nordeste.

“Esse processo formativo foi e é muito importante pra mim. E é o que nos forjou na luta”, ressalta, ao lembrar de um encontro com o padre Sabino Gentille, em que ele falou sobre trabalhar por uma sociedade mais justa.

“Perguntaram no final de uma dessas rodas de formação qual seria a oração para encerramento do encontro e ele disse ‘nós já passamos o dia em oração’. Aí a gente se tocou que aquele pensar a ação social era de fato a materialização da nossa ação de fé, que só tem sentido com o gesto concreto. E isso segue conosco até hoje”.

Entrou no Conselho Nacional de Juventude e participou, em 1999, da Conferência das Nações Unidas. Com feministas de todo o país, participou do Fórum do Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas, apelidado de Forito e ligado à Fundação Friedrich Ebert.

Em um projeto coletivo de candidaturas jovens, foi lançada candidata a vereadora em Natal, em 2004, tendo recebido pouco mais de 1.500 votos. Algumas contemporâneas do Forito são a vereadora belo-horizontina eleita deputada federal Áurea Corlina (PSOL) e Severine Macedo, que foi secretária nacional da Juventude do Governo Lula. Nessa época, Divaneide chegou a ser chefe de gabinete da Secretaria, em Brasília, onde viveu de 2008 a 2012 e também foi consultora nacional para a juventude do Ministério de Desenvolvimento Agrário.

Durante esse período, importantes decisões foram tomadas no setor, como a incorporação do Projovem Urbano ao Ministério da Educação. “Não era sempre que as direções das escolas abriam à noite para o programa. Ele ficava um pouco à margem ainda e fizemos a transição dele para o MEC, foi muito importante, porque ele passou a contar no censo escolar”, disse, lembrando que criaram também programas de incentivo como Estação Juventude, Juventude Viva.

De volta a Natal, em 2012, coordenou a também jovem candidatura de Raoni Fernandes a vereador, atual presidente do PT Natal.

Em 2015 foi secretária estadual de Juventude do governo Robinson Faria, quando criou o Conselho Estadual de Juventude e realizou eventos como semana estadual, uma conferência estadual bem estruturada, acampamento em parceria com outros órgãos. Além disso, a gestão aprovou no estado o Programa Estação Juventude, que oferece serviços para promover a inclusão e emancipação dos jovens, mas após sua saída o governo não licitou e devolveu a verba. Divaneide critica: “a secretaria não tinha dinheiro. Conseguimos dinheiro e devolveram!”.

“A juventude morre na periferia porque não tem alternativa. Não dá pra imaginar a pessoa que vive em um lugar que não tem luz, transporte, que o direito ao território é de ficar lá isolado, não de circular. Vide os rolezinhos: a pessoa não pode entrar em um espaço público, não pode entrar em um shopping. É um apartheid social”, explica, contando que sabe do que se trata porque é também das periferias.

De acordo com Divaneide, a candidatura de 2016 não lhe renderá apenas o cargo. Os grupos virtuais temáticos formados para discutir pautas para a cidade continuam ativos até hoje e é como pretende construir o seu mandato, com participação popular e ouvindo novos segmentos, além do partido.

“A gente traz uma identidade coletiva. Temos compromisso em enfrentar intolerância religiosa e LGBTfobia”, cita ainda questões relacionadas à defesa de servidores públicos, a política de drogas, saúde mental, proteção aos animais, além de, claro, mulheres e juventude.

Feminismo

“Vamos continuar defendendo a pauta das mulheres de modo geral, mas precisamos entender que no debate das mulheres tem que ter um debate interseccional de mulheres, raça e classe. A preta de periferia e a que está em situação de rua tem uma realidade diferente das demais”, alerta.

Divaneide participou da terceira onda feminista, na década de 1990, que começou a abordar a condição feminina considerando a diversidade de etnias, origens culturais, religiões. O eixo norteador era “Onde encontro o meu feminismo?”.

De acordo com a futura vereadora, a terceira onda está se consolidando na quarta e entra em novos feminismos, como o ciberfeminismo. “Ali a gente tava falando das jovens feministas que lutaram pela institucionalidade. A gente foi acumulando questões e agora volta para o privado na quarta onda, com o direito de ir pra rua e o de voltar pra casa”, contextualiza, e acompanhada do bebê recém-nascido Mateus, pede reflexão sobre quais suportes as instituições dão às mães para ocuparem espaços na sociedade, em qualquer que seja ele, inclusive nas Câmaras.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.