Do status à insegurança: o que mudou na carreira dos funcionários do Banco do Brasil
Natal, RN 28 de mar 2024

Do status à insegurança: o que mudou na carreira dos funcionários do Banco do Brasil

2 de agosto de 2021
Do status à insegurança: o que mudou na carreira dos funcionários do Banco do Brasil

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“Dizia-se, e era verdade, que numa cidade do interior quem tinha mais poder eram o padre, o prefeito e o gerente do Banco do Brasil”, lembra o diretor do Sindicato dos Bancários no Rio Grande do Norte Juvêncio Hemetério, que ingressou na instituição em janeiro de 1983. Bons salários, gratificações, benefícios diversos, previdência complementar, plano de carreira e status atraíam jovens de todo o país para o trabalho.

Quase quarenta anos depois, o cenário para os empregados públicos da empresa de economia mista é bem diferente. Passaram a fazer parte da rotina de trabalho também pressão por cumprimento de metas, “perda” salarial e transferências indesejadas.

Em 2021, o Banco do Brasil vai realizar um novo concurso público. Para Rio Grande do Norte são oferecidas apenas 12 vagas imediatas e 6 para cadastro reserva. Apesar da seleção reduzida, o lançamento do edital surpreendeu os funcionários, já que também neste ano houve abertura de dois programas de demissão voluntária – para desligamento de 5,5 mil funcionários – e o fechamento de 361 unidades (112 agências, 7 escritórios e 242 postos de atendimento).

Outras 243 agências foram convertidas em postos de atendimento e oito postos de atendimento, transformados em agências. E ainda 145 unidades de negócios foram transformadas em lojas Banco do Brasil, sem guichês de caixas.

No estado, três agências foram fechadas e uma foi convertida em ponto de atendimento. Com isso, o banco avaliou que havia 68 trabalhadores excedentes e, após desligamento de alguns, restam ainda 32.

“Os funcionários podiam aderir a plano de aposentadoria, demissão ou transferência para Centro-Oeste ou interior da Bahia. Caso contrário, seria transferido compulsoriamente para o lugar que o banco queria. Diziam que tinha mais funcionários que serviço. Pode um negócio desse, se quando você chega a um banco as filas são enormes por falta de pessoal?”, questiona Juvêncio, dizendo que isso gerou caos entre aqueles que estavam sendo afetados e classifica o fato de ser feito concurso nesse contexto como “pilantragem”.

“As pessoas têm filhos, não podem sair de uma hora pra outra, ganham pouco e não têm dinheiro pra se mudar e pagar aluguel. Com a aposentadoria, sai perdendo. Ainda mais com os ataques do governo Bolsonaro à Previdência... Caos. Isso desestruturou muitas famílias, fora outros que se aposentaram ganhando a metade. O que nós entendemos é que tem um objetivo claro: criar caos entre os funcionários e reduzir custos”.

Concurso público e vantagens

Em todo o país, são 4.480 vagas disponíveis para os cargos de Agente de Tecnologia e Agente Comercial. Metade delas são para cadastro reserva. Do total, 5% das vagas são reservados para pessoas com deficiência e 20% para candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos.

Para se candidatar, é preciso ter certificado de conclusão ou diploma de curso de nível médio, e idade mínima de 18 anos completos, até a data da contratação. A remuneração inicial é de R$ 3.022,37, para jornada de 30 horas semanais. A empresa oferece ajuda alimentação/refeição de R$ 831,16 por mês e, cumulativamente, concede cesta alimentação no valor mensal de R$ 654,87.

Fator que ainda atrai muitos concurseiros é a possibilidade de ascensão e desenvolvimento profissional; participação nos lucros ou resultados; vale-transporte; auxílio-creche; auxílio a filho com deficiência; e previdência complementar.

Os funcionários do BB possuem também acesso à Universidade Corporativa Banco do Brasil (UniBB) e a empresa promete oferecer bolsas de idiomas, incentivos para graduação, pós-graduação lato sensu, mestrado e doutorado, oportunidades de mentoria, compartilhamento de experiências e hackathons.

Apesar disso, o BB é cada vez mais diferente para quem chega. Até mesmo a inclusão desses novos funcionários no plano de saúde da empresa, a Cassi, foi questionada. Somente em 23 de julho, a Agência Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb) confirmou que eles terão ainda esse direito. Mas a assistência à saúde não consta no edital da seleção e isso tem implicações práticas.

Com a não inclusão do acesso ao plano de saúde no edital, o Banco está se submetendo à resolução CGPAR – (Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União), publicada em janeiro de 2018, de acordo com o qual “os editais de processos seletivos para admissão de empregados das empresas estatais federais não deverão prever o oferecimento de benefícios de assistência à saúde”.

Assim, esses funcionários não terão mais direito ao subsídio da Cassi após a aposentadoria, na terceira idade, quando o trabalhador mais precisa.

Antes e depois da política neoliberal de FHC

A década de 1990, atravessada pelos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi um divisor de águas para a carreira no Banco do Brasil. O representante do PSDB adotou a política neoliberal prometida pelo antecessor Fernando Collor. A base da campanha do impeachmado era a “moralidade pública” e a redução de salários dos servidores públicos, onde incluía os empregados do BB, apelidados de “marajás”.

Mais tarde, o presidente Lula lembrou do fato. "Ninguém nunca mais chamou vocês de marajás. Vocês nunca viram ninguém do governo descarregar em funcionário do Banco do Brasil discurso de que ele ganha bem", comentou em visita à sede do Banco do Brasil, em Brasília, em 2006, ressaltando que bons funcionários precisam ser bem pagos.

“Tínhamos muitos direitos. Essa era uma realidade até os anos de Fernando Henrique Cardoso. De 1995 a 98, o banco começou a fazer os PDVs, os planos de demissão voluntária. Muita gente saiu do banco”, conta Juvêncio Hemetério, ao destacar que foi nessa época que o perfil da instituição se tornou mais comercial.

Produtos, títulos de capitalização, previdência privada, taxa por retirada de extrato. O Banco do Brasil que ajudava a promover o desenvolvimento do país foi sendo reduzido e substituído pelo banco comercial/ de mercado, de acordo com Hemetério.

“Isso prejudicou a carreira dos funcionários, porque FHC queria retirar direitos, o anuênio, a licença prêmio e outras vantagens. Fizemos mobilizações e ele não conseguiu retirar, mas criou uma nova modalidade de funcionário. Aqueles que entrassem a partir de 1998 não teriam as vantagens e direitos dos antigos”, lamenta.

Bancários-vendedores, encolhimento do quadro e aumento dos lucros

“Aquele perfil do atendimento mais reativo, de resolver pepinos, quando chega o cliente com a senha bloqueada... esse perfil continua existindo, mas o banco direciona o funcionário para uma estratégia mais negocial”, conta o gerente, segundo o qual se o funcionário tem o perfil negocial e segue à risca o que o banco permite, ele vai se dar bem e com o passar dos anos vai conseguindo subir na hierarquia.

O escriturário pode passar a assistente, depois a gerente de contas, assessor de superintendência, gerente geral de agência, outro cargo dentro de superintendência estadual, regional.

Para Juvêncio, a reestruturação produtiva transformou os funcionários não em bancários, mas sim em vendedores, com o agravante de ter reduzido a equipe pela metade, aumentando os lucros da instituição cada vez mais.

No início de 1990, o Banco possuía mais de 120 mil empregos, em setembro de 2020, de acordo com último balanço de resultados, tinha 92.106 funcionários, que em março de 2021, se transformaram em 87.876. A maioria é de homens, 50.676, além de 37.200 mulheres.

O Norte é a região com menor número de bancários, apenas 3.829. O Nordeste tem 14.477; o Centro-Oeste, 16.214; no Sudeste, a maior quantidade de pessoas, com 37.868, e no Sul, 15.472.

O encolhimento não se relaciona com a saúde financeira da instituição. O Banco do Brasil não tem prejuízos. Ao contrário, a instituição teve no primeiro trimestre de 2021 lucro líquido recorrente acima do esperado, tendo subido para 4,9 bilhões de reais. A alta foi de 44,7% sobre um ano antes e acima da média de estimativas do mercado, de 4,04 bilhões de reais, segundo dados da Refinitiv.

De acordo com o Dieese, antes de 2020, os resultados financeiros dos maiores bancos do país atingiram níveis históricos e recordes consecutivos. Em 2020, o setor teve queda em relação a 2019 e o resultado se deve a fatores contábeis, com o maior provisionamento, conforme demonstrado.

“No entanto, outros fatores também influenciaram na queda dos lucros dos bancos, tais como o câmbio desvalorizado, que afetou algumas receitas e despesas da intermediação (receitas com derivativos, as próprias receitas de câmbio e as despesas com empréstimos e repasses), e a redução das exigências de depósitos compulsórios por parte do BC, para incentivar novos empréstimos, levando a queda nas receitas das aplicações compulsórias”, diz relatório.

Em 2020, o lucro líquido do Banco do Brasil foi de R$ 13,9 bilhões.

A instituição alega que as ações de reestruturação têm “o objetivo de reforçar a competitividade, buscando a perenidade dos negócios, a eficiência operacional e o fortalecimento do protagonismo histórico da Instituição frente ao segmento financeiro”.

O Sindicato aponta que a real motivação é o esvaziamento da empresa pública para viabilizar a privatização. “O objetivo do governo Bolsonaro é esvaziar as estatais. Esvaziando a função pública do BB, fechando agências, enfraquecendo atuação do mercado: o objetivo principal é a privatização. Não é à toa que estão reduzindo custos, enxugando ao máximo para depois ofertar no mercado”, explica Juvêncio.

Adoecimento mental

As mudanças, o excesso de trabalho e até o medo do desemprego acompanharam esses trabalhadores, com consequente adoecimento mental. Estudos examinam o aumento da ocorrência de suicídio entre a categoria dos bancários no contexto das reestruturações.

A dissertação “Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova organização do trabalho” (2009), do administrador Marcelo Finazzi, apresentada à Universidade de Brasília (UNB), revela que em média, entre 1993 a 2005, pelo menos um bancário cometeu suicídio a cada 20 dias, estimando-se uma ocorrência diária de tentativa (não consumada) durante todo o período.

Entre vários dados, ele cita uma pesquisa de 2006, feita com 2.609 bancários de todo o país, em que se destacam os altos índices de indivíduos que relataram problemas de nervosismo, tensão e preocupação (60,72%), transtornos de sono (42,14%), frequentes dores de cabeça (37,37%), sensações desagradáveis no estômago (33,4%), dentre outros.

Ainda de acordo com o mesmo estudo, quase 39% dos entrevistados relataram ocorrências constrangedoras, na maior parte dos casos relacionados com a chefia (passavam muito trabalho, eram autoritários e preocupam-se apenas com a produção). O pior: que 4,37% dos entrevistados relataram ideação suicida iminente. Significa que, com base na população bancária aproximada naquela época de 425.000, em torno de 18.500 trabalhadores apresentaram pensamentos autodestrutivos.

Em março de 2021, transitou em julgado a condenação do banco por prática de assédio moral a uma funcionária que deu fim à própria vida em setembro de 2014. O caso aconteceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, e a família é beneficiária de 500 salários mínimos.

“Do total de 19 funcionários da agência Fragata na cidade de Pelotas-RS, 15 manifestaram ter presenciado ou sofrido humilhação, perseguição, constrangimento, e até ameaças físicas, situação que incorreu no afastamento de 05 funcionários a fim de que fossem socorridos por tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos, em razão do inequívoco adoecimento psíquico de praticamente a totalidade dos profissionais da referida agência”, narra texto publicado pelo advogado Rodrigo Rosa, no JusBrasil.

Perda salarial e outras mudanças

De acordo com o Juvêncio Hemetério, a categoria convencionou chamar os “novos” colegas, que chegaram no pós-1998, de genéricos, porque faziam todas as atividades do funcionário mais antigo e ganhava a metade do salário.

Segundo o Dieese, o salário no Banco do Brasil pagava em 1995 o equivalente a 7,32 salários mínimos. Desde então, essa relação só diminuiu. Em 96, a redução já foi para 6,54 salários; no ano 2000, a remuneração inicial era 4,93 salários mínimos; em 2012 era de 2,83; e neste concurso de 2021, os funcionários vão começar ganhando 2,7 salários mínimos.

“Nós dos sindicatos fizemos uma campanha muito grande, mas não conseguimos mudar. Hoje a isonomia é por baixo, porque os antigos ou saíram ou se aposentaram. Em 23 anos, quase não existem mais trabalhadores naquelas condições. Existe todos ganhando muito pouco, trabalhando muito, sem aquela estabilidade de antes e com perseguição pra bater metas”, lamenta.

Um gerente de relacionamentos ouvido pela reportagem consegue comparar o trabalho no banco para as diferentes gerações de empregados, apesar de ter sido admitido em 2009.

Ele diz que o primeiro ponto a considerar é o aumento expressivo do número de cargos pela necessidade de expansão da empresa para o meio digital, acompanhando o mercado e mantendo o atendimento presencial para aqueles que vão às agências.

“Nós temos um número expressivamente maior de funções no banco. O público em geral vê apenas a agência, mas é um mundo. Hoje você tem funções de suporte, voltadas para a tecnologia em si, voltadas para o trabalho nas superintendências, funções de recursos humanos, são muitos cargos diferentes, desde níveis mais básicos a mais altos em hierarquia”.

O gerente observa, junto com essas mudanças e intervenções feitas por governos federais, a queda do poder aquisitivo da categoria.

“Era muito comum, que, com pouco tempo, o bancário buscasse a segunda função na escada, que era a de caixa. Todo mundo escuta essas histórias de que quando você virava caixa, três meses depois comprava um carro zero. Realmente tinham um poder aquisitivo muito bom. E comprava à vista, não precisava fazer empréstimo, nada. Há uma diferença enorme, uma redução drástica do poder aquisitivo”.

Em 2021, o banco anunciou a extinção da função de caixa, mas a Justiça proibiu. Uma liminar foi obtida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), garantindo o direito dos funcionários ao recebimento da gratificação por ocuparem essa posição.

Carga elevada de trabalho

Apesar de todos os benefícios do passado, o trabalhador do Banco do Brasil nunca teve pouco serviço. O volume de tarefas era ainda maior, na opinião de gerente de relacionamentos, inclusive porque com menos tecnologia muitos processos eram manuais, como contagem de dinheiro e transferências entre bancos.

“Existia uma situação em que não se tinha hora pra sair. Era comum o funcionário sair às 9, 10 horas da noite. A remuneração era maior, mas também não tinha o controle das leis trabalhistas, de carga horária máxima. E não computava como hora extra. Eles passavam muito mais tempo dentro do banco que fora. Até hoje isso acontece. Não é fácil trabalhar dentro de banco, qualquer banco. Mas agora temos um controle extremamente rígido quanto à carga horária, hora extra, ponto eletrônico”, contrapõe. “Se o funcionário precisa ultrapassar, vira hora extra”.

Direitos preservados

No Brasil da uberização e pós-reforma trabalhista, estar em uma empresa que ainda preza pelos direitos trabalhistas é uma vantagem. E esse é um dos pontos que pesam a favor do BB.

Isso também se aplica à “estabilidade”. Ela não existe no Banco do Brasil, já que os empregados não são servidores públicos, mas sim celetistas. Excetuando os casos em que são pressionados a aderir ao plano de demissão voluntária, há a possibilidade de ser demitido por justa causa, mas isso acontece após processo administrativo, avaliação e provável atuação de um sindicato (que é forte).

“Não existe facilidade em ser descartado, como num emprego privado. Não quer dizer que estejamos imunes. Demissões acontecem em casos mais extremos. Ser retirado de determinada função por não cumprimento das tarefas é mais comum. Eu diria que a empresa segue à risca as orientações e é justa, tendo reconhecimento de publicações internacionais”, aponta o funcionário que gerencia a carteira de clientes da agência.

Ambiente

Em 2010, o Banco do Brasil foi relacionado como uma das “Melhores Empresas para Trabalhar” pela pesquisa do Great Place to Work. A relação das 15 empresas brasileiras eleitas, entre 530 pesquisadas, será publicada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 29 de novembro em um Caderno Especial. Os critérios para participação na escolha estabelecem que só podem entrar empresas com mais de cinco mil funcionários e que tenham faturado em 2009 mais de R$ 2 bilhões.

A consultoria baseia a pesquisa em duas avaliações: uma com os funcionários, que respondem de forma voluntária e anônima a questionário sobre o ambiente de trabalho, descrevendo a realidade da empresa e explicam o que consideram único e diferenciado em seu ambiente de trabalho; outra realizada com a própria empresa, que detalha as suas melhores práticas e benefícios para a excelência do ambiente de trabalho. Há também auditorias realizadas por consultores do Great Place to Work. A avaliação dos funcionários responde por 67% do cálculo da média final.

“Tem gente que ama essa empresa. Tem gente que trabalha todos os dias com alegria, que chega com um sorriso do tamanho do mundo. Tem gente que adora porque se encaixa no perfil e batalha, vira gerente de agência, superintendente e se aposenta no banco com uma alegria enorme. E tem outros que não se encaixam tanto no perfil e acabam fazendo por necessidade”, comenta o gerente de relacionamentos.

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