Quando ela chegou eu já estava pronto para a minha caminhada. De calção de praia, com a cara lambuzada de protetor solar e tudo mais. Meu filho Dimitri buzinou, ele me fez descer para pegá-la na sua cadeirinha-cama das mãos de Laíla, a minha nora e mãe de Dulcinha. Evânia, que tinha se comprometido a cuidar dela naquela manhã, pois os dois tinham um compromisso inadiável e não podiam levá-la junto, havia saído para pegar um celular no conserto. Eu, sozinho.
Subi com ela dentro de sua cadeirinha. Laíla me acompanhou, perguntou por "dona Evânia" e eu disse que ela não estava, mas retornaria logo, isso ao mesmo tempo que depositava o precioso pacotinho, acordada, com 'aqueles olhão' me acompanhando, me fazendo derreter, como sempre. A mãe, notei, ficou preocupada, eu estava só. "Tem problema não?" ela me perguntou. Menti: tem não minha fia, pode ir sossegada, tomo conta dela e Evânia chega já. Laíla me deixou só com Dulce Maria. E eu rezando para Evânia não demorar.
Explico, antes que pensem que sou um avô desalmado, a minha segunda netinha hoje tem pouco mais de dois meses, no seu primeiro mês e meio de vida, chega dói lembrar, a bichinha sofreu muito com cólicas e gases e ainda sofre um pouquinho ( já minha outra princesa, Maria Elisa, a primeira, penava com prisão de ventre na mesma idade). Meu terror, era que ela começasse a chorar, pois nada me faz sofrer mais do que vê alguém que amo sofrendo de algum tipo de dor, parece que é em mim, multiplicado por mil; e sem que eu pudesse ou soubesse o que fazer.
E comecei a conversar com Dulce Maria - sua cadeirinha depositada na cama de Mila -, a cantar para Dulce Maria, tentar manter 'aqueles olhão' lindo de vovô suavizados, a carinha sossegada e sem a testinha franzida de incômodo. Meu Deus! E ela iniciou uma série de presentes para o velho avô abestalhado, sorrisos, gente, né mentira não, quase gargalhadas. O mais incrível é que não desgrudava 'os olhão' de mim. Devia tá pensando assim: que veião feio é esse? Que palhaçada é essa? O mais incrível, eu comecei a fazer um teste interessante: passava do lado esquerdo para o lado direito de sua cadeirinha e 'os olhão' me acompanhando fielmente. Abestalhado, ria, ria, ao mesmo tempo que esperava a chegada de Evânia, ainda ansioso.
Lá para as tantas, caso contrário daquele jeito eu passava a manhã todinha ali hipnotizado, ela deu uma tremenda golfada. Se enfezou com aquele leite no seu pescocinho e fez cara de choro, ficou irritada, braba e reclamando. Ai meu Deus! Ia começar minha agonia, pensei. Meio sem jeito, limpei a golfada do pescoço e a tirei do carrinho, assombrado, não queria ver minha Dulcinha chorando. Lembrei das noites de sofrimento lá em Zumbi, ela chorando com cólicas e eu encolhido no meu canto, impotente, sofrendo por ela sem poder fazer nada.
Botei ela no colo. Vou dizer como. Ela não gosta de ficar no nosso ombro e muito menos em posição deitada, olhando para cima. Tem que ser em forma de cadeirinha, sentada, olhando para a frente, curiando tudo, pois ela é assim. E comecei a andar para cima e para baixo, cantando a Sabiá , a mesma música que cantava para Dimitri, o pai dela e para meus outros filhos, e mais recentemente os netos, Filipinho e Maria Elisa (desculpem meus filhos e minha Bibi, queria ter cantado bem mais pra vocês). Dulce Maria não chorou, gente, ela sorria e, de vez em quando, vão dizer que o véio tá mentindo de novo, de vez em quando eu notava ela levantando na lateral, verdade, a cabeça e me olhando com 'aqueles olhão' lindo. Que coisa mais maravilhosa!
Em nenhum momento a testinha ficou franzida, foi só alegria. Evânia chegou, fez a festa costumeira, ficou cuidando de Dulce Maria com o jeito especial que ela sabe tão bem. E fui caminhar na praia, correr, nadar, sempre cantando, feliz da vida, "a todo mundo eu dou psiu, perguntando por meu bem, tenho o coração vazio, vivo assim a dar psiu, Sabiá vem cá também..."