E aí, LGBT, vamos lutar ou vamos perder?
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E aí, LGBT, vamos lutar ou vamos perder?

26 de janeiro de 2019
E aí, LGBT, vamos lutar ou vamos perder?

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Há algum tempo venho pensando em me engajar mais diante daquilo que nos ataca e aflige enquanto população LGBT. Decidi encarar o desafio de iniciar esta coluna no Saiba Mais como parte dessa tarefa. Para ser mais exato, foi um dia antes de Jean Wyllys, único homossexual assumido a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional até então, divulgar sua decisão de que não exerceria a função de deputado federal para a qual foi reeleito em 2018. A principal motivação externada foi a de preservar sua vida, preocupação que a maioria de nós, em diferentes níveis, também sentimos.

É claro que não me livrei por completo do impacto negativo que esse acontecimento me causou, mas, em vez de me fazer recuar, ele reforçou uma certeza que já vinha me movendo na direção oposta: nossa melhor saída é seguirmos cada vez mais juntos, organizados e em luta.

Não há dúvidas de que a população LGBT será um dos alvos prediletos do governo Bolsonaro. Esse recado já foi dado ao longo de sua vida pública e durante as eleições. No curto período desde sua posse, Bolsonaro e seu staff já começaram a atacar as questões de gênero e sexualidade, que afetam diretamente as pessoas LGBT. A escolha de Damares Alves para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi a primeira delas. Já no primeiro dia de governo, assistimos à retirada da dimensão LGBT dos títulos e prioridades dos setores do Ministério que ocupa, como evidencia a Medida Provisória nº 870. A medida não fica atrás das ameaças explícitas contra o casamento LGBT, que se multiplicaram depois das eleições devido ao receio de seu impedimento. Sem deixar de mencionar a declaração da ministra de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, aparentemente “só” uma frase, mas com uma mensagem forte de conservadorismo.

E isso tudo não pode ser classificado, como eu mesmo já cogitei em alguns casos, de “cortina de fumaça” para encobrir outras pautas, a exemplo da Reforma da Previdência. Fumaça não ameaça efetivamente direitos humanos e sociais conquistados, não viabiliza, pela omissão estatal, violência ou extermínio de seres humanos em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero. É preciso ter clareza de que as pautas específicas das pessoas LGBT ou das mulheres, por exemplo, não competem com as pautas gerais da classe trabalhadora. Ao contrário! Podem somar-se e avolumar mobilizações, resistência e conquistas.

Aliás, assim como as pautas e lutas LGBT deveriam ser parte do engajamento de todas as trabalhadoras e trabalhadores que lutam por um mundo sem desigualdade – e, portanto, sem preconceito, discriminação e exclusão social – , a seguridade social e a previdência, ameaçadas pela contrarreforma de Temer e agora de Bolsonaro, são pautas muito caras à vida das trabalhadoras e trabalhadores LGBT, que precisam estar nas lutas que enfrentarão seu desmonte.

Afinal, estamos falando de um dos extratos da classe trabalhadora que tem mais dificuldade de permanecer empregado, contribuir financeiramente com a previdência durante seu tempo mínimo para, então, acessar o benefício da aposentadoria. E isso não é achismo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Planta o Plomo no Brasil em 2017, uma a cada cinco empresas recusa-se a contratar homossexuais. A mesma pesquisa mostra que 68% das pessoas já presenciaram algum tipo de LGBTfobia no ambiente de trabalho. Outro dado que revela as dificuldades da população LGBT no mundo do trabalho está no levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o qual aponta que cerca de 90% das mulheres trans, as mais afetadas na população LGBT, prostituem-se para se sustentar diante da exclusão a que são submetidas.

Esse cenário faz a saída de Jean ainda mais impactante. Era uma voz, quase solitária, mas muito combativa na luta dos direitos da população LGBT no Congresso Nacional. É uma decisão, que lamentamos, mas entendemos, porque foi pautada em todos os ataques e ameaças que ele tem enfrentado quase todos os dias, nos seus embates com os Bolsonaro, nas pressões advindas do assassinato de Marielle Franco, ainda sem solução, e no provável envolvimento de milícias nesse crime, cujas relações com os Bolsonaro já foram expostas.

Mesmo partindo desse entendimento, estamos convencidos de que não podemos nos deixar abater se quisermos seguir em frente. Por isso, se não apaga a tristeza ou a empatia por Jean, alivia um tanto do desânimo coletivo saber que, em seu lugar, assumirá David Miranda (PSOL/RJ), também assumidamente gay, negro e favelado, atualmente vereador pelo Rio, que já enfrentou Bolsonaro nas redes sociais no dia do anúncio de Jean.

Contudo, mais do que contar com Jean ou David, precisamos contar com nós mesmas e nós mesmos e as organizações que estão ao nosso lado. Juntos, poderemos ter melhores condições não apenas para nos acolher, fortalecer, partilhar dificuldades, força e redes de contatos, mas também construir e socializar estratégias e táticas para resistirmos e seguirmos lutando por nossos direitos e por outro mundo em mobilizações cada vez mais massivas. E, para isso, precisaremos de mais organização política dentro do movimento LGBT e integração de nossas lutas.

Se o que eu disse até aqui não tiver feito muito sentido, sugiro que assistam ao filme Orgulho e Esperança. É uma história linda e instigante sobre solidariedade entre o movimento LGBT e sindicalistas do setor de mineração anos 80, em Londres. É naquela direção que precisamos seguir. Só assim teremos alguma chance contra os ataques de Bolsonaro, de seu time nacional e seus parceiros globais, como Trump. Como diz um trecho de uma canções do filme (“Solidarity Forever”, de Pete Seeger), “eles tomaram incontáveis ​​milhões sem nunca terem trabalhado para ganhar, mas, sem o nosso cérebro e músculos, nenhuma única roda pode girar. Poderemos romper com esse poder desmedido e ganhar a nossa liberdade quando aprendermos que a união faz a força”.

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