EDITORIAL: Fátima e o desafio do Pro-sertão
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EDITORIAL: Fátima e o desafio do Pro-sertão

2 de maio de 2019
EDITORIAL: Fátima e o desafio do Pro-sertão

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Criado em 2013 na gestão Rosalba Ciarlini com a promessa de revolucionar o sertão do Rio Grande do Norte gerando emprego e renda para famílias pobres que trabalhavam em pequenas fábricas de costura, o pró-Sertão foi desmascarado pelo Ministério Público e pela Justiça do Trabalho.

Na verdade, e como já se supunha na época, o programa nasceu, com o apoio do Estado, para beneficiar diretamente uma gigante do mercado de confecções: a Guararapes Confecções S/A, o que significa favorecer, por tabela, as lojas Riachuelo, grife da fábrica.

Há uma semana, o juiz da 7ª Vara do Trabalho Alexandre Érico da Silva assinou uma decisão judicial que muda a história do Pro-Sertão no Rio Grande do Norte. O magistrado é categórico ao afirmar que o programa foi criado como parte de uma estratégia para reduzir os custos da empresa. E vai além: ele diz que a Guararapes se beneficiou de dinheiro público sem dar retorno à sociedade.

Eis um trecho da decisão:

Efetivamente, a demandada (Guararapes) adotou como estratégia de redução de custos a via da terceirização de sua atividade-fim, isso atrelado a benefícios fiscais concedidos pela Sudene e Governo do Estado do RN, fato confirmado em depoimento do seu preposto e documento ID c1f89ce. Essa prática demonstra que o dinheiro público foi usado em benefício da empresa sem que esta efetivamente tenha se preocupado em dar a sociedade uma resposta positiva, mantendo seus postos de trabalho diretos, e procurando diminuir seus custos de outras maneiras que não driblar a legislação laboral travestida de adesão ao “Pró-Sertão”, escreveu o magistrado.

A decisão judicial também destrói o discurso do empresário Flávio Rocha, dono da Guararapes/Riachuelo, que costuma dizer que o Pro-sertão é um sonho que teve de, um belo dia, transformar o sertão potiguar numa região semelhante a da Galícia, na Espanha.

Na única audiência de instrução que ocorreu durante o processo, o próprio diretor industrial da Guararapes Jairo Amorim já havia desmentido o chefe em depoimento que ajudou a Justiça a chegar à conclusão óbvia: de que o pro-Sertão é, na realidade, o que na região Nordeste se costuma chamar de “arrumadinho” para ajudar uma única empresa a aumentar seus lucros.

O depoimento de Amorim foi registrado, à época, pelo portal da agência Saiba Mais, em 3 de fevereiro de 2018. De acordo com ele, a motivação para a criação do Pro-Sertão foi comercial, e não social. Amorim explicou que, naquele período, o grupo Guararapes importava produtos tipo calças jeans e sarja da China e de outros países asiáticos. No entanto, o tempo de entrega girava em torno de seis meses, muito alto para o custo da empresa. Por sua vez, a Guararapes só costurava tecidos leves. Devido ao longo tempo para a entrega, havia sobras de alguns modelos e ausência de outros, o que influía diretamente nas vendas. Diante do prejuízo, teria sido do próprio Jairo Amorim a ideia de trazer a produção para o Brasil:

 – Em função disso, apresentei à empresa que era melhor repatriar produtos porque ganhava em tempo de entrega. Reduzimos de seis meses para 45 dias com as oficinas de costura e, (produzindo) em outros Estados, recebíamos com 60 dias. Percebendo isso, a empresa aprovou a proposta e começamos a verificar o potencial que já havia em algumas oficinas do interior que não temos na Guararapes. E fui ao interior verificar se essas oficinas eram legais. Me surpreendi com o nível das oficinas. A primeira que visitei foi em Acari. Aprovado o modelo (do programa Pro-Sertão) pelo Governo do Estado, via secretaria de Desenvolvimento Econômico, vimos a oportunidade de fomento industrial.

Governadora Fátima Bezerra e diretor industrial da Guararapes Jairo Amorim

Não há dúvidas de que o “sincericídio” do diretor da Guararapes ajudou o juiz a chegar à decisão.

Aliás, o Rio Grande do Norte já sabe o que o Ministério Público e a Justiça acham do pro-Sertão. Mas ainda não tem ideia do que a governadora Fátima Bezerra (PT) pensa a respeito.

Não há uma linha ou declaração da governadora sobre o Pro-Sertão após a decisão que condenou a empresa estabelecida no Rio Grande do Norte que recebe incentivos fiscais há mais tempo no Estado, desde 1959.

Desde a campanha eleitoral, Fátima tem demonstrado com palavras e gestos que deseja construir um Governo parceiro dos empresários. A aproximação da Fiern logo na fase de transição e o aceno na direção da melhoria do Proadi, ampliando os benefícios para pequenas e médias empresas, fazem parte desta estratégia.

Das boas parcerias, no entanto, se espera reciprocidade.

E segundo as palavras de um juiz do trabalho, a Guararapes se beneficiou do Estado e não devolveu os benefícios à sociedade.

Atualmente, 61 pequenas fábricas de costura estão cadastradas no programa.

O mínimo que o Rio Grande do Norte espera é que Fátima Bezerra, a primeira governadora de origem popular do Estado, corrija a rota de um programa que se vendia popular, mas que só serviu para ampliar os lucros de uma empresa que há 60 anos já se beneficia do Estado.

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