Eleição da Argentina vira plebiscito contra neoliberalismo na América Latina
Natal, RN 29 de mar 2024

Eleição da Argentina vira plebiscito contra neoliberalismo na América Latina

27 de outubro de 2019
Eleição da Argentina vira plebiscito contra neoliberalismo na América Latina

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Buenos Aires - Os argentinos decidem neste domingo (27) o modelo de governo que desejam para os próximos quatro anos no país. O fracasso da gestão do presidente Maurício Macri (Pro) é creditada na conta do neoliberalismo, que transformou a Argentina numa vitrine do modelo para a América Latina. Há quatro anos, Macri era saudado como uma espécie de garoto-propaganda de um produto que faria o Estado eficiente como um empresa e traria estabilidade econômica para a região a partir de agenda ortodoxa e privatista.

De lá para cá, a Argentina acumulou três anos de crescimento negativo, perdeu 200 mil postos de trabalho com carteira assinada (10,6%), viu a quantidade de pobres chegar a 41 milhões de pessoas e a população abaixo da linha da pobreza atingir 28%. O país mergulhou numa recessão e reviu um filme que parecia já ter saído de cartaz: o socorro financeiro do Fundo Monetário Internacional, cujo empréstimo de 56 bilhões do dólares é o maior já realizado pelo FMI a um país no planeta.

A insatisfação dos argentinos pôde ser sentida já em agosto de 2019, durante as chamadas Primárias, tratadas como prévias das eleições. Naquela consulta, o candidato de oposição Alberto Fernandez ficou 17 pontos à frente de Macri e, desde então, todas as pesquisas de intenção de voto apontam a vitória, no 1º turno, da Frente de Todos, que além do advogado e professor de Direito Alberto Fernandez na cabeça da chapa traz no cargo de vice a ex-presidenta Cristina Kirchner, principal herdeira do peronismo na Argentina.

A presença de Cristina é muito forte entre os argentinos. Pesquisa divulgada durante a semana apontou que para 45% da população é a ex-presidenta quem vai governar o país, caso Fernandez vença as eleições.

Fernandez é ex-chefe de gabinete dos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Ele rompeu com a ex-presidenta durante o último mandato dela por divergências políticas, mas reatou a aliança em 2019 de olho na Casa Rosada. Questionado pela imprensa local se poderia romper novamente, Fernandez foi categórico ao afirmar que não romperia jamais com a líder peronista. Cotada para voltar à presidência até a véspera da inscrição das nominatas, Cristina tem alta rejeição em determinados setores da Argentina, especialmente da classe média, e abriu mão da cabeça da chapa para garantir a vitória.

Para Cristina Kirchner, vitória de Alberto Fernandez é o fim do neoliberalismo na Argentina (foto: Elineudo Meira/Chokito)

No último ato público de campanha, em Mar del Plata, Cristina fez um discurso duro apontando que as eleições será, na verdade, um plebiscito contra o neoliberalismo no país:

- “Hoje em Mar del Plata não estamos encerrando uma campanha eleitoral. Estamos encerrando um ciclo histórico: nunca mais a pátria deve voltar a cair nas mãos do neoliberalismo. Nunca mais estas políticas”, disse a ex-presidenta.

Além de Alberto Fernandez e Maurício Macri, os candidatos mais competitivos da disputa são Roberto Lavagna, Nicolás del Caño e José Espert. Além de eleger o presidente e o vice-presidente, os argentinos escolherão 130 deputados nacionais, 24 senadores nacionais e 43 deputados do Parlamento do Mercosul. Em várias províncias e no distrito federal também se elegem, nesse mesmo dia, autoridades executivas e legislativas.

A agência Saiba Mais se integrou em Buenos Aires ao coletivo brasileiro ComunicaSul para cobrir as eleições da Argentina. O que se vê nas ruas é um povo apreensivo, mas esperançoso. A população vem sentindo na pele os efeitos da crise. Como a economia do país é dolarizada, qualquer variação na moeda norte-americana é um baque para o comércio. O Real varia entre 13 e 16 Pesos, dependendo da casa de câmbio. A inflação em 2019 deve ultrapassar os 50%, maior do que a soma das inflações de todos os países da América Latina, incluindo a Venezuela.

A vendedora ambulante Andreia Fernandez cita o desemprego para traduzir os quatro anos do governo Macri e tem esperança num país melhor:

- Estamos mal com o Macri, há muito desemprego, estamos esperando que assumam Cristina e Fernandez para que tudo isso se reverta. Nesses quatro anos ficou muita gente sem trabalho. No governo de Cristina tínhamos o que comer, hoje tem muito gente sem comida”, disse.

Maurício Macri se aproximou da direita e extrema-direita durante os últimos dias de campanha. (foto: Mauro V. Rizzi)

Outra pista de que a dupla Alberto/Cristina deve vencer as eleições é que há mais de uma semana não há divulgação de qualquer pesquisa de intenção de voto no país. As empresas e os jornais tradicionais da região – Clarín e La Nacion – passaram a semana publicando possíveis efeitos negativos na economia numa eventual vitória da chapa Frente de Todos, que conta com 20 partidos e entidades, uniu o peronismo e se consolidou com o maior e mais heterogêneo arco de aliança da política recente argentina.

Nos últimos dias de campanha, o atual presidente voltou a tentar convencer os eleitores pela via do medo, ligando uma eventual volta de Fernandez ao retorno do kirchnerismo ao poder:

- Somos uma maioria que passou muitos anos em silêncio, com medo, olhando para a política de longe, pensando que nada ia mudar, e deixamos um espaço enorme que acabou nas mãos de pessoas que pensavam que eram donas do Estado e queriam ir por tudo e até por nossa liberdade", disse em Buenos Aires.

Após as primárias revelarem uma grande diferença entre Fernandez e Macri, o discurso do presidente passou a ser ainda mais agressivo. O vice dele, Angel Pichetto, é um peronista conhecido por discurso xenófobos e racistas.

Até uma declaração recente do presidente brasileiro Jair Bolsonaro no Japão sobre um possível boicote a Argentina no Mercosul em caso de vitória da chapa peronista foi usada para amedrontar o povo. Em conversa com argentinos e jornalistas brasileiros que moram em Buenos Aires, dá para perceber que a estratégia de usar Bolsonaro na eleição foi um tiro no pé. O povo argentino tem um histórico de valorização dos Direitos Humanos, muito em razão do trauma e das cicatrizes herdadas da ditadura militar que, segundo entidades e movimentos sociais, resultou em mais de 30 mil pessoas mortas ou desaparecidas. Logo após a primeira visita do presidente brasileiro a Argentina durante a campanha eleitoral, as pesquisas registraram perda de eleitores por Macri.

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