Empatia mandou lembranças…
Natal, RN 19 de abr 2024

Empatia mandou lembranças...

23 de outubro de 2018
Empatia mandou lembranças...

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Morreu essa semana, numa padaria de Águas Claras, em Brasília, o restinho da capacidade do ser humano de se colocar no lugar do outro. Rara nos dias de hoje, próxima da extinção, a empatia já dava mesmo os últimos suspiros, em especial nesse período nebuloso em que as vidas de negros, LGBTQs e mulheres parecem não ter o mesmo valor que a dos ditos “cidadãos de bem”.

E foi um desses cidadãos de bem que estava na padaria, quando uma mãe entrou pra comprar pão, com seu filho de cinco anos, após estacionar o carro numa vaga de pessoas com deficiência.

Sem sequer enxergar o cartão que dava àquela mãe a prerrogativa de estar na vaga especial, tipo de cegueira que tem atingido muitos cidadãos de bem hoje em dia, o camarada já veio com quatro pedras na mão.

“Ou a senhora não viu, ou não tem mesmo vergonha na cara, porque aquela placa diz que ali é pra deficiente. Como vocês entraram andando aqui, nenhum dos dois tem deficiência, né?” – vociferou, aos berros. Tentando manter a calma, ela explicava que o filho era autista e que tinha deixado o cartão que dava direito à vaga no lugar indicado.

Não foi ouvida, outra deficiência que toma conta dessa galera, que adora silenciar quem julga ser mais fraco. Mas ele continuou sua ladainha, gritando que ali era somente para cadeirantes, que ela era uma ignorante, sem educação, e completou com um: “é por isso que o país não vai pra frente! Deve ser bem uma comunista!” – como se fosse mesmo um xingamento.

O garoto se incomodou com os gritos e saiu em defesa da mãe, dizendo “ei, moço, não fala assim com minha mãe não”, mas recebeu de volta um autoritário “cale a boca, menino!”- assim, enquanto a mãe protegia o filho, puxando-o para trás dela.
Esse relato eu não presenciei de fato. Somente li num grupo do bairro, no facebook. Lá, esperando receber um pouco da sororidade que pudesse acalentar a dor de ver morrer assim a empatia, a mãe contou ainda a conversa que precisou ter com o filho, para acalmá-lo depois de tamanha violência verbal gratuita.

Mas os comentários que se seguiram eram muito mais terríveis do que a covardia do cidadão de bem da padaria, que confrontou uma mulher com seu filho de cinco anos, não só por duvidar de um direito que ela tinha, devidamente registrado em autorização da polícia de trânsito que reconheceu o autismo do filho como fator que lhe dava essa prerrogativa, mas também por achar que ela estava desacompanhada de um homem.

No entanto, no local só havia mesmo um grande homem em formação: o menino que não tem deficiência de caráter, o menino que com cinco anos enxerga e ouve muito melhor do que muito homem, o menino que é a esperança de um dia vermos renascer a empatia...

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