Empregada doméstica é resgatada após viver 32 anos como escrava e ser submetida a abusos sexuais por uma década em Mossoró
Natal, RN 29 de mar 2024

Empregada doméstica é resgatada após viver 32 anos como escrava e ser submetida a abusos sexuais por uma década em Mossoró

31 de janeiro de 2022
6min
Empregada doméstica é resgatada após viver 32 anos como escrava e ser submetida a abusos sexuais por uma década em Mossoró

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Por Mirella Lopes e Rafael Duarte

Duas mulheres que trabalhavam como empregadas domésticas, nas cidades de Natal e Mossoró, foram resgatadas em condições degradantes e análogas à escravidão. As operações de resgate ocorreram dias 24 e 26 de janeiro e

foram coordenadas por um grupo de auditores da secretaria de inspeção do Trabalho (SIT). Nem os nomes das vítimas nem os nomes e o endereço dos empregadores foram divulgados.

Denúncias anônimas foram fundamentais para as duas investigações. O e-mail [email protected] e o canal disk 100 estão à disposição da população para o envio de informações importantes que ajudem a apuração dos órgãos de inteligência.

O caso que mais chamou a atenção dos auditores foi o de uma mulher de 48 anos em Mossoró que morava há 32 anos na mesma casa, sem salário, direitos trabalhistas e submetida a assédio e abuso sexual do empregador por, pelo menos, 10 anos. Pela idade, ela começou a trabalhar na casa por volta dos 16 anos.

A coordenadora da operação da SIT Marina Sampaio contou por telefone à agência Saiba Mais que as pessoas que moravam na casa sabiam dos abusos que a vítima sofria, mas ninguém reagiu ou ameaçou denunciar o agressor:

- Sabia (dos abusos). A família toda sabia, mas nunca ninguém tomou iniciativa com relação a isso”.

Marina Sampaio, coordenadora da operação que resgatou duas mulheres do trabalho escravo no RN

A auditora fiscal do trabalho destacou que durante o depoimento, após o resgate, a vítima passou a impressão de que não tinha noção da gravidade do que havia passado nas últimas três décadas. Isso acontece, segundo ela, porque em casos desse tipo há uma “confusão” quanto ao tipo de relação existente entre empregador e empregado:

- Nos casos de trabalho análogos à escravidão envolvendo empregadas domésticas há uma confusão afetiva construída, que talvez não seja proposital, mas é instrumental. A pessoa é tratada como e fosse da família, mas até um certo ponto. Porque os filhos vão crescendo, saindo de casa, a pessoa vai ficando, não tem vida própria.. e nesse caso de Mossoró ainda era agravado porque o empregador a explorava também sexualmente. Então é um laço de afeito e também de exploração”.

Em 2021, foram resgatadas 27 empregadas domésticas vivendo sob condição análoga à escravidão. No caso de Mossoró, nem salário a vítima recebia:

- Ela morava na casa há 32 anos e tinha a liberdade de ir e vir, mas era aquela liberdade consentida, um pouco relativa. Porque ela podia sair, mas tinha responsabilidades na casa pois era ela quem criava os filhos da patroa. E não recebia nenhum salário, trabalhava só pela moradia, pela comida e ganhava uma roupa ou outra quanto precisava e os patrões davam. Nunca teve férias, décimo-terceiro. E também não pareceu que tinha dimensão daquela situação”, disse a coordenadora da operação.

Em Natal, vítima sofreu assédio, agressão e só tinha folga a cada 15 dias

Vítima de trabalho análogo à escravidão em Natal dormiu em colchão no chão por cinco anos / foto: divulgação / SIT

O outro resgate pela equipe comandada por Marina Sampaio ocorreu em Natal. A vítima tinha 55 anos, trabalhava na casa de uma família há cinco anos, de segunda a domingo, ficando à disposição 24 horas por dia, com folgas apenas a cada 15 dias e trabalhando normalmente nos feriados. Durante todo esse período, tirou férias apenas uma única vez.

- Ela (a mulher resgatada) sabia que algumas coisas não estavam certas, especialmente a questão do descanso. Tentou negociar para que recebesse folga semanal, mas não deu certo. Recebia R$ 500, menos que um salario mínimo, desde o início que iniciou o trabalho. Nunca recebeu hora-extra, décimo-terceiro e quando veio a pandemia ainda ficou quatro meses sem receber salário”, contou a auditora.

A vítima dormia no quarto de empregada da casa, em um colchão no chão. Apesar do longo tempo na residência da família, todos os pertences dela ficavam guardados em uma mochila, também no chão. Durante o período, a patroa a assediava com ofensas e até agressões:

- A empregadora era idosa, tem 65 ano. Havia ainda assédio moral, a empregada era tratada aos gritos e com violência. Chegou a cortar a rede onde a vítima dormia para que caísse no chão”, relata.

Empregadores que mantinham domésticas em condição de escravidão não aceitaram acordo e serão denunciados

Na delegacia regional do Trabalho, vítima contou detalhes da exploração: folga só a cada 15 dias / foto: cedida / SIT

Após os resgates, a secretaria de inspeção do Trabalho propôs um acordo para o pagamento das verbas rescisórias a que as duas empregadas tinham direito. No entanto, nenhum dos patrões aceitou a proposta. Os dois foram notificados para regularizar o vínculo das trabalhadoras; quitar as verbas rescisórias; recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas.

As empregadas domésticas resgatadas terão direito a receber três parcelas do Seguro-Desemprego especial do Trabalhador Resgatado e foram encaminhadas ao Centro de Referência da Mulher para atendimento prioritário a mulheres vítimas de violência doméstica.

Marina Sampaio explica que os acusados responderão a processos administrativos quanto às infrações trabalhistas, mas após a conclusão dos relatórios serão denunciados à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, visando a investigação criminal.

- Faremos os autos de infração, apontando as irregularidades e os empregadores terão a oportunidade de se defenderem na via administrativa e judicial. É importante também que a sociedade fique atento às informações, aos direitos trabalhistas, tanto esfera cível e criminal, e procurem refletir um pouco sobre a situação dessas mulheres e de outros tantos casos”, disse.

Onde e como denunciar exploração no trabalho

Mande e-mail com denúncia para [email protected]
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