Entenda a batalha jurídica pelo tombamento do hotel Reis Magos
Natal, RN 29 de mar 2024

Entenda a batalha jurídica pelo tombamento do hotel Reis Magos

22 de julho de 2019
Entenda a batalha jurídica pelo tombamento do hotel Reis Magos

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Sofrendo com o abandono depois de 24 anos fechado, o Hotel Reis Magos está envolvido em três processos administrativos e um judicial que vão definir o seu futuro em breve, como explica a procuradora do Estado Marjorie Madruga. A titular da Procuradoria do Patrimônio e da Defesa Ambiental no Rio Grande do Norte é responsável por um dos pareceres que pede pelo tombamento do imóvel, localizado na Praia do Meio.

Em decisão recente, o Tribunal Regional da 5ª Região, sediado em Recife (PE), não reconheceu motivos para o tombamento. No entanto, não autorizou a demolição imediata do imóvel em razão de haver processo administrativo em trâmite no Estado.

Além do processo aberto pelo Instituto dos Amigos do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural e da Cidadania (IAPHACC) na Fundação José Augusto, no âmbito estadual, há também um requerimento junto a Funcarte, no município, e outro com o Iphan, na União. Cada um deles com seu seguimento e legislação própria. Mas Marjorie Madruga deixa claro:

“Só basta um deles para o tombamento ser confirmado. Há um diálogo entre todos esses processos. É um mesmo bem e todos têm o mesmo objetivo, que é a preservação”, diz a autora do parecer com mais de 90 páginas, aprovado pela Procuradoria Geral do Estado e utilizado para embasar o argumento pró-tombamento.

De acordo com membros presentes na última reunião do Conselho estadual de Cultura, esse documento não foi lido ou avaliado durante o encontro, realizado em 2 de julho deste ano, que é opinativo, mas que deliberou pela não preservação do bem.

Atualmente, o processo estadual de preservação do Hotel Reis Magos está na Secretaria de Educação e Cultura e será analisado pelo titular da pasta Getúlio Marques, que decidirá sobre o futuro do imóvel junto à governadora Fátima Bezerra:

“Acho que há uma grande dificuldade da sociedade de entender o que é o tombamento. É um reconhecimento do valor cultural de um bem. Porque o bem já é portador daquele valor, não é o poder público que o atribui. O bem tem ou não tem aquele valor. O que o poder público vai fazer é reconhecer oficialmente”, explica.

De acordo com a procuradora, essa dificuldade de entendimento do que realmente é um tombamento influencia na opinião pública.

O imóvel foi comprado em 2013 pelo grupo Hotéis Pernambuco S/A, que anunciou anunciou a demolição do prédio na época. Desde então, há uma disputa jurídica sendo travada sobre a preservação de parte do prédio.

“Não queremos o tombamento total do Hotel Reis Magos”

Marjorie Madruga deixa claro que o processo de tombamento não foi aberto pelo Estado, mas sim pela sociedade civil. E diferentemente do que vem sendo comentado e criticado em diversos meios, sobretudo por setores da imprensa ligado ao segmento empresarial, a preservação não é uma luta dela ou de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No entanto, como agentes públicos (ela especificamente como uma advogada do estado) emitem pareceres demonstrando os valores histórico-culturais do imóvel.

A procuradora vem sendo atacada pessoalmente por se posicionara favor do tombamento, amparada na Constituição. Nesta segunda-feira, entidades ligadas à preservação do patrimônio público e do meio ambiente divulgaram nota em solidariedade a Marjorie Madruga.

O parecer da procuradora não pede pelo tombamento total do Hotel Reis Magos. A preservação seria exclusivamente da fachada e da volumetria do bem, além de um corredor, já que tais aspectos representam a arquitetura modernista brasileira.

“O modernismo é única arquitetura tipicamente brasileira reconhecida internacionalmente, e esse é o único motivo para a preservação do imóvel”, afirmou Marjorie Madruga, que completa: “Não há um tombamento integral. Ninguém quer isso. O que estamos dizendo no parecer é que a fachada e a volumetria devem ser preservadas. O resto pode ser demolido”, explica.

Lembrando que o tombamento é um dos instrumentos de proteção, não sendo o mais radical deles, que seria a desapropriação do imóvel:

“Tombar não quer dizer que vou congelar o bem e ele vai ficar ali daquele jeito para sempre. Você pode reutilizar aquele bem de diversas maneiras, não há nenhum impedimento para isso. Nem mesmo para atualização do bem para contemporaneidade”, lembra a procuradora, que prossegue:

“A Europa é o que é hoje em dia porque tem um patrimônio histórico-cultural gigantesco, que é transformado em vetor de desenvolvimento. As pessoas vão para Europa para conhecer a sua arquitetura, a história dos prédios, dos monumentos. Mas aqui as pessoas querem destruir os monumentos”, diz.

Tombamento não impede novas construções

O parecer da PGE, que é semelhante ao do IPHAN permite a construção de subsolos e anexos no terreno do Hotel Reis Magos. O terreno possui nove mil metros², com 20% de área construída. Pela atual legislação urbanística da cidade, o Hotéis Pernambuco S/A pode aumentar em mais 60% a área construída, chegando a 80% do terreno do hotel.

“Isso prova que a viabilidade do imóvel é plena. Não há comprometimento da viabilidade econômica pela preservação de uma fachada. Na Europa você vê isso demais. Na avenida da Liberdade, em Lisboa, é só o que tem, fachadas preservadas e novos prédios construídos”, compara.

Marjorie Madruga é a responsável por um parecer favorável ao tombamento do hotel. Foto: Renato Batista

Processos municipal e federal

O IAPHACC entrou com um recurso na última semana no processo municipal de tombamento, pois o Conselho Cultural, que no caso de Natal é deliberativo, decidiu pela preservação do imóvel. Porém, no Diário Oficial do Município de 17 de junho de 2019, a Prefeitura desconsiderou a decisão.

No âmbito federal, o Iphan elaborou em 2017 um estudo com mais de cem páginas com análises de vistorias informando o contexto histórico e arquitetônico do imóvel. Porém, o Instituto, em Brasília, entendeu, segundo a procuradora, sem fazer análise, que não haveria valores nacionais, mas ‘comprovadamente’ tinha valores locais.

“Mas a arquitetura modernista não é potiguar ou nordestina, e sim nacional, não é?”, questiona a procuradora do Estado.

O processo foi reaberto pelo Iphan e voltou ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/IPHAN). O Conselho, porém, foi extinto por Jair Bolsonaro. Neste momento, o processo aguarda a realocação para avaliação.

"Sigo com a esperança que a legalidade e a constituição vai prevalecer", diz Marjorie Madruga.

Segundo a procuradora, a lei foi descumprida e a população que está pagando o preço:

"Todo mundo descumpre a lei. O proprietário descumpre a lei. A Prefeitura descumpre com seu dever como gestora e planejadora da cidade e quem vai ser prejudicada é a sociedade? A geração presente e a futura geração? Porque estamos falando do direito ao meio ambiente. As futuras gerações têm o direito de conhecer a história do Rio Grande do Norte e ter seus monumentos e prédios históricos preservados", desabafa.

Para Madruga, o município devia estar do lado da sociedade lutando pela preservação do patrimônio histórico e requalificação da área.

Residencial Pedregulho como inspiração

Residencial Pedregulho é outro exemplo de arquitetura modernista.

Construído no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 1951, o Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como "Pedregulho" tem arquitetura semelhante ao Hotel Reis Magos, prevalecendo as características modernistas. Reformado nos últimos anos, o prédio é visitado por cerca de 15 mil pessoas por ano. O local é tombado pelo Estado do Rio de Janeiro e também há um processo federal para sua preservação.

Se mostrando triste com a inércia do ramo empresarial sobre a causa, Marjorie Madruga lembra que a área tem grande potencial turístico, independente da forma que será utilizado pelo seu proprietário.

“Não interessa o que ele vai ser, mas ele pode ser utilizado como objetivo de visitação, ser utilizado em prol do turismo potiguar”, afirma.

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