Contava quase meia hora na fila para pegar os ingressos do jogo de domingo, quando a moça ao lado, já meio chorosa, desabafa:
- Eu odeio o Flamengo!
Lamento que passaria despercebido, não fosse um fato: era a fila da torcida do Flamengo, literalmente. Pois é, se há mais de um ano, o flamenguista imaginasse o que vivemos hoje, talvez aquela fila andasse mais rápido. E quem sabe, aquela moça se queixasse menos do tempo investido na espera.
Ela está chorando! Abraça o marido, como quem busca consolo, e vai às lágrimas. Ele tenta acalmá-la, mas é um choro tão cheio de raiva que não pode ser contido. É preciso despejá-lo, e mais, é preciso encontrar culpados, classificá-los como tal, fazer com que eles reconheçam seu esforço, seu sacrifício para ver o Flamengo.
- Filha, olha o que você tá me fazendo passar. Seu pai e eu aqui na porra dessa fila. Esse negócio não anda. Você sabe como eu odeio esse time! Camila, você me paga...
Enfia o celular na bolsa. Mas queria mesmo era guardar a raiva que sentia. Da situação, das pessoas à sua frente, da filha, mas sobretudo, do Flamengo. Era o Flamengo que lhe trazia tantos sentimentos ruins. Era o Flamengo que lhe fazia odiar o mundo. Por isso, a partir de então, dedicaria ao rubro-negro carioca apenas os maiores desprazeres.
Em todos os lugares onde fosse, faria questão de externar seu desprezo. E mesmo que não frequentasse muitos lugares, não importa, em todos encontraria alguém disposto a confrontar. Afinal, eles estão em toda a parte. Inclusive nessa fila que não anda. Mas opa! Enfim chega a vez dela.
Ingresso em mãos. Alívio que toma o corpo. Tudo fica leve, igualzinho time em fase boa. “Que tal um sorvete?” “Vamos deixar o carro em casa pra aproveitar melhor, né?” “Tu não me inventa de perder esse jogo, hein, Flamengo?”