“Eu, preta”: jornalista narra em livro histórias de afeto, identidade e preconceito
Natal, RN 29 de mar 2024

"Eu, preta": jornalista narra em livro histórias de afeto, identidade e preconceito

11 de agosto de 2018

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Diferentes nuances do racismo serão expostas no livro “Eu, Preta”, do jornalista potiguar André Bisneto. A pré-venda para financiamento da obra foi até a sexta-feira (10), mas os interessados ainda podem reservar seu exemplar por meio do site da Editora Letramento, de Minas Gerais. Quem garantir a leitura terá em mãos uma reunião de contos-reportagem que percorrem trajetórias de seis mulheres negras e suas vivências.

Trata-se de uma pesquisa de identidade racial e, de acordo com o autor, propõe denunciar, por meio do jornalismo literário, essa estrutura que atravessa gerações. O contato com a editora mineira quem fez foi a companheira de André, Edja Lemos. Algumas editoras lançaram proposta. "Aceitei lançar com a Letramento. Por eles terem no catálogo a Djamila Ribeiro, acreditei que era um espaço sério para discutir racismo". O livro deve ser lançado em novembro.

André Bisneto é jornalista, natural de Assu, no Rio Grande do Norte

“Essas mulheres são da minha família. A ideia era pesquisar sobre minha ancestralidade e identidade racial, perceber como não havia evolução assertiva nem material. Elas passam por abandono, negação da identidade, uma série de problemas transmitidos por muitas gerações. A gente não consegue essa mobilidade na geração seguinte”, explica Bisneto, assuense que reside em Mossoró.

A narrativa foi escrita para o trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo da UERN e perpassa temas como a solidão da mulher negra e o descobrimento da própria identidade.  Ao submeter a pesquisa a uma seleção de mestrado, Bisneto conta que foi acusado de vitimismo por um professor. “Ouvi que eu quero criar uma guerra entre brancos e negros”, disse, reafirmando a necessidade de trabalhar a problemática.

“Até no campo afetivo, onde a gente acha que tem controle, o racismo é muito forte. Talvez mais cruel, porque a gente acha que tem controle”, ressalta André, que também falou da satisfação em ter a abertura de seu livro escrita pela premiada jornalista e escritora pernambucana Fabiana Moraes.

No prefácio, ela destaca: “Na escrita tão imagética de André Bisneto também conhecemos, por elas, os tempos e as cidades. Também sobre alguma felicidade. Da comunhão entre várias mulheres (amigas, parentes, vizinhas), das mudanças que indicam possibilidade. É preciso desse respiro, mesmo quando ele é muito baixo. Sem ele, elas não existiriam – tampouco este livro”.

Francisca Morais e seu companheiro, Diógenes Angelo, no quintal de casa. A união resultou em 19 filhos.

André Bisneto apresenta de forma breve as pretas de seu livro:

Juliana Feitosa da Silva nasceu em meados de 1880. O pai, Félix, possuía algumas terras, o que era incomum para um homem negro na época. Logo, Juliana não teve muito sofrimento material. Mas sua condição de negra era relembrada com ofensas do tipo "Você é negra. Vá servir às visitas que são brancas".

Cecília Feitosa não conheceu o pai, que abandonou a mãe grávida para participar do ciclo da borracha. Herdou parte das terras da sua mãe, o que lhe deu certa "ocupação". As amantes do marido costumavam ir pedir a ela comida para os filhos que ele fazia fora do casamento.

Francisca Morais da Silva, no campo afetivo, é sem dúvida a que teve mais conforto. Casou depois dos 18, o que não é muito raro para quem nasceu nos anos de 1930, e viveu com o marido por mais de sessenta anos, quando ele morreu. Mas a vida material era dura. Precisou lavar muitas trouxas de roupa para alimentar 12 filhos, dos 19 que teve.

Isis Maria Angelo da Silva talvez seja o caso mais explícito de sofrimento afetivo e material do livro. Desde os seis anos lavava roupa com a mãe no rio para poderem ter comida em casa, o que lhe rendeu bursite ainda jovem. Embora casada, nota-se alguma solidão nela.

Maria José Angelo da Silva descobriu que era negra ainda muito cedo, com sete anos de idade, quando os colegas de turma se recusaram a brincar com ela por ela ter "a pele suja". Nesse caso, o racismo acontece de forma mais "moderna", sutil, embora cruel. Os meninos diziam que não namorariam alguém como ela. Também não conseguia emprego por "não ter o perfil da empresa", embora tivesse um currículo invejável.

Rafaela Patrícia Angelo da Silva é um caso em que podemos notar a eficácia do processo de embranquecimento. Ela não se reconhecia como negra. Até pouco tempo, acreditava ser branca, embora tentasse a todo custo disfarçar os traços negroides.

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