Fernando Haddad sobre eleições 2022: “Não tem espaço para uma terceira via”
Natal, RN 20 de abr 2024

Fernando Haddad sobre eleições 2022: "Não tem espaço para uma terceira via"

16 de maio de 2021
30min
Fernando Haddad sobre eleições 2022:

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Fernando Haddad, 58 anos, não acredita que surja uma terceira via a tempo capaz de disputar com chances as eleições de 2022. Na visão de quem foi prefeito da maior cidade da América Latina e candidato a presidência da República num ano em que o favorito dos eleitores foi preso de forma ilegal por um juiz que se tornou ministro do governo vencedor, o pleito do próximo ano ficará entre Lula e Bolsonaro.

Sobre a pandemia, Haddad acredita que se o governo Federal tivesse seguido as recomendações da ciência, na pior das hipóteses teria mantido a média mundial, o que significaria salvar 300 mil das 430 mil vítimas fatais até terça-feira (11).

Nesta entrevista concedida ao Balbúrdia, programa diário da agência Saiba Mais no youtube que estreou essa semana, Fernando Haddad fala sobre pandemia, educação, Fátima Bezerra e, claro, avalia os cenários para as eleições de 2022.

Confira a entrevista:

Agência Saiba Mais/Balbúrdia: Haddad, é muito comum que as pessoas se perguntem que Brasil nós teríamos hoje se ao invés do Bolsonaro você tivesse vencido as eleições em 2018. Uma pergunta que faz ainda mais sentido porque recentemente a Suprema Corte julgou a suspeição do Sérgio Moro e comprovou o que você e outras lideranças do campo progressista vinham dizendo: que a eleição de 2018 foi fraudada por um juiz de 1ª instância. Eu te pergunto: você pensa nesse Brasil que poderia ter sido e não foi? E que país a gente teria hoje se o presidente fosse você? O que você faria diferente, sobretudo em relação à pandemia? 

Fernando Haddad: Eu entendo que não é difícil imaginar esse outro país. E não é nem forçar uma situação, é deixar fluir a imaginação na direção que os fatos recomendam. Não é forçar uma situação para dizer que o Brasil estaria vivendo um mundo cor-de-rosa, porque a pandemia é mundial. Agora teria o compromisso, ainda mais da parte de um ministro da educação, que foi aquele que mais investiu em ciência, que mais investiu em educação superior, que mais investiu em educação básica, porque contava com a confiança do presidente Lula e da presidenta Dilma. Olha o que aconteceu com o orçamento do Ministério da Educação durante a minha gestão: ele saltou de 20 milhões para 100 bilhões de reais. Era um compromisso com a ciência. E o compromisso com a ciência teria feito o Brasil, na pior das hipóteses, ficar com uma média de óbitos equivalente a média mundial. Isso significaria salvar 300 mil pessoas das 430 mil que foram a óbito. Isso se nós tivéssemos feito a média do que o mundo fez, não se nós tivéssemos feito o melhor do que o mundo fez. Se tivéssemos feito simplesmente a média. E, além disso, a nossa economia já estaria numa situação muito melhor. 

"Se você tivesse feito aquilo que era necessário para salvaguardar a vida das pessoas, o Brasil não precisaria ter vivido a segunda onda que viveu. Foi a pior segunda onda do mundo, a segunda onda brasileira".

Então, veja você, como eu não estou falando aqui de nada, não estou dizendo que um milagre teria acontecido. Eu estou dizendo que teria acontecido aquilo que as melhores práticas recomendam. Isso, partindo de um Ministro da Educação, é evidente que não haveria outra forma de proceder a não ser montar um gabinete de crise, com as melhores cabeças do Brasil na área econômica e epidemiológica, e ter dado sustentação para a sociedade brasileira, para a família brasileira, no momento em que ela está completamente desprovida de atenção. Então, não estamos falando aqui de milagre. É importante que as pessoas entendam, ninguém aqui está falando de milagre, nós estamos falando de coisas sensatas, nós estamos falando de racionalidade, nós estamos falando de bom-senso, nós estamos falando de compromisso com a sociedade. Ou seja, de coisas que aconteceram no mundo. Não é prometer que não morreria ninguém. Não, a gente sabe que é uma pandemia, a gente sabe que é um vírus desconhecido, a gente sabe que demorou quase um ano para ter uma vacina e já foi um milagre ter uma vacina em tão pouco tempo. 

Agora você acha que eu recusaria a compra de vacinas em agosto? Você acha que eu não responderia os ofícios, que todos os laboratórios mandaram para o Brasil para saber qual era a pretensão do Brasil na aquisição de vacinas? Você acha que eu ia perseguir um país só porque ele está em desacordo com a minha ideologia, se ele tem uma vacina disponível ofertando para o Brasil comprar? Isso são coisas absurdas que aconteceram. E me admira muito alguém ainda dê sustentação para um governo que tratou com tanto descaso. Muitas vezes o Brasil chora a morte de um brasileiro com razão, sobretudo quando essa morte era evitável. A gente chora a morte de uma pessoa que nós poderíamos evitar.

"Nós estamos falando da morte de 300 mil pessoas que poderia ter a morte evitada".

Poderiam estar entre nós. Eu não me conformo que alguém ainda possa, diante dessa realidade, dizer que apoia o procedimento, a maneira como o Bolsonaro conduziu. Então não é nem o Fernando Haddad, eu estou falando que outro presidente que tivesse alguma sensatez não teria agido como Bolsonaro agiu.

Eu tenho compromisso acadêmico, com a ciência, com a verdade, com a sala de aula. Alguém que entra numa sala de aula para ensinar, não pode ter uma postura como a que o Bolsonaro teve. Aliás você não seria nem contratado para dar aula por uma instituição de ensino, se você agisse como o Bolsonaro.

Mais de um ano depois de confirmado o primeiro caso de Covid no país e com mais de 420 mil vítimas fatais pela doença, o governo de Jair Bolsonaro cria uma secretaria extraordinária de enfrentamento à covid-19. Como essa tardia ação pode vir a contribuir para o enfrentamento da doença no país?

Isso é para propaganda eleitoral. No ano que vem ele vai dizer que ele criou, não vai dizer quando criou, porque você pode omitir a informação de quando foi criada. Ele não vai falar na televisão: depois de 13 meses do primeiro caso de pandemia eu resolvi criar uma secretaria especial. Ele vai dizer na televisão: eu fui o primeiro Presidente da República a criar uma secretaria especial para combater uma pandemia. Isso que ele vai dizer. A gente já sabe quais são os métodos de comunicação do bolsonarismo. 

"O Bolsonarista sempre opera no campo da meia verdade, no campo da quase mentira, tem sempre o ingrediente que faz com que a base de apoio a ele se apegue a um detalhe, que ele se apegue para manter a fidelidade ao que ele chama de Mito". 

Uma técnica que foi criada nos anos 20 do século passado, faz 100 anos que foi criado essa técnica na Itália e na Alemanha nazista, de propaganda enganosa. Surgiu com o rádio e agora foi recriada pela rede social. Ela ressurge como uma nova forma de comunicação de massa, muito mais sofisticada do que o rádio, porque você pode segmentar informação de acordo com o público. A rádio não,  a rádio você emitiu sinal, quem tiver sintonizado vai ouvir a mesma coisa, quem sintoniza é o receptor. No caso da internet não, você direciona para aquela pessoa uma comunicação quase que feita sob medida para ela. Então se ela porventura for uma pessoa, for um evangélico, ele vai receber uma mentira que é mais aderente a aquele público acreditar do que o outro. Se você mandar para mim uma mensagem mentirosa sobre religião, eu não vou acreditar. Mas têm pessoas que estão muito mais suscetíveis de acreditar, porque tem mais fervor, tem mais paixão e tende a ser mais crédula. 

Uma pessoa que acredita que a Terra é plana, pode acreditar na cloroquina. 

Então, ele direciona a mensagem de acordo com a psicologia daquela pessoa específica. É uma coisa medonha,  porque a gente vê tanta gente bacana aí que tá entrando de gaiato nesse navio... Está acreditando em coisas absurdas. Como se a Covid-19 fosse um verme, não um vírus. Como se tivesse um tratamento precoce para aquilo, quando não tem. Coisas desse tipo que estão sendo disseminadas pelas autoridades brasileiras, não é por uma pessoa que está vendendo, também não sei se ele tem laboratório por trás disso, pode ser que tenha. Mas nem é disso que eu estou falando, nem quero levantar essa suspeita de que o laboratório está lucrando com a ignorância do governo.

Aliás, Natal tem um prefeito que é médico e que é um garoto propaganda da Ivermectina, por exemplo, um dos medicamentos do kit Covid que você citou...

Isso em muitos países do mundo seria considerado charlatanismo e muito provavelmente estaria sujeito não só à caça do registro de médico, como à prisão por charlatanismo. Em alguns países do mundo isso jamais seria aceito, mas aqui é a maior autoridade sanitária que está dizendo, que está vendendo esse peixe. Esse quarto ministro é que tá tentando tirar. Você viu que eles estão deletando das redes sociais todos vídeos que eles fizeram para vender cloroquina. Eles estão deletando isso do YouTube, do Twitter, tudo mais.

Parece um absurdo, em dois anos de pandemia o Brasil já teve quatro ministros da saúde. Agora país está em meio à CPI da Covid, que o governo Bolsonaro tenta desmoralizar, temendo os resultados. O (ex-presidente da Câmara Federal) Rodrigo Maia saiu do cargo com mais de 50 pedidos de impeachment sobre a mesa dele, pedidos que continuam lá, mas na da indica que o Arthur Lira vai dar sequência, pelo menos a priori. Você acha que essa CPI é essa oportunidade para o impeachment sair? Como você vê isso?

Eu acredito que o Bolsonaro comprou o Centrão. Ele comprou o Centrão. Esse orçamento sigiloso que foi divulgado no domingo é a prova sim, não é nem digital que você tá falando, você tá falando da arma do crime na mão do criminoso. 

"Nem pressão digital precisa para saber quem é o delinquente, é o próprio presidente da República. O cara está comprando apoio parlamentar assim descaradamente". 

Então é muito difícil. É uma quadrilha mesmo, que tá fazendo o orçamento de gato e sapato, entendeu? E aí como é que você vai acreditar que o impeachment  possa ser pautado numa situação como essa?

Agora a CPI já cumpriu uma finalidade incrível, que é pressionar o governo a tomar alguma medida. Nem que seja para não vender cloroquina, já é alguma coisa para tudo que já tínhamos. Nem que seja para deletar os vídeos mentirosos do Osmar Terra, do Alexandre Garcia, da Leda Nagle, todo mundo que fez propaganda do falso remédio e que está agora sendo obrigada a deletar para não ser preso. Porque uma CPI pode mandar prender uma pessoa. Se a pessoa mentir na CPI ela vai presa. Então veja você que ela já está cumprindo uma função. Agora ela deve se aprofundar para apurar as responsabilidades. Porque um dia esse pesadelo terminará e os crimes não estarão prescritos. Eles podem vir a responder por esses crimes numa outra circunstância.  Muito importante que a CPI tenha toda documentação para que isso possa vir a ser usado em juízo, num futuro próximo, assim eu espero. 

Desde que o governo Jair Bolsonaro decidiu se dedicar a eleger os presidentes do legislativo era conhecido em Brasília que ele havia feito um pacto para distribuir pelo menos 3 bilhões de reais em emendas para deputados e senadores, principalmente do centrão. Nesta semana, foram encontradas as digitais de sua administração que confirmam que houve a entrega preferencial e extraoficial de recursos públicos do orçamento a aliados estratégicos no Congresso. O escândalo, batizado nas redes de “bolsolão” ou de “tratoraço”, foi revelado no domingo das mães pelo jornal o Estado de S. Paulo. Isso vai contra tudo que o presidente Bolsonaro repudiou na sua campanha. Então, além de estelionato eleitoral, segundo o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, trata-se de um desvio ilegal e imoral. É improbidade administrativa e crime de responsabilidade. É ato contra os princípios da impessoalidade e da publicidade. Com o presidente da Câmara e do Senado entre os beneficiados, você avalia que as investigações que começam a ser abertas pelo TCU podem resultar num impeachment do presidente?

Olha, esse impeachment deveria ter sido pautado um ano atrás, quando nós dissemos: ele está sabotando o combate à pandemia. O presidente já estava em plena campanha pelo vírus. Ele entendia à época que todo mundo tinha que pegar o vírus e se morresse 2% ou 3% da população estava resolvido o problema, ia sobrar 97%, 98% da população, e o resto pronto. Só que nossa população são 4 milhões de pessoas, isso é um dado concreto. 

"Bolsonaro não tem compromisso com a vida. Tudo dele é associado à morte. É decreto para liberar armas para milícias, é imunização por contaminação, e não por vacinação, é assim que ele vê o mundo. É uma coisa dramática".

Agora o impeachment deveria ter sido pautado há 12 meses, quando nós propusemos dizendo: não haverá chance de salvar os brasileiros com o Bolsonaro na presidência. Isso foi dito com todas as letras. Ele cometeu, segundo alguns especialistas, 27 crimes de responsabilidade, mas basta um para o impeachment, você não precisava concordar com a lista. Basta um, e ele não deu a menor bola. Não deu a menor bola para nada, botou lá o presidente na Câmera que ele quis, e agora nós estamos vivendo essa situação delicadíssima. 

Na verdade, em 2016, não precisou de nenhum crime para o impeachment. Por que não ficou comprovado que a Dilma cometeu crime de responsabilidade também...

Isso está claro. O complô contra o PT, isso já está escancarado no mundo inteiro. Ninguém no mundo discute mais isso, só aqui que tem um ou outro que quer discutir. Mas o mundo inteiro sabe o que aconteceu no Brasil. Esse complô de inventar uma coisa ridícula contra o Lula. 

"A acusação contra o Lula é ridícula, não é uma coisa que dá para levar a sério".

Só em Curitiba que levaram aquilo a sério porque tinham pretensões políticas. O Moro tinha pretensões políticas e quis encurtar a carreira dele, quis um atalho para a carreira dele subindo no ombro do Lula, essa é a questão.

Agora ficou totalmente escancarado o plano e agora o Lula teve restituído seus direitos  políticos. Você acha que um presidente da República que saiu com 80% de aprovação, que tinha palestra contratada a peso de ouro, vai precisar fazer aquilo que eu Moro diz que ele fez? Tenha santa paciência, só no Brasil para acreditarem numa coisa dessa. E uma campanha midiática absurda: o dia inteiro, todo dia, falando a mesma coisa. E agora, sobrou o quê desse castelo de areia? Não sobrou nada, só sobrou a desgraça toda que o Brasil está vivendo.

A Educação parece ter sido escolhida como uma inimiga que precisa ser combatida pelo presidente Bolsonaro, que desde que assumiu tem realizado sucessivos cortes de verbas para o setor, que tem atacado estudantes, professores e até pais de alunos, que nega a ciência, que interfere na autonomia das instituições, ignorando votos de professores, alunos e funcionários na escolha dos seus gestores. Para este ano, foi anunciado um corte de 1 bilhão. Em artigo no Globo, reitora e vice-reitor da UFRJ afirmaram que a Universidade pode fechar as portas a partir de julho. Estamos falando da maior Universidade do país, a primeira criada pelo governo federal, e que se destacou agora no combate à pandemia. Você que foi ministro da educação, entre os anos de 2005 e 2012, nos governos Lula e Dilma, que avaliação você faz desse quadro? 

As pessoas não estão se dando conta da destruição da educação, porque com razão estão preocupados com a saúde e com a economia, estão preocupados com renda e com se manter vivas. É isso que as pessoas estão preocupadas. Mesmo os jornais não estão cobrindo adequadamente o que vai ser o pós pandemia na área da Educação. Porque aí é que nós vamos ter o caos que esse governo produziu. As Universidades sem dinheiro para pagar conta de luz. Não estou falando de dinheiro para construir prédio, laboratório, contratar professor. Estou falando para manter o básico. Sem dinheiro para assistência estudantil. Felizmente nós temos muita gente pobre hoje que faz universidade pública, as melhores do país. Mas esses meninos e meninas que entraram na universidade pública graças ao Sisu, ao novo Enem, à política de reserva de vagas para alunos de escola pública, e não conseguem se manter sem o restaurante universitário, sem moradia estudantil, sem acesso à biblioteca. Como é que eles vão fazer? Não tem dinheiro às vezes para passagem de ônibus. A gente sabe a dureza que é a vida do pobre na universidade. Ele está orgulhoso, com razão, porque chegou lá, tirou uma boa nota no ENEM, passou, ganhou a vaga, mas é um começo da jornada. Tem 4, 5 anos para chegar até o fim da jornada e botar a mão no diploma. É um processo longo e difícil. A gente que teve a felicidade de poder cursar uma universidade, sabe. 

"Quando eu cursei a Universidade, não tinha pobre, não tinha preto, só tinha elite, branca, classe média alta, era essa cara da Universidade Brasileira 30/40 anos atrás".

Muita gente, inclusive setores do PT mesmo, da esquerda, acredita que faltou um pouco o PT mostrar para as pessoas que a política de ampliação ao acesso foi uma ação, uma política de governo preocupado com esse tipo de problema. Você não acha que faltou um pouco comunicar isso também? 

Mas também é por conta do que dá certo no Brasil não tem pai nem mãe, o que dá errado logo aparece e imputam a alguém. O ProUni não tem pai nem mãe, o novo ENEM não tem pai nem mãe, o SISU não tem pai nem mãe, os Institutos Federais, que aí no Rio Grande do Norte são uma potência, não tem pai nem mãe. Agora eu sei o que eu fiz lá no Ministério da Educação, eu sei o que a Fátima Bezerra fez como deputada e senadora para ter um Instituto Federal do Rio Grande do Norte do tamanho que nós temos aí. Eu sei o que foi feito, o trabalho que deu cada cidade, cada cidade ser discutida, a Universidade que a sede é em Mossoró que fui inaugurar com o presidente Lula. Vai ver o corpo docente da UFERSA. Já faz 10 anos, todo mundo esqueceu, mas a revolução da educação, sobretudo no Nordeste, com o Fundeb, Piso Nacional do Magistério, com os Institutos Federais, com a interiorização das Universidades, o novo Enem, o ProUni. Foi uma epopeia para chegar nessa situação. Eu fiquei 7 anos na frente do MEC para ver isso acontecer, ver o Brasil entrar pela porta da frente da universidade. E isso é que vai mudar o Brasil. Você pode anotar o que eu tô falando.

"Essa Juventude pobre, preta, periférica que chegou na universidade vai fazer o maior projeto nacional que esse país já viu".

Porque projeto Nacional quem faz não é gabinete de tecnocrata, é quando o povo exige um projeto para todo mundo. Coisa que quase nunca aconteceu no Brasil.

Para quem está acompanhando  e não tem ideia do que você tá falando: antes do governo Lula, é importante dizer, haviam 2 IFs no Rio Grande do Norte. Você tinha uma sede em Natal e outra em Mossoró. Hoje são 22. 

Só multiplicamos por 11 em 7 anos...

Para além dos cortes, há um ataque sistemático do governo Bolsonaro contra a autonomia das universidades. Das três instituições federais do Rio Grande do Norte, duas sofreram intervenção: o IFRN, que conseguiu reverter, e a Universidade Federal Rural do Semiárido, a UFERSA. Como você vê esse cenário? É possível conter esse desrespeito à autonomia universitária?

É possível e tem havido resistência. Mas o estrago é grande também, porque eles atacam, eles têm instrumentos para atacar. Quer dizer,  a gente tem instrumentos para defender, mas eles têm muitos instrumentos para atacar. Você falou de um agora, as vitórias que a gente tá tendo na Justiça para nomear os reitores eleitos. Isso foi parar no Supremo Tribunal Federal. Porque o Bolsonaro não queria respeitar a autonomia universitária. Nós respondemos por 90% da pesquisa científica no Brasil. 

"As instituições públicas de educação superior respondem por 90% da pesquisa científica no Brasil, que por sua vez é o 13º produtor de conhecimento do Mundo, graças a essas políticas".

Agora nós estamos perdendo espaço, a produção científica vai cair muito no Brasil porque Bolsonaro cortou 70% do investimento em pesquisa. Isso vai ter consequências para a ciência brasileira. E a ciência brasileira é muito respeitada e muito respeitada fora.

Falando em 2022, pesquisa Atlas divulgada dia 10 de maio, mostra que Bolsonaro teve alta na popularidade, apesar do desgaste da CPI da pandemia, e só Lula o venceria no segundo turno. Há uma maneira da esquerda chegar unida em 2022? E para você o nome é Lula?

Lula é o único que derrota o Bolsonaro no segundo turno já. E a verdade é que se você pegar essa pesquisa, tanto o Lula como o Bolsonaro estão com 30%. Os dois juntos estão quase com 70% das intenções de voto, 15% não sabe e os outros 15% se distribuem por 5/6 candidatos. Qual a hipótese de se procurar uma terceira via do ponto de vista aritmético? Não estou falando nem do ponto de vista político, aritmeticamente como é que faz? Se 70% já definiu o voto no Bolsonaro ou no Lula, e 15% estão distribuídos por 5 candidatos cada um tendo 3% ou 4% de intenção de voto... Não tem espaço, entendeu. A verdade é essa, não tem esse espaço. Então, você está falando de dois presidentes, um que está no cargo, e outro que saiu com 80% de aprovação, o Lula. E que vão disputar a eleição. Na minha opinião, eu acho que esse é o quadro para 2022. A menos que aconteça, assim uma coisa inesperada, como, por exemplo, o impeachment do Bolsonaro. Coisa que eu não espero, por causa do presidente da Câmara. Que vai ser o presidente da Câmara durante a eleição até o final de 2022, mas não está com cara de que vai aceitar um pedindo impeachment. Se não tiver o pedido de impeachment aceito, Bolsonaro é candidato. No Nordeste ele não tem apoio, mas no Rio Grande do Sul ele tem, por exemplo. No Rio Grande do Norte eu sei que ele não tem. E aí ele pode chegar no segundo turno, como sugerem as pesquisas. 

"E aí vai ser uma disputa de dois projetos antagônicos, um democrático outro autoritário, um inclusivo  e outro rentista. E assim por diante. E o povo vai ter que escolher um desses dois projetos. O da morte ou o da vida".

Houve essa possibilidade há três anos contigo… 

E eu quase ganhei faltando 20 dias de campanha.

E havia um antipetismo que a imprensa massificou, inclusive, só se falava no antipetismo. Agora você tem também o anti bolsonarista, que vem muito forte também, né? Como é que você imagina no 1º turno ? Cada partido por si ? O Glauber Braga, por exemplo, está tentando se viabilizar no PSOL. O Ciro vai também para o jogo. João Santana vai ser o marqueteiro dele, já anunciou. Enfim, como é que você imagina que vai ser com vários candidatos ? E a esquerda, o campo progressista, se une no segundo turno, ou é possível uma composição já no primeiro turno? 

Acho que uma composição de 1º turno, como se fosse o 2º, não vai acontecer. Porque a pessoa às vezes sabe que não vai ganhar, mas quer se apresentar, entendeu? Às vezes quer se despedir, é a última eleição. Deixar um abraço para a moçada, entendeu? Tem de tudo, campanha é uma coisa bonita de participar. Você participa dos debates, você conversa com o povo, é um negócio muito apaixonante. Agora entrar para ganhar, sinceramente, eu não vejo hoje condições de isso acontecer. 

"Eu acho que está definido o quadro, isso não significa que as pessoas não possam se apresentar." 

Pode se apresentar. Eu mesmo não sabia que ia para segundo turno, em 2018. Eu larguei com 3% de intenção de voto. Eu tenho 3% nas pesquisas faltando um mês para eleição. Mas quando teve a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, eu que era candidato a vice assumi a cabeça de chapa. Eu logo fui para 12, fui para 15, para 18, e cheguei até 29, no primeiro turno. E aí chegamos a 45%, no segundo turno. Então eleição você não sabe, entende, quando você é desconhecido… Mas quando o povo já te conhece, a chance de você decolar é enorme. Uma coisa é um estreante, o povo vai avaliar: eu gosto, ou não gosto. Outra coisa é alguém que já foi duas, três, quatro, cinco, dez vezes candidato. Aí a pessoa sabe quem é. Então por isso que eu acho que não tem uma grande novidade no cenário político nacional, entende? Não tem uma grande novidade. São pessoas já conhecidas da população. Então não acho que haja chance de uma reviravolta. Não excluo, porque em política tudo é possível. 

"Mas eu acho muito difícil que o presidente atual e o ex-presidente mais bem avaliado da história do Brasil não estejam disputando o protagonismo em 2022. Nós estamos falando do presidente mais bem avaliado da história do Brasil, e um dos mais bem avaliados da história mundial. Esse é o Lula".

Haddad, você citou a questão do Nordeste e da dificuldade do Bolsonaro em chegar nas bases. O Rio Grande do Norte   tem dois ministros no Planalto, lá em Brasília, o Rogério Marinho, que veio à tona no escândalo do tratoraço, e o Fábio Faria nas Comunicações. Dos 167 municípios do RN, você ganhou em 164, só perdeu para o Bolsonaro em três municípios. Um deles foi Natal, a capital, que é uma cidade muito conservadora. O PT nunca conseguiu eleger um prefeito. Teve o Fernando Mineiro, tentou com a Fátima, que bateu na trave também. Como é que se reverte isso ? Você acredita que o Bolsonaro pode avançar no Nordeste, ou você acha aqui não tem espaço para ele ?

Eu até acho possível que ele cresça um pouco no Nordeste, em relação à 2018. Mas ele está perdendo muito no Sudeste e no Sul, muito. Então, vai haver uma troca de voto. É natural, sobretudo quando você ganhou uma eleição. Pode crescer um pouco no Nordeste, mas vai decrescer mais no Centro-sul. Porque o Centro-sul foi quem elegeu o Bolsonaro. Mas se decepcionou muito com ele, entendeu? Então, vai haver um pouco de mudança no perfil do leitor dele, assim como vai haver uma mudança no perfil do eleitor do PT. Por exemplo, o Lula tá com uma folga enorme nas camadas escolarizadas, nos muito pobres. Tá com muita folga. 

"Então é interessante que o povão tá com Lula, e quem tem escolaridade tá com Lula. Essa aliança é que é transformadora". 

Quando você une o povo com a inteligência instalada no país, você tem essa combinação virtuosa. Nunca teve tanto pobre na universidade quanto agora. Isso é uma novidade no Brasil. Nunca tivemos tanto Brasil dentro da Universidade. Eu acredito nessa força. Não é uma força eleitoral, apenas. É uma força de transformação social. E a minha esperança. Aí tem um pouco de ciência política, porque eu sou cientista político, mas tem um pouco do político que tem esperança no Brasil. Eu sou uma pessoa com esperança no BrasilAgora minha maior esperança no Brasil é essa juventude. Eu acho que na hora que destravar a pandemia, na hora que a gente estiver minimamente imunizado, e vai demorar um pouco ainda porque Bolsonaro não tomou nenhuma providência para isso, mas vai acontecer por pressão social. Eu acho que essa galera em 2022 vai ocupar o Brasil. Você já imaginou a energia acumulada depois de 2 anos dentro de casa. Vão sair para rua querendo o país de volta, é isso que eu espero. Eu espero mesmo que essa geração venha com gás para mudar o Brasil. Venha com vontade.

Já que a gente está falando do Nordeste, deixa eu pegar um gancho para cá, para o Rio Grande do Norte. Como é que você está vendo a gestão da Fátima, a única mulher a governar um estado no país, com uma pandemia dessa ?  De fora para dentro, como é que você tem acompanhado?

Rapaz, eu sou fã da Fátima desde que eu nasci, praticamente. Eu acho essa mulher extraordinária. Eu acho ela extraordinária. E se você não gosta, chega perto que você vai gostar. É uma pessoa que veio do nada, que foi galgando, foi crescendo, foi conquistando. Foi deputada, foi Senadora, Governadora, derrotando toda a oligarquia. Ela foi contra toda a oligarquia junta, e venceu. Rapaz, tem que botar um busto dela aí em Natal, bem alto, para todo mundo ver. É a única mulher Governadora de um Estado. Enfrentando esse diabo desse governo federal, pandemia, tudo. Receita caindo... Olha... é de tirar o chapéu, viu? É um exemplo de cidadania.

"É uma mulher inspiradora. As mulheres têm que olhar para ela e dizer: é possível mudar as coisas!"

Não vou baixar a cabeça, eu vou crescer na vida, eu vou ter a minha personalidade, eu vou ter minha trajetória. Desde que eu nasci eu sou fã da Fátima. Eu nem conhecia e já era fã dela. 

Haddad, deslocando o debate do Rio Grande do Norte para São Paulo. O seu nome tem sido cogitado também para disputar o governo do Estado de São Paulo. Fernando Haddad é o candidato do PT?

Pois é, aqui nós temos uma situação que é diferente do Rio Grande do Norte. Porque aqui a gente tem que derrotar o Bolsonaro e o Dória. Aqui a coisa tá feia, entendeu? Nós não temos governo aqui. Você vê os números de São Paulo, e são piores do que os do Brasil. São Paulo tem uma situação ainda pior do que a do Brasil. E é o estado mais rico da Federação. Tinha tudo para fazer um trabalho bem feito. E de fato muito vacilo, muita ambiguidade. Você não sabe o que é esse governo de São Paulo. É bolsodória, não é bolsodória. Do que que nós estamos falando? 

"Então aqui eu sou da tese de que nós temos que fazer uma frente progressista". 

E ver quem tem melhores condições de derrotar tanto o candidato do Bolsonaro aqui, que vai ser alguém igual ou pior que ele, quanto o atual governador, que também não dá. São 28 anos de PSDB no estado, chega! Vamos mudar um pouquinho, soprar um vento de mudança. Então não tem essa de colocar nome agora, porque não faz muito sentido. Tem um ano e meio para a gente ver o que é melhor para o estado e para o país. Mas nós já estamos conversando, sem esquecer das tarefas de hoje que são grandes, que é vacina, auxílio... Tudo que a gente precisa fazer. Mas vamos conversando com as pessoas que têm essa mesma visão, de que nós precisamos de um sopro de renovação em São Paulo. 

O segundo turno para prefeito, com a campanha do Boulos, e o PT apoiando, foi uma campanha muito bonita, né? 

Foi. Sempre é bonita uma campanha de esquerda. A minha em 2018 foi bonita, a do Boulos em 2020 foi bonita... Porque a gente gosta de celebrar a democracia. Celebrar conquistas sociais. Celebrar avanço, progresso. 

"A gente gosta de balbúrdia mesmo". 

Agora uma pergunta de economia enviada por um internauta. O governo Biden tem ampliado a participação do Estado, com foco nos menos favorecidos. Propôs um aporte de US$ 1,8 trilhão, em especial para educação e saúde, financiado pela taxação dos 1% mais ricos. Por que os liberais brasileiros insistem em continuar na contramão do mundo?

Eu não sei porque eles fazem isso. É uma coisa a ser estudada pela psicanálise, na minha opinião. Não é possível! Você não consegue conversar com uma colunista aqui, à luz da experiência internacional. É uma coisa muito grave aqui no Brasil. O que é que o Lula fez em 2008? Foi a pior crise financeira da história, desde 1929, quase 100 anos depois, durante uma crise medonha. E o Lula fez o que o Biden tá fazendo, nem mais nem menos. Chamou o país, foi para a televisão e apresentou um plano consistente para o país voltar a crescer. Passamos um 2009 difícil, e em 2010 o país estava bombando, cresceu mais de 7% no ano de 2010. Por que? Por políticas anticíclicas que devem ser utilizadas em momentos como esse, entendeu? E nós tínhamos reservas internacionais, temos até hoje reservas internacionais. Quando você não deve em moeda estrangeira você tem muito mais grau de liberdade para agir do que quando você está endividado. Você não pode pensar no Brasil como a Argentina. A Argentina está devendo em dólar. Não é o caso do Brasil que é credor em dólar, desde o Lula. Então como é que os dois países em situações tão diferentes vão adotar o mesmo receituário para enfrentar o problema econômico, não faz nem sentido. Não faz nem sentido do ponto de vista lógico, percebe? 

"Nós nos blindamos durante o governo Lula com as reservas internacionais. Você acha que o Bolsonaro estaria na presidência se não fossem as reservas do Lula? De jeito nenhum. Ele já teria caído". 

As reservas que nós acumulamos é o que sustenta o Brasil desde 2008. Toda essa crise política, econômica, institucional, Lava a Jato, tudo isso aí quem aguentou o tranco foram as reservas internacionais. Se não fossem elas o Brasil tava hoje sabe Deus como, entendeu? Não teria musculatura para enfrentar. Então, as pessoas precisam entender que o Brasil se preparou para a crise. Agora nós não estamos tirando proveito dessa musculatura que nós temos. E é isso que o Guedes não consegue enxergar. Não consegue enxergar que o Brasil tem musculatura para fazer mais, para ter um desempenho melhor. E nós não dependemos tanto assim do mundo quanto nós dependíamos até o final do século passado. Se você pegar o Brasil até 2003, 2004, o Brasil era devedor. Qualquer vento a gente pegar pneumonia, né? Qualquer vento forte a gente pegava pneumonia aqui. Hoje não. Hoje tem problema? Tem, mas o Brasil é sólido, entendeu? Tem muito dinheiro em caixa, é essa a diferença.

Assista a entrevista de Fernando Haddad ao Balbúrdia na íntegra:

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