Governo Bolsonaro cassa o pagamento de pensão a 295 ex-militares anistiados políticos
Natal, RN 19 de mar 2024

Governo Bolsonaro cassa o pagamento de pensão a 295 ex-militares anistiados políticos

9 de junho de 2020
Governo Bolsonaro cassa o pagamento de pensão a 295 ex-militares anistiados políticos

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O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) publicou nesta segunda-feira (8) uma série de portarias que anulam o reconhecimento de 295 pessoas como anistiados políticos. Trata-se de cabos desligados da Aeronáutica durante o regime militar por perseguição política. Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a ditadura perseguiu 6.591 militares, desses 3.340 apenas da Força Aérea Brasileira (FAB).

A ação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos encontra respaldo em decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que em outubro do ano passado autorizou o governo a revisar e, eventualmente, anular as compensações financeiras a perseguidos pelo regime concedidas a mais de 2,5 mil ex-militares da Aeronáutica.

Para o movimento Tortura Nunca Mais, fundado em 1985 para debater violações de direitos humanos e relembrar os efeitos do regime implantado em 1964, a decisão abre um precedente para cumprimento do que o governo vem anunciando desabilitar.

Membros do governo Jair Bolsonaro, do PSL, sigla que elegeu o presidente, e o próprio Jair Bolsonaro, que é defensor do regime militar, têm anunciado o interesse em fiscalizar ou mesmo restringir as compensações financeiras pagas a vítimas da ditadura. Entre 1995 e 2017, um total de R$ 13,4 bilhões foi repassado a anistiados políticos.

O presidente afirma também não acreditar na Comissão da Verdade, que investigou violações de direitos humanos no período da ditadura militar, porque todos os componentes do colegiado foram indicados pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Ditadura militar

O movimento militar de 1964 encerrou um período de liberdade política como nunca havia existido no Brasil até então. Nos anos que se seguiram, as liberdades públicas foram eliminadas progressivamente até que, em dezembro de 1968, o Executivo decretou o AI-5 e passou a concentrar poderes excepcionais, transformando o regime político praticamente numa ditadura, cuja fase mais violenta e repressiva estendeu-se até 1974.

Após o ato de retirada de João Goulart, iniciou-se um regime de exceção que durou até 1985. Nesse período, não houve eleição direta para presidente. O Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados e houve censura à imprensa.

Estudante é carregado por oficiais do exército após repressão a a movimento no Rio de Janeiro (foto: Evandro Teixeira)

Comissão da Verdade

Criada com o objetivo de promover a apuração e o estabelecimento público das graves violações de Direitos Humanos praticadas no Brasil entre 1946 e 1988, a CNV soma-se ao esforço do Brasil em realizar sua justiça de transição, necessária para a construção da paz sustentável após um período de conflito e violações sistemáticas dos direitos humanos.

De acordo com a Comissão da Verdade, 434 pessoas foram mortas pelo regime ou desapareceram – somente 33 corpos foram localizados. Em 2014, a comissão entregou à então presidente Dilma Rousseff um documento no qual responsabilizou 377 pessoas pelas mortes e pelos desaparecimentos durante a ditadura.

Entre 30 a 50 mil pessoas foram presas e torturadas. Uma média de 536 sindicatos sofreram intervenções. Sem contabilizar os assassinatos políticos, ainda não esclarecidos, cometidos após o período de abertura democrática no país.

Militares reprimem estudantes em passeata (foto: Evandro Teixeira)

O relatório

Dividido em três volumes, o relatório é resultado de dois anos e sete meses de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 12.528/11. De acordo com o coordenador do grupo, Pedro Dallari, uma das conclusões mais importantes do relatório final é a confirmação de que as graves violações aos direitos humanos, durante o período da ditadura militar, foram praticadas de maneira sistemática.

O primeiro volume do relatório enumera as atividades realizadas pela Comissão da Verdade, descreve os fatos examinados e apresenta as conclusões e recomendações dos integrantes do grupo.

O segundo volume mostra como militares, trabalhadores organizados, camponeses, igrejas cristãs, indígenas, homossexuais e a universidade foram afetados pela ditadura e qual papel esses grupos tiveram na resistência.

O terceiro volume é integralmente dedicado às vítimas. Nele, são reveladas a vida e as circunstâncias da morte e do desaparecimento de 434 pessoas - 73 nomes a mais do que o último levantamento realizado pelo Estado, em 2007.

Revisionismo

Além da medida concreta do governo de Jair Bolsonaro para acabar com o que considera ser uma farra na concessão da ‘bolsa-anistia’, no Congresso, correligionários de Bolsonaro apresentaram dois projetos que enfocam, entre outros temas, as indenizações pagas a anistiados políticos.

A proposta da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) é pela criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que vigorou entre 2011 e 2014.

A deputada alega que “o Relatório da CNV não teve credibilidade, pois investigou apenas um dos lados do violento conflito onde ambos cometeram violações aos DH [Direitos Humanos]. Ao não esclarecer quase nada além do que já constava em dezenas de livros, particularmente da esquerda socialista, fez um relatório faccioso, responsabilizando autoridades desde os mais altos escalões, a fim de se auto promover e tentar justificar dois anos de grandes despesas ao tesouro”.

Já uma proposta apresentada pelo deputado Márcio Labre (PSL-RJ) pretende determinar que o Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalize as indenizações que são pagas atualmente aos anistiados. Pela proposta do parlamentar, benefícios que o governo avaliar irregulares serão suspensos ou mesmo extintos.

“Estamos num processo, hoje, de reforma do Estado e de revisão de uma série de despesas e desembolsos que estão contribuindo para um déficit fiscal perigoso e problemático. O custo com essas pensões é de R$ 1,5 bilhão por ano”, afirmou o parlamentar.

Descumprimento aos Direitos Humanos

Logo que assumiu o governo, Jair Bolsonaro realizou uma reforma ministerial sem prevalência dos Direitos Humanos. A Medida Provisória 870, transformada em Lei nº 13.844/2019 extinguiu o Ministério do Trabalho e Emprego e rompeu os limites do laicismo ao criar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Governo não deu seguimento às recomendações da CNV. As atividades duraram quase três anos e coletaram 1.116 depoimentos, sendo 483 em audiências públicas e 633 em depoimentos reservados. Além dos depoimentos, grande parte de sua investigação foi baseada em análise documental. Dentre as recomendações, está o reconhecimento e a responsabilização pelos graves atos de violação de Direitos Humanos, proposição de medidas administrativas, de educação e fortalecimento de mecanismos democráticos para que os atos autoritários, de tortura e desumanização não se repitam. Desprezar os resultados da CNV significa promover o negacionismo é reproduzir o contexto de atrocidades da Ditadura Militar.

Ao contrário, o Ministro da Defesa, em convocação escrita, assinada também pelo Almirante da Marinha, General do Exército e Brigadeiro da Aeronáutica, clama pela comemoração ao dia do Golpe de 1964, trantando-o como um dia simbólico de aproximação com as aspirações da sociedade brasileira. Trata-se de uma revisita ao negacionismo histórico, uma afronta aos resultados da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão de Anistia e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.

E deu início a um desmonte da Comissão de Anistia e da Comissão Especial de Mortos de Desaparecidos Políticos. Portaria 378 do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos nomeou militares, sem qualquer afinidade com os Direitos Humanos ou com o conhecimento mínimo sobre anistia e memória, para o cargo de Conselheiro da Comissão de Anistia. O Ministério Público Federal contestou a nomeação para a Comissão de Anistia via Ação Civil Pública, mas decreto presidencial de 31 de julho de 2019 exonerou membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos sem justificativa e motivação legítimas. Esse decreto também é objeto de Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal.

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