Livros ? Sempre !
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26 de abril de 2021
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A vida neste país-pesadelo segue e a gente teima em resistir. Para isso, nada como buscar consolo e força em um objeto cultural também de resistência: os livros. Os livros resistem. Resistem ao tempo, aos incêndios por negligência ou por ódio, às novas tecnologias digitais e, agora, à proposta de taxação de 12% que o “governo” Bolsonaro tenta impor. Tomemos o exemplo de resistência dos livros e falemos deles, pois, aproveitando ainda o ensejo do seu dia mundial, celebrado na data de 23 de abril.

A minha celebração pessoal deste ano aconteceu – e acontece – de muitas maneiras, melhor dizendo, em muitas leituras. Uma delas tem a ver com tema que faz minha cabeça como pesquisadora: as práticas de autores e editores. Nessa linha, e a partir de algumas conversas com o editor e sebista Abimael Silva, do Sebo Vermelho, caiu-me nas mãos, enfim, o indispensável “Não contem com o fim do livro”, um delicioso papo entre dois grandes bibliófilos: Umberto Eco e Jean-Claude Carrière.

E como livro chama livro, logo em seguida caiu nas minhas mãos o “Confissões de um jovem romancista”, também de Umberto Eco. Além dos ótimos casos que ele conta relacionados à escrita e à recepção de alguns de seus romances (O Nome da Rosa e O pêndulo de Foucault, por exemplo), faz algumas reflexões sobre o que seja, na sua concepção, o autor ou leitor “empírico” em contraposição ao autor ou leitor “modelo”. Algo que poderia ser resumido na seguinte citação:

Um texto é uma máquina preguiçosa que quer que os seus leitores façam parte do seu trabalho – vale dizer, um dispositivo concebido para dar margem a interpretações (conforme escrevi no meu livro The role of the reader). Quando se está diante de um texto a ser questionado, é irrelevante consultar o autor. Ao mesmo tempo, o leitor não pode simplesmente fazer qualquer interpretação, seguindo apenas sua fantasia, devendo certificar-se de que o texto não só legitima como estimula determinada leitura (ECO, 2018, p. 25).

Em linhas gerais, o que me chama a atenção nesse trecho, e com o qual eu concordo plenamente, é que nem se pode fechar a interpretação de um texto ao que seu autor “quis dizer” como também não se pode alegar que o leitor possa interpretar tudo da maneira como lhe aprouver. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Essa linha de abertura de interpretação, talvez, possa se esticar um pouco mais além em relação aos textos poéticos. E talvez por isso, como autora empírica, eu deseje cada vez mais dar aos meus textos literários em prosa um quê de poesia que permita aos leitores “viajarem” para além de qualquer enquadramento de “leitor modelo” (aquele que percebe as pistas e chaves de leitura que o autor modelo deixa no texto).

Eu, como leitora empírica, dou o maior valor a textos assim, esses que “esticam a baladeira” e possibilitam amplas formas de interpretação, ainda que sempre limitadas. Talvez por isso eu aprecie a leitura de haicais, esses poemas curtos por meio dos quais a tradição japonesa nos ensina a contemplar e sentir a vida ao redor. Com seu poder de síntese e sua forma minimalista, tantas coisas um haicai pode nos dizer!

Pois eis que outro livro – que segue justamente a linha dos haicais – também me caiu nas mãos junto aos outros do mestre Eco. Na verdade, não se trata exatamente de um livro ainda, e sim de um projeto em andamento, já no prelo e a ser lançado em breve: Terça Diminuta, de Eduardo Ezus.

Foi nos bares da vida que conheci esse jovem autor e nossas interações on line se intensificaram por meio da revista Tamarina Literária, da qual é um dos editores. Tive a grata alegria de receber o convite para ler, em primeira mão, o Terça Diminuta, uma reunião de 44 poemas com ilustrações de Mariana Gandarela e prefácio de João Batista de Moraes Neto, nosso bom e velho João da Rua. O livro foi viabilizado através da Lei Aldir Blanc-Rio Grande do Norte, pela Fundação José Augusto e Governo do Estado do Rio Grande do Norte.

Como diz o próprio Eduardo Ezus, o simples e o complexo coabitam nas imagens... Assim, o poema desperta, como a varetada zen, para o instante, o preciso, o precioso presente. Com rima ou sem rima, com ou sem gueixa: dando-nos a dimensão no lugar da descrição, o haikai é como saltar no lago pela primeira vez. Assim, satori!

Que venha logo para o mundo mais este livro, mais esta força-consolo para este presente-pesadelo que vivemos, mais um exemplo a nos dizer que, embora o instante não dure, os livros são para sempre.

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