Luiz Soares: “Intervenção militar é legalizar a brutalidade do Estado”
Natal, RN 20 de abr 2024

Luiz Soares: “Intervenção militar é legalizar a brutalidade do Estado”

16 de fevereiro de 2018
Luiz Soares: “Intervenção militar é legalizar a brutalidade do Estado”

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O antropólogo, escritor e ex-secretário Nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares afirmou que a intervenção militar na área de Segurança do Rio de Janeiro anunciada pelo Governo Temer nesta sexta-feira (15) é meramente política e não trará resultado de efeito prático para reduzir a violência no Estado fluminense. Autor do best-seller Elite da Tropa, que deu origem ao roteiro do aclamado filme Tropa de Elite (2008, dirigido por José Padilha), Soares foi entrevistado pelo canal no youtube Tutameia e falou sobre as consequências técnicas e políticas da intervenção, especialmente para a população do Rio. A agência Saiba Mais acompanhou a entrevista pela internet.

Para ele, o governo Temer está tentando colher o que o pré-candidato à presidência da República Jair Bolsonaro vem plantando em relação à militarização do combate à violência. E acredita que a intervenção no Rio é mais uma etapa do golpe de 2016 que retirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff. Para Soares, é possível que deste processo surja ou ganhe força um candidato conservador alçado por uma coalização de centro-direita.

Na visão do especialista, transferir para as Forças Armadas o controle da Segurança Pública do Rio é a “legalização da brutalidade do Estado”, uma vez que os militares não são treinados para abordar o cidadão nas ruas, mas para manusear armas de fogo e atirar. Luiz Eduardo Soares também previu o fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), quando o governador Sérgio Cabral (do PMDB, hoje preso por corrupção) anunciou o projeto como a redenção da violência nas favelas cariocas.

- As UPPs estavam fadadas ao fracasso, isso era óbvio porque a ideia inicial tinha até virtudes, mas implicava em incursões bélicas nas favelas nas quais morrem suspeitos, cidadãos comuns e policiais. O que se altera é o poder de negociação da propina, do arrego..., mas o ciclo de violência continua se reproduzindo.

Ele acredita que a intervenção militar do governo Temer só terá algum sucesso temporário em curto prazo se houver uma negociação com a mídia tradicional, em especial com a Rede Globo.

- Vai ser decisivo negociar com a mídia. Estamos tratando de aparência, os problemas não serão enfrentados, mas adiados. Se trata basicamente de uma intervenção para o Jornal Nacional. A intervenção militar é um problema editorial.

O fato de, num primeiro momento, as Forçadas Armadas conseguirem reduzir os sintomas da violência no Rio não significa, de acordo com o Luiz Eduardo Soares, que os problemas de Segurança Pública estão sendo tratados. E chamou a atenção para um fato importante: as Forças Armadas sabem que não estão preparadas para os problemas que terão pela frente.

- Essa intervenção será magnificada pela grande mídia e num primeiro momento é possível que a população sinta um alívio, mas não poderemos continuar nessa trilha porque as próprias Forças Armadas não gostam desse tipo de responsabilidade, elas sabem que não estão preparadas para isso. O que pode levar a uma degradação institucional, como ocorreu no México, a ponto dos policiais ficarem ainda mais vulneráveis.

Outro ponto do decreto de intervenção federal que preocupou o especialista em Segurança Pública do Rio foi a transferência para a Justiça Militar dos casos de violência envolvendo os militares das Forças Armadas. Hoje, quando um policial civil ou militar é acusado por algum crime, o caso é levado ao Ministério Público e à Corregedoria de Polícia.

- Estamos na iminência da intensificação da violência nos confrontos. No caso da violência letal da PM e unidades militarizadas da Polícia Civil, os casos estavam sob a vigência das corregedorias e do MP. E ainda que haja erro, do ponto de vista constitucional pode-se cobrar. Mas quando estão em ação as Forças Armadas, seus eventuais desvios e transgressões estarão sob a regência e supervisão da Justiça Militar, que tenderá a reagir de forma mais tolerante com a violência. Porque definirá confronto como confronto bélico.

Ao abdicar de enfrentar os problemas estruturais que provocam a violência, especialmente a desigualdade social, o Estado passou a desempenhar o papel de interventor brutal nas comunidades periféricas. Não há saída para o problema em curto prazo, avalia Soares, sem confrontar o país com questões cruciais que estão na raiz, a exemplo da fracassada política antidrogas.

- Deixamos de enfrentar os grandes problemas estruturais e tratamos da crise quando o paciente está na CTI. Não enfrentamos as grandes questões. A segurança passa pela discussão sobre a lei de drogas absolutamente irracional, pela explosão da população penitenciária, que hoje é a terceira maior do mundo e a que mais cresce. Também não enfrentamos as desigualdades sociais, nas favelas e periferias. O Estado continua sendo um interventor brutal violento e é parte do problema. Sem investimentos preventivos, seguiremos enfrentando essa situação de maneira perigosa.

Bolsonaro cai, Alckmin cresce

Ao afirmar que a intervenção militar do governo Temer no Rio de Janeiro é mais midiática do que resolutiva, o antropólogo faz uma análise política da estratégia federal. Para ele, caso o projeto consiga o que chama de “aparência” é provável que deste processo emerja um político de centro-direita para disputar e vencer as eleições para o Governo do Rio de Janeiro. O “sucesso” da intervenção também teria reflexos nacionais.

Soares acredita que a presença das Forças Armadas nas ruas do Rio deve esvaziar o discurso do político que mais se escora na retórica do combate à violência: Jair Bolsonaro.

- O movimento no Rio esvazia o Bolsonaro porque eles (a direita) querem colher o que o Bolsonaro está plantando. O (Geraldo) Alckmin (PSDB), por exemplo, está passando ao lado da intervenção militar. Que a população fale com o general, e não com o capitão. Na medida em que o clamor é atendido na prática o Bolsonaro perde esse discurso porque ele é um aventureiro, um nômade que pretende ser esse sebastianismo de direita. Então, (eles pensam) vamos ter a consistência do poder militar para mostrar como se pode agir para operar os problemas brasileiros. E isso certamente esvazia o Bolsonaro. E abre-se uma avenida para uma candidatura de centro conservadora que se apresente como solução viável, um ponto de gravitação em torno do qual formalizam-se alianças de direita e centro-direita.

Apesar da análise pessimista, o especialista em Segurança Pública afirma que acredita num candidato apresentado pelas forças democráticas de esquerda para vencer a eleição. Para ele, está clara a tentativa de retirar do páreo o ex-presidente Lula, assim como também é nítido que a intervenção representa um novo patamar do golpe de 2016, que destituiu a ex-presidenta Dilma Rousseff.

- Acho que as coisas não são intencionais, com cada etapa que aplica funções coordenadas. Não há um demiurgo por trás ditando tudo. Mas se tratando de um governo ilegítimo e uma realidade ilegítima, em função da maneira ilegal como ocorreu o impedimento da Dilma, estamos sob esse momento. E se esse momento é capaz de ameaçar a liberdade do Lula e de inviabilizar a participação dele no processo eleitoral, esse ambiente também está presente na intervenção militar, independente de que tenha sido programada a intervenção numa visão totalizante. Nesse quadro (o governo Temer) quer buscar a legitimidade na marra, na força, endossar o discurso de Bolsonaro sem o Bolsonaro. É o Bolsonarismo sem o Bolsonaro.

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